terça-feira, 14 de março de 2017

E NUMA NOITE VENTOSA O VIDRO VEIO AO CHÃO...





Esta noite o enorme e grosso vidro da montra das desaparecidas Galerias Coimbra desfez-se em mil pedaços, que se derramaram sobre a Rua Eduardo Coelho.
As causas estão determinadas, mas se eu contasse assim tudo de rajada ficava sem espaço para especular. E eu preciso de escrever. Assim sendo, partindo do princípio que não sei nada, vamos conjecturar sobre o que terá acontecido. A acção, na sua consequência, pode ser natural, transcendental, ou até de mãozinha humana.
Na origem do derrube, eventualmente, poderão estar causas naturais. Senão vejamos: durante o período comum de sono até à madrugada esteve um vento que empurrava tudo a “toque de caixa”. Logo, por inerência, poderíamos concluir que o culpado reside na Natureza.
Por outro lado, o causador do estilhaçar pode perfeitamente residir num fenómeno transcendental. Já há muito que se temia que o vidro gigante pudesse cair sobre a via pública durante o dia e ferir transeuntes. Ora, acontecendo durante a noite, facilmente se chega à conclusão de que poderemos estar perante um milagre dos Pastorinhos, das aparições de Fátima -como se sabe, só falta a confirmação de um fenómeno para a Comissão dos Teólogos poder levar ao processo de canonização dos beatos Francisco e Jacinta Marto.
Por outro lado ainda, pode andar ali intenção do homem, generalizando. E porquê? E eu sei lá? Se aqui se adivinhasse tínhamos um consultório aberto na Baixa e não escrevíamos gratuitamente, p'ro boneco. Podemos aventar qualquer coisinha. Lá isso podemos!
Já aqui falei na “teoria das janelas quebradas”, tese da psicologia social de que abandono gera abandono, desordem gera desordem. Ou seja, que um bem decrépito, desamparado, exposto, gera na comunidade uma vontade de “descarregar” nele um certo desprezo pelo imprestável que está dentro de nós. Logo, por silogismo, poderia ter acontecido assim.
Mas também é verdade que alguém, movido pelo excessivo amor aos animais, pudesse destruir a vidraça para que um par de gatinhos, em liberdade, pudesse circular entre a rua e o seu aconchego. Mais à frente explicarei melhor esta conclusão.

UM POUCO DE HISTÓRIA

O prédio das Galerias Coimbra teve no seu seio uma das maiores catedrais de comércio na Baixa de Coimbra. Isto antes de nascerem as cidades "low cost". Depois de, em 2010, passar pela insolvência da firma Coimbra & Filhos, Lª, em 2011 o edifício foi adquirido por um comerciante chinês e com financiamento atribuído pelo Millennium BCP. Em 2013, alegadamente, por o negociante ter entrado em incumprimento com a entidade bancária, o BCP vem a retomar as instalações como garantia do seu crédito. E a partir desta data ficou entregue ao ostracismo do silêncio de abandono.
Em Fevereiro do ano passado, em vandalismo implícito, alguém arremessou uma pedrada e provocou um buraco no vidro. Depois, progressivamente, o rasgo foi-se alargando a toda a área de transparência e temia-se que a qualquer momento se pudesse abater sobre quem circulasse na Rua Eduardo Coelho ou sobre uns sem-abrigo que pernoitavam na lateral. Como os serviços de Protecção Civil não ligassem grande coisa ao assunto, enviou-se uma carta com aviso-de-recepção ao Presidente da Câmara Municipal e as grades de segurança foram corridas para evitar males maiores.
Passado um tempo as grades que davam acesso aos pisos superiores do imóvel, mais uma vez, apareceram forçadas e, novamente, passou a servir de alojamento local para dois sem-eira nem beira e a um casal de gatos. Ao lado de uma frutaria e de um estabelecimento hoteleiro, convenhamos que o cheiro não era muito agradável. Mas como somos um povo de “não te rales que eu também não”, sem-abrigo, felinos e operadores comerciais, todos conviviam alegremente. E a coisa continuou assim durante meses.
Há cerca de três semanas, a frente do edifício degradado apareceu com grades novas e corridas de modo a impedir o alojamento humano.
Embora, manifestamente, os técnicos que colocaram as grades tivessem sido avisados de que havia gatos dentro da loja, pelos vistos, talvez por não terem sido detectados, deixaram dois animais no interior. Claro que, mesmo assim, a sobrevivência dos bichanos ficou assegurada não só por existir um buraco no vidro -que lhes permitiam livre circulação- como também a alimentação diária colocada de fora para dentro pelos imensos defensores dos felídios -que não querem saber da conspurcação ambiental. Mas é assim, é assim! O que importa é que os gatinhos não passem mal.

TANTA CONVERSA, MAS, AFINAL, O QUE ACONTECEU?

Ontem à noite o vento uivava ameaçador e mal-disposto no Centro Histórico. Em razão concreta, não se sabe porque aparentava tamanha fúria. Podem haver várias motivações, aventando, uma delas pode ser o facto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já ter vindo várias vezes à cidade e ainda não ter colocado os pés na Baixa, e não ter dado nem ter recebido uns beijinhos e abraços dos futricas cá da zona.
Prosseguindo, em virtude do vento querer levar tudo à frente, o vidro da montra em questão, por volta da meia-noite, deu em dar estalidos lancinantes, mais agressivos que, por analogia, presumivelmente Ferreira da Silva, o coordenador do movimento Cidadãos por Coimbra, teria emitido quando soube que o estavam a atirar para canto na escolha de candidato à autarquia. Vai daí, João Rodrigues, funcionário do BE 51, um estabelecimento hoteleiro mesmo ao lado, vendo que a vidraça se separou em duas, ficando a balouçar, e temendo que pudesse atingir alguém, ligou para a Protecção Civil para que viessem tomar conta da ocorrência. Estranhamente, ou talvez não se tivermos em conta que também estavam em causa dois gatinhos, coitadinhos, aquela entidade deslocou-se logo ao local e para que não houvesse sangue, humano e animal, partiu o que restava do vidro. É certo que, passadas quase vinte e quatro horas o resultado da quebra lá continua no chão à vista de toda a gente, mas isso não importa nada. O que interessa mesmo é que, pelo menos desta vez, respondeu com eficácia.
Até agora não foi possível saber se os gatinhos estarão mais felizes. Pode e deve admitir-se que sim. E pela sua felicidade, naturalmente, vale tudo. Se entre o dano causado, de deixar os vidros ao abandono na via pública, e a imediata solução do fim em causa haverá proporcionalidade? Isso já é outra questão.







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