quinta-feira, 26 de outubro de 2017

EDITORIAL: PARA QUE SERVIU E SERVE A APBC? (2)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Como escrevi no anterior apontamento, em 2006 nasceu oficialmente a Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC). Os estatutos desta entidade foram elaborados na ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra -hoje desaparecida por insolvência.
Como afirmei, na génese deste nascimento da APBC, que ocorreu no seio da ACIC, por parte das sucessivas direcções da extinta gloriosa agremiação comercial e industrial esteve sempre uma intenção bem vincada de manter um domínio e um controle, plasmados  num permanente cordão umbilical, sem nunca perder o comando territorial sobre a agência.
Então qual foi a forma engendrada para manter a APBC sob a sua égide? Precisamente através de um instrumento que, se o tempo económico decorresse sempre igual, asseguraria a sua supervisão: os Estatutos. Mas como? Através de uma cláusula blindada.

(A blindagem de uma cláusula estatutária, entre outros, é exercida através de um exacerbado número de votos atribuídos a um pequeno grupo fundador. Na essência, visa assegurar um, ainda que legal, abusivo direito de uma parte (chamemos-lhe associados-fundadores) e condicionar ou limitar a acção da outra (chamemos-lhe associados não-fundadores). Pode ser de tal modo gravoso para os associados não-fundadores que, pela sua pouco expressiva representatividade em votos, ficam restringidos à mera condição de espectadores, sem intervenção no processo de dinâmica natural e necessária. Com maiorias, absoluta e qualificada, sempre asseguradas pelas partes maioritárias, são retirados completamente os intrínsecos poderes de decisão aos associados com menos poderio, incluindo a fiscalização dos actos administrativos, que nunca deveria ser permitido, até à possibilidade de extinção -a não ser por insolvência. Ou seja, como os Estatutos ficam petrificados e imutáveis, por impossibilidade de impugnação, qualquer resolução, por mais estapafúrdia que seja, fica sempre sujeita à vontade e ao critério de um ou poucos mais sócios-fundadores.)

Mas a Natureza é matreira e, volta que não volta, troca as voltas ao mais graduado estratega. Em extrapolação, é de supor que o jurista que “cozinhou” estes Estatutos estaria a pensar que, nesta altura, a ACIC estaria em condições financeiras para participar com a parte de leão em contribuições para o Fundo Associativo, o que seria proporcionalmente remível em votos e lhe daria um controle sem contestação.
Acontece que neste ano de 2006 a vestusta e reputada associação comercial começava a atravessar sérias dificuldades de tesouraria. Foi por esses dias que a sua sede, na Avenida Sá da Bandeira, foi hipotecada em garantia de um empréstimo de 500 mil euros à Caixa Geral de Depósitos. As suspeitas de que a sua gestão, até aí, era tudo menos clara perpassava na boca de algumas pessoas. Em 2007 foi feita uma denúncia na Polícia Judiciária. Seria arquivada pelo Ministério Público com o seguinte teor: (…) a alguns contratos de fornecimento de equipamentos prestados à ACIC, não foram muito favoráveis à associação (alguns vieram mesmo a ser resolvidos com recurso a acções judiciais). No entanto, e na sequência dos dados apurados pelos elementos da actual direcção, estes contratos apenas foram mal negociados, não existiu qualquer intenção de benefício ilegítimo em detrimento da associação”. “Assim, o mais que se apurou foi a existência de contratos que poderão ter acarretado prejuízos para a ACIC, nada tendo resultado, em termos indiciários (...)
Por conseguinte, pressupõe-se, seria por este motivo que a contribuição maior para o Fundo Associativo passaria para a Câmara Municipal de Coimbra e, por inerência, lhe viria a dar a maioria de votos.

A NORMA DE BETÃO ARMADO

Para melhor se perceber, começo por transcrever dois artigos dos Estatutos da APBC que servem de suporte à cláusula, a tal considerada blindada:

Artigo Quinto
(Associados)
2. São associados fundadores todos aqueles que outorgaram a escritura de constituição da Agência.

Artigo décimo-terceiro
(Proveitos e Fundo Associativo)
    1. Constituem receitas da Agência as comparticipações dos associados, os subsídios e os honorários por serviços prestados em benefício dos associados e terceiros.
    2. O Fundo Associativo é constituído pelas contribuições iniciais e pelas jóias, a pagar pelos associados, no acto da sua inscrição ou em conformidade com o que estiver estatuído no regulamento interno, bem como doações e legados.

E então a Cláusula blindada que cerceia totalmente a intervenção dos associados não fundadores:

Artigo Vigésimo Oitavo
(Deliberações)
    1. As deliberações da Assembleia Geral são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes, cabendo um voto a cada cinquenta euros de contribuições para o Fundo Associativo.

ENTÃO... É SÓ FAZER AS CONTAS

Ficou escrito na anterior crónica que a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) subscreveu o Fundo Associativo com 20 mil euros. Se dividirmos esta verba por 50 euros, a autarquia tem direito a 400 votos. Relembro que os outros signatários do Fundo Associativo são: a Caixa Geral de Depósitos, com uma tranche de, creio,  10 mil euros, o que dá 200 votos; a ACIC com uma verba de 10 mil euros, creio, tinha 200 votos; a Associação do Centro dos Industriais de Panificação com, creio, 5 mil euros, tem 100 votos. As Juntas de Freguesia de São Bartolomeu e Santa Cruz, salvo erro, entraram também no Fundo Associativo com 1000 euros cada, o que dá uma atribuição de 40 votos. O total dos votos dos participantes do Fundo Associativo é de 940 votos.
Actualmente a APBC tem cerca de 70 associados, que de grosso modo corresponderá ao mesmo número: 70 votos -o pico máximo de associados que se atingiu noutros tempos foi de 180.
Então, facilmente se chega à conclusão por que razão, por exemplo, nunca houve listas candidatas a eleições -qualquer propositura seria sempre chumbada. Também é certo que, porque não interessava, nunca se procurou abrir a porta a outras dinâmicas. Os órgãos sociais da APBC, desde a sua fundação, em 2006, e até agora foram sempre nomeados pela CMC.
Há uma questão importante: neste processo sempre reinou a ignorância, sobretudo por parte dos associados não-fundadores. Quantos já leram alguma vez os Estatutos?
(Artigo em continuação)


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