sábado, 24 de fevereiro de 2018

EDITORIAL: O SEGREDO DO PROCESSO 736/14.9BECBR

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Num pachorrento Sábado de final de Fevereiro, subitamente o bucólico remanchão foi quebrado por um grito estridente nas redes sociais de um munícipe: IKEA PROCESSA CÂMARA MUNICIPAL DE COIMBRA. Acontece que este berro não saiu de um qualquer cidadão desconhecido, pelo contrário. A exclamação escrita foi exarada por José Manuel Silva, vereador eleito para o Executivo camarário em representação do movimento Somos Coimbra. E aqui, exactamente pela diferença de estatuto, o bramido gera uma série de interrogações:

NO TOCANTE AO VEREADOR

1-José Manuel, enquanto vereador com assento parlamentar na Câmara, antes de fazer publicitar esta informação através do Facebook, não deveria ter discutido o caso em sede própria, confrontando o líder da maioria PS, Manuel Machado, e só depois, muito mais consubstanciado com dados, trazer à liça o assunto em epígrafe? Será que convence os conimbricenses com a frase "O movimento “Somos Coimbra” não é parte interveniente no processo, não tem acesso a qualquer informação privilegiada e desconhece quaisquer outros pormenores”? Contrariando o que se afirma, o movimento, com dois lugares no executivo, é parte interveniente no processo e, por inerência estatutária sobreposta por lei, deve ter acesso a informação privilegiada.

2-Ao não exercer o direito de contraditório, trazendo para a praça pública uma incompleta questão de governo local, será que não esvaziou completamente a sua argumentação para a próxima reunião camarária onde será debatida a questão?
Por outro lado ao arguir “Quem de direito que investigue, questione e informe, se entender pertinente” não estará a confundir as funções? Verdadeiramente, essa não é a sua missão enquanto edil da oposição?

3-Ao agir assim, de forma impensada e impulsiva, não teria esquecido o seu lugar de representação eleitoral e, confundindo, colocou-se no lugar de um qualquer jornalista em exercício?

NO QUE TOCA À RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE

1-Ao que parece, conforme pode ler-se no indicativo, o processo 736/14.9BECBR é de 2014. Ou seja, pelos vistos, citando o site Notícias de Coimbra, foi iniciado há três anos. Então interrogamos: como pode a maioria socialista, com responsabilidade directa em Manuel Machado, contratar uma firma de advogados de Lisboa e ocultar este facto à oposição e sobretudo aos conimbricenses?

2-Tendo em conta que as eleições autárquicas foram em Outubro passado, e a fonte do movimento Somos Coimbra, eleito nessa altura, foi as “Grandes Opções do Plano CMC 2018”, como é que se consegue perceber o sigilo por parte da maioria socialista sobre a rubrica inscrita para com a nova oposição?

3-É certo que é mera especulação mas, com este segredo todo, legitimamente, poderemos ser levados a pensar que a maioria socialista eleita na edilidade tem culpas no cartório. É ou não verdade que esta tese pode ser considerada?

NO QUE ALUDE À ADMINISTRAÇÃO DO IKEA

1-Há cerca de um ano, o Notícias de Coimbra contactou a administração do IKEA e perguntou se estava nos seus planos abrirem uma nova grande superfície em Coimbra. Tanto quanto julgo recordar-me a resposta foi inconclusiva no sentido de descartarem a hipótese positiva. Ora, pergunta-se, como é possível a multinacional sueca nunca referir o processo contra a Câmara? No mínimo... estranho. Muito estranho!

2-Por outro lado, há cerca de uma semana, o Diário as Beiras noticiou e, a seguir, com base em declarações do IKEA, desnoticiou a sua própria informação de que a cadeia de mobiliário descartável poderia ir para a Figueira da Foz. Mais uma vez pergunta-se: como é que dos lados da Suécia nada foi dito sobre a demanda? No mínimo... estranho. Muito estranho!

3- É certo que, mais uma vez, é mera especulação mas, com este segredo todo, legitimamente, poderemos ser levados a pensar que a multinacional não estará assim tão segura do argumentário para exigir contrapartidas por incumprimento. Não é verdade?

NO QUE REPORTA À IMPRENSA

No comunicado assinado por José Manuel Silva, a determinado ponto, pode ler-se: “Porém, porque nos parece estranho que, sendo pública, a informação, supostamente, não seja objecto de notícia nem de comentário (nada surge em pesquisa no Google)”.
Sem retirar uma virgula ao que penso sobre esta sua actuação intempestiva no caso em análise, aqui, acabo dando-lhe razão. Dá para extrair três conclusões:

1-Em Coimbra não temos imprensa de investigação.

2-A cidade dos estudantes vive envolta numa nuvem de fast-food noticioso (fast-news), uma espécie de transmissão de informação para consumo rápido sobre o que o poder local mostra, sem tratamento de análise. Uma porca miséria de serviço noticioso, digo eu, que tanto gosto de ler jornais em papel.

3-As crises que o jornalismo atravessa, económica, tecnológica e de costumes, não explicam tudo.
Se é um dever de cidadania exigir transparência aos nossos eleitos, da mesma forma, é obrigação de qualquer leitor diário de jornais reclamar contra esta imprensa que serve mal e porcamente os eleitores.

VALE A PENA PENSAR NISTO?

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