segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O JORNALISMO (MAU) NA NOSSA TERRA

(Leonardo Braga Pinheiro)



Antes de dar o primeiro chuto nas ideias que estão muito baralhadas na minha cachimónia, aviso já que não sei nada de nada, ando sempre à pesca do que os outros escrevem para, a seguir, como se eu fosse melhor, apanhar o que eles não deram importância e nem se quiseram curvar. Dou mais erros num texto que o Ti Zé Lavegadas, lá na minha aldeia, manda umas caralhadas em meia-hora de conversê. Afirmo ainda que sou um tipo de moral duvidosa –se tivesse alguma nem sequer ousava começar esta crónica. Tenho a mania de criticar os outros mas não olho para o que vai cá em casa. Digo ainda que sou pior que a maioria… ou igual. Tudo está bem quando dizem bem de mim, assim no género: “escreves tão bem, Toino! Gostei tanto daquele texto sobre o fadista que perdeu a voz que nunca teve porque sempre foi mudo e nunca cantou”. E eu, pobre alma vaidosa e insignificante, que anda neste mundo a ver se safa e à procura de um cantinho para descansar quando as pernas já não derem mais, perante tal encómio, derreto-me todinho como manteiga dura em banho-maria.
E para que estou eu para aqui com esta lengalenga? Até se me pareceu que você queria perguntar mas, para não me interromper e não parecer mal, nem ousou proferir bitaite. Eu vou explicar. É que ando de candeias às avessas com o jornalismo que se pratica cá na nossa cidadela –bem sei que deveria estar calado, porque sou pior, mas deixe lá seguir o meu raciocínio. Não é por nada mas alguém tem de dar um murro na mesa –ora para se dar um punhado na mesa, ou mesmo uma punheta, tem de se ter um certo calo no lombo da mão e portanto quem não tiver magoa-se. Talvez por isso mesmo já se entenda a razão de poucos darem a voz por muitos. Saliento que até nem me custa muito fazer uma punheta –dar uma punhada pequenina- porque até andei no Karaté –é certo que nunca passei do terceiro nível mas isso também não interessa nada. O que quero dizer é que não me magoa muito dar o murro sobre a mesa.
Vou então continuar. Antes de descarregar veneno sobre os profissionais da imprensa, gostaria de dizer em sua defesa que, a meu ver, a culpa maior não lhes pertence. Cá na minha forma tosca de ver, os jornalistas hoje estão transformados em entregadores de pizzas. Eu que nunca entrei dentro de uma redacção, imagino o chefe –sem ofensa para um que tenho muita consideração- chamar um jornalista e proclamar: “toma aí nota para amanhã! Tens às 10 horas o cortejo das crianças na Baixa; às 11h00 tens na Alta, na Sé Velha, a missa de corpo-presente por aquele gajo rico e que até foi comendador; ao meio-dia vais à Universidade que se vai apresentar aquele novo projecto, da Reitoria, sobre as praxes; às 14h00 voltas à Baixa e vais ao Café Santa Cruz por causa da conferência de imprensa sobre o “Comércio vem para a Rua”; às 15h00 vais à Câmara Municipal e tiras notas sobre aquela discussão sobre se as reuniões do executivo devem ser, ou não, públicas; às 16h00 vais ao jardim-escola, ali junto aos Arcos do Jardim, e falas com os pais das crianças sobre o que pensam sobre o futuro da praxe; às 17h00 vais ali junto à Ponte de Santa Clara e escreve qualquer coisa sobre o assoreamento do Mondego e o facto do barco turístico ir migrar para águas de outra freguesia –mas atenção, tem de ser um texto curto, sei lá, à volta de quinhentos caracteres, não mais! Às 18h00 vê como está o tempo, se continua a chover e faz frio. Escreve uma peça curta, aí de 250 caracteres, sobre este Inverno que nos come a alma. Às 19h00 tens de voltar à redacção para compilar a edição para o dia seguinte. Estamos entendidos? Vamos embora! Que um jornal não pode parar!”
Ora se porventura for assim, que imagino que seja mesmo, como é que os “desgraçados” entregadores de notícias frescas têm tempo para escrever? Cá no meu entendimento pacóvio, escrever implica, acima de tudo e para além de se gostar, um espaço, vazio, no dia, uma paragem para fazer reflexão. Escrever é um acto solitário de amor. É uma introspecção espiritual, uma catarse, uma oração em torno do Eu pessoa. É uma masturbação espiritual diária cujo obra final será o climax entre si mesmo e o seu espírito em desassossego. Como dizia Fernando Pessoa acerca dos poetas, o escritor é um fingidor; finge que está feliz quando a sua alma chora; ri de si, dos seus próprios disparates e palermices. Conseguir fazer uma crónica com outro acompanhante a falar ao lado é quase impossível. Escrever é precisar de tempo para ir às reminiscências do âmago, às nossas memórias, à nossa experiência de vida. Sem esta pausa, sem este abandono físico e entrar no transcendental, ninguém conseguirá passar da mediania.
Depois desta defesa dos jornalistas, tentando de certo modo justificar os constantes erros que cometem, vamos então aos factos que me fizeram maçar o leitor com um assunto que não interessa nem ao Pai Natal e muito menos ao Menino Jesus. Há dias o Diário as Beiras publicava uma notícia sobre um furto num museu da cidade e perpetrado por um seu funcionário. Em determinado ponto afirmava inverdades. É certo que escreveu sobre as informações disponíveis mas, e aqui é que bate, o jornalista não pode ficar-se apenas pela rama da árvore –por que todos sabemos que, nesta vida, nada é o que parece. Jornalista que o é, de facto e por amor, tem de ter acoplado à sua essência uma curiosidade intrínseca. Mais, deve sempre desconfiar da versão contada e, assim sendo, partir para a génese que lhe deu origem. Mais ainda, e esta a mais importante, é conseguir transcender-se, sair da sua posição, da sua qualidade de mensageiro, entre o emissor e receptor, e colocar-se no lugar do leitor. E interrogar-se: se eu estivesse a ler esta crónica o que achava? –neste caso, desta que estou a escrever, é muito fácil saber o que se pensa: que sou maluquinho da tola, chato c’mo caraças, e que Deus me perdõe!
Para equilibrar as coisas e não se pensar que tenho uma pedra no sapato contra o Diário as Beiras, vou debruçar-me sobre uma notícia, de ontem, do Diário de Coimbra. O título era “Câmara vai “corrigir o que está mal” na Conchada”. Prosseguindo, “Manuel Machado garantiu ontem que a Câmara de Coimbra (CMC) irá corrigir “tudo o que estiver mal no Bairro da Conchada, mas quer primeiro “averiguar no local de que se queixam os moradores. (…) Maria José e Isaura estiveram ontem, juntamente com José Soares, no gabinete do presidente da CMC para entregar um abaixo-assinado a “exigir condições de habitação dignas” no Bairro da Conchada. Os moradores, acompanhados de elementos do Movimento Cidadãos por Coimbra, representariam alegadamente as 28 famílias do bairro, que se queixarão de problemas relacionados com a humidade, o frio nas habitações e ainda o efeito das alcatifas para a saúde dos moradores. Antes da reunião com Manuel Machado, o porta-voz, José Soares, garantia que há vários anos que reivindicam condições junto do Departamento da Habitação, queixando-se de “abandono” por parte da autarquia. Garantiu ainda “outras formas de luta” caso as exigências não fossem ouvidas. “Vamos invadir o Departamento de Habitação e ocupar os gabinetes do vereador e de outros responsáveis”, garantiu. “Têm feito de conta que somos números”, continuou José Soares, apoiado por Pedro Bingre Amaral, do movimento Cidadãos por Coimbra, que visitou o bairro e as habitações e considerou “justas” as reivindicações. No final da reunião, José Soares e Pedro Bingre Amaral acusaram, entre outras críticas, Manuel Machado de “falta de humanidade, de cortesia e de respeito. O autarca considerou que os moradores foram “claramente instrumentalizados pelo movimento Cidadãos por Coimbra e confirmou ter-lhes dito que se não estivessem satisfeitos para “devolverem a chave”. Há centenas de pedidos para habitações que aumentam todos os dias. “A situação é dramática”, afirmou, prometendo, no entanto, resolver todas as situações que se justifiquem”.
Bem sei que fui demasiado extensivo e que você desse lado até já ressona mas, mesmo assim, vou continuar. Salvo melhor opinião, estamos perante um exemplo acabado de mau jornalismo. Desde o início da notícia que ficamos sem saber a quem pertencem as habitações. Presume-se que será a autarquia a proprietária, mas, para se aferir de um juízo equitativo e certo, era preciso que estivesse escrito. Mais ainda, quanto paga de renda cada morador neste (aparente) bairro camarário? Porque não interrogou a jornalista o representante? Há quantos anos são residentes na mesma habitação? São estas questões não formuladas que podem transformar uma notícia numa não notícia.
Quanto à exclamação de Manuel Machado, em que afirma “se não estivessem satisfeitos para devolverem a chave”, quase que me inclino a dar-lhe razão –faltam as tais informações para complementar o raciocínio. No entanto sempre vou dizendo que nas últimas décadas a CMC, em relação às suas habitações espalhadas na cidade e aos proprietários privados sempre usou um peso e uma medida diferente. Se o que se infere for verdade, é bom que, agora, a edilidade sinta na pele o que os pequenos proprietários particulares, tratados como ricos e abastados capitalistas pelos serviços do Departamento de Habitação, sentiram nas últimas décadas.


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1 comentário:

Anónimo disse...

Fácil, fácil...
Para quem utiliza os jornais para se promover, o escriba revela veneno a mais. Além da posse de veneno revela desconhecimento e enviesamento ideológico.
O escriba quer ser conhecido; gosta de o ser. Faça um jornal!... Deixe de utilizar o espaço dos comentários no facebook dos jornais para se promover. E tome as gotas, que parece estar a precisar!