quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

EDITORIAL: A MANIFESTAÇÃO COMERCIAL EM BALANÇO

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Faz hoje uma semana que se realizou a manifestação de (alguns) comerciantes em frente aos Paços do Concelho. Precisamente no dia 20 de Dezembro. Citando a imprensa, cerca de quatro dezenas de pessoas, entre patrões, empregados, amigos e simpatizantes. Segundo a justificação dos organizadores conhecidos no meio e desconhecidos para o grande público, este protesto teve origem no começo das obras municipais no “Bota-abaixo”, em 11 deste mesmo Dezembro, a quatorze dias do Natal, e constituiu a “gota de água” para um copo que já estava cheio.
Agora que a poeira já assentou, sendo o mais objectivo possível, embora a ironia tenha de prevalecer em conta-corrente, apresentando todas as premissas, em tempo de balanço, com perguntas e respostas, vamos tentar fazer uma análise, entre custos e proveitos, do resultado da protestação.
Para melhor entender, comecemos então com uma pergunta de logística:

Quem foram os organizadores?
Foram cinco comerciantes, curiosamente todas senhoras, há poucos anos instaladas na Baixa com vários ramos de negócios, desde hotelaria, calçado, marroquinaria, artesanato e cortinados e artigos de iluminação.

Por que não se assumiram oficialmente no protesto?
Em especulação, foi o medo de virem a ser prejudicadas pela administração, no futuro. Mostrando um grupo, sem identificação, em detrimento de um ou vários rostos visíveis, é mais fácil passar por entre os pingos da chuva. O problema é que uma manifestação sem líder, ou líderes, fica completamente esvaziada de sentido e perde a eficácia que a deveria sustentar. Só para exemplificar, segundo uma testemunha que pediu o anonimato, o Diário de Coimbra pretendeu fazer um trabalho de reportagem na segunda-feira, dia 18, e não o fez por não conseguir alguém da organização que se identificasse.
Do ponto de vista sociológico, não deixa de poder constituir um “caso de estudo” como é que passados mais de quatro dezenas de anos de democracia o medo de dar a cara ainda prevalece.

E havia razões para a convocação?
Sem qualquer dúvida que havia. No caso concreto das obras do Largo das Olarias, como escrevi no próprio dia, tendo em conta que o “Bota-abaixo” é um dos pórticos de entrada para o comércio e serviços da Baixa, não fez qualquer sentido iniciar a troca do pavimento a poucos dias do Natal. Aliás, como se a Natureza se encarregasse de mostrar a precipitação, a aselhice política, as obras viriam a ser interrompidas pelo rebentamento de uma conduta de gás.
Por outro lado, e a consubstanciar, há muitos anos que a Baixa está abandonada pela autarquia. Tomando como marco o ano 2000 -o actual presidente, Manuel Machado, esteve à frente da edilidade até 2001, ano em que perdeu para a coligação PSD/CDS-, a câmara municipal, através dos seus executivos, esteve sempre de pernas abertas para licenciar novas grandes áreas comerciais. Machado, no seu magistério, assistiu à abertura de duas, Continente e Makro, em 1993, e deixou os planos quase prontos para o licenciamento do Fórum Coimbra, Dolce Vita -hoje Alma Shopping- e Retail Parque de Taveiro. O que veio substituir Machado na cadeira do poder, Carlos Encarnação, continuou a colocar a assinatura em novas grandes e médias superfícies. Hoje, em Coimbra, existem uma dezena e meia de pontos de venda que rivalizam -contrário de concorrer- com as lojas de rua.

Mas, sendo assim, não se entende a divisão entre comerciantes. Ou entende?
Entende sim. Reza o princípio da paz que a uma agressão perpetrada não se deve responder com outra ofensiva similar. Quero dizer que se o executivo agiu mal ao iniciar a façanha a poucos dias da eventual melhor época de vendas, no mesmo modo, não se deve pedir para encerrar as lojas a três dias do Natal, e foi o que os protestantes fizeram. Só por este pedido se vê que tudo foi feito em cima do joelho e sem pensar.
Por outro lado, deu para ver que os manifestantes sabem bem o que precisam para aguentar estes tempos difíceis, no entanto não sabem o caminho para o conseguir. Por outras palavras, em certos casos, reivindicam à autarquia poderes decisórios que a lei não lhe confere.
Estou convencido que foi esta desorganização, acoplada com o momento menos próprio para o efeito, que perpassou e fez abortar a participação colectiva.
Por outro lado, por ter sido tudo feito no curto tempo de uma semana, a mensagem não chegou aos destinatários.
Por outro lado ainda, parece-me, foi estabelecido um certo conflito de estigma entre estes comerciantes mais novos e os mais velhos. Como se os mais velhos não tivessem noção do que se está a passar, nunca tivessem feito nada para denunciar, e estivessem bem de vida.
Por outro lado ainda mais, para além de ser uma questão económica, sendo a regeneração da Baixa da cidade essencialmente uma demanda política não fez sentido arredar com algum desdém a oposição da solução deste imbróglio. A revitalização desta área velha, inevitavelmente, só se fará com o total apoio das forças partidárias representadas no executivo municipal.

Mas, foi mesmo tudo feito em cima do joelho?

Foi sim! Salvo melhor opinião, houve uma intenção de, por parte das cinco estrelas, cada uma poder brilhar mais do que a outra. De tal modo foi assim que acabaram a ofuscar-se no conjunto e a projectar a sombra e a dúvida sobre a classe que representavam. Foi tudo feito sem organização. Tudo começou com um pedido de uma das organizadoras para dois comerciantes, eu próprio e Francisco Veiga, falarmos dos problemas da Baixa para o Correio da Manhã/CMTV. Quando estávamos a ser entrevistados, uma outra senhora, num grupo de ocasião ali formado, anunciou que ia haver uma manifestação em frente à Câmara Municipal de aí a uma semana.
Com o título “comércio: quando a crise aperta”, escrevi uma crónica algo satírica a considerar um erro de palmatória o que se estava a fazer sem planeamento. Ora, o que eu fui fazer! Quem me mandou exercer o direito de não concordar com a acção? Levei bem para contar! Depois, para entornar o caldo todo, ainda tive a ousadia de escrever outro texto sobre o comunicado apócrifo que andou a ser distribuído pelas lojas. Desde ser insultado pessoalmente, até muitas críticas de ignomínia no Facebook, até vários colegas deste grupo de mais novos cortarem comigo, houve de tudo. Pelos resultados obtidos, o futuro veio dizer que estava certo, mas isso não interessa nada! O que importa, isso sim, sob o ponto de vista de alguns manifestantes, “é que se fez história” (sic).
Aos agressores que não gostam do contraditório, fica aqui o recadito: já estou recomposto, muito obrigados! Podem prosseguir. Como sou um bocadito teimoso, já me estou a pôr a jeito outra vez. Batam novamente nesta pobre alma!

E sobre o que se fez, valeu a pena?

Considerando que toda a acção gera reacção, inevitavelmente aquele evento alguma consequência vai ter. Um valor maior, pelo menos, desencadeou: a declaração de reconhecimento que, de facto, a Baixa caminha nua e o poder político, no caso actual, com o executivo PS, com o presidente Manuel Machado à cabeça, a mostrar que é igual aos seus antecessores e se está a marimbar para a degradação desta zona velha.

Mas, Afinal, o que falta?
É preciso clarificar que a reconstrução da zona, tendo chegado ao estado a que chegou, já não passa por meras medidas de cosmética. Devemos tomar nota que a Baixa assenta em três pilares: habitação, comércio e serviços (públicos e privados) e turismo. Acontece que as três super-estruturas estão debilitadas e com rombos. Então, a ser assim, é necessário um plano de rejuvenescimento que passe pelo melhoramento das três bases.
No que concerne à habitação, é urgente criar planos de crédito para revitalizar o edificado particular. Mais, o governo de Passos Coelho aumentou a tributação sobre os arrendamentos habitacionais e comerciais de 15 para 28 por cento. É preciso voltar atrás para os índices praticados anteriormente, já que o Estado está a ser o maior especulador imobiliário de que há memória. Através da total isenção de IMI, Imposto Municipal sobre Imóveis, é preciso contratualizar a vinda para esta zona velha de novos inquilinos. Mas, atenção, é preciso fazer regressar cidadãos com algum poder económico para poder desenvolver o comércio local e não como se está a fazer. Hoje, de uma forma linear, retirando os estudantes com habitação provisória, a Baixa está ocupada por velhos reformados com pensões de miséria, pessoas a receber o RSI, Rendimento Social de Inserção, e toxico-dependentes. Ou seja, com todo o respeito por toda esta estirpe, habitantes que, pela carência financeira, pouco consomem. Não é preciso ser político para ver que se está a criar um gueto.
Nos serviços, sobretudo no público, é preciso fazer regressar as direcções-gerais que nos foram roubadas pelo governo de Sócrates -entre 2005 e 2010.
No que mexe no Turismo, é preciso ter a coragem de acabar com o feudo da Universidade de Coimbra e a Fundação Bissaya Barreto (Portugal dos Pequenitos). O fluxo turístico tem de ser obrigatoriamente distribuído por toda a Baixa e acabar com a dicotomia Alta e margem esquerda. É preciso ver o que se passa com o posto de turismo da cidade.
No que toca ao comércio tradicional, chegou a um tal ponto de fragilidade que já não chegam directivas conjunturais -como mais policiamento nas ruas, mais iluminação pública, mais limpeza, mas estacionamento gratuito. São precisas medidas estruturais saídas do Governo e da Assembleia da República. Considerando que a oferta no país, de norte a sul, está saturada é preciso cancelar novos licenciamentos para grandes e médias superfícies. Paralelamente ao fornecimento de crédito ao consumo, é urgente conceder crédito às empresas para sobreviverem. Um dos maiores problemas dos espaços comerciais na cidade é a sua descapitalização, como se verifica no pouco artigo exposto para venda. E mais, é preciso pensar em aumentar o limite de isenção de IVA -actualmente, creio, é de 10 mil euros. As pequenas lojas de rua, para conseguirem vender, estão a chamar a si o pagamento do Imposto de Valor Acrescentado. Como é de prever, este comportamento leva à insolvência.

E a oposição não deve ser responsabilizada?

Como disse em cima, o estado de abandono do Centro Histórico deve-se ao assobiar para o lado da composição dos executivos municipais, PS, PSD, CDS, CDU, CpC (um mandato) pelo menos, nos últimos vinte anos.
Nesta altura, a criar alguma esperança de rompimento com o “status quo”, situacionismo, há uma força política nova no executivo (Somos Coimbra).
Há um porém: as forças políticas representadas na Câmara Municipal, da esquerda à direita, por um lado, ignoram completamente os problemas que assoberbam e preocupam os comerciantes, por outro, não acreditam que os lamentos de tragédia são reais. Nas suas cabeças criaram uma espécie da lenda da vinda do lobo mau. Durante as últimas décadas, sem comparação com os dias de hoje, os profissionais do negócio andaram sempre a clamar que as coisas estavam muito más. Tais queixumes massificados criaram uma imunidade para o actual alerta de desgraça que bate a todas as montras.

E como classificar a actuação de Manuel Machado no dia da manifestação?

Para quem anda por cá há muitos anos como eu, a sua forma de agir no dia da manifestação, ao não receber os manifestantes ou mandar alguém em sua representação, não constituiu surpresa. Como disse em cima, pela insensibilidade, este político local eleito pouco difere dos anteriores: não sabe o que se passa no comércio de rua, não quer saber, não procura conhecer. Tem uma visão maniqueísta, entre a construção de rotundas e arranjos de ruas, e pouca humildade para aceitar que a Baixa precisa de um plano integrado para que a sua desertificação não leve ao mesmo que está acontecer com o interior do país. É preciso dizer em alta voz: os edis locais, por manifesta partidarização, conluio e submissão ao poder central, são os grandes culpados do que está acontecer ao comércio tradicional, em Portugal.

Mas, afinal, o que se deve fazer para salvar a Baixa?

A meu ver, se fosse possível, deveria ser constituído um grupo de trabalho, entre comerciantes e APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra -cujas declarações e posicionamento sobre a manifestação dos comerciantes foram lamentáveis e, naturalmente, formaram cisão- para inventariar os problemas. Em seguida apresentá-los ao executivo municipal. Se houvesse franco diálogo e se verificasse boa-vontade em, um-a-um, indo resolvendo as tais maleitas de conjuntura -como alguma gratuitidade do estacionamento público, policiamento, iluminação pública, etc,- e a seguir que o presidente da edilidade, e também como líder da Associação Nacional de Municípios Portugueses, se comprometesse a levar ao Governo o estado caótico em que se caiu -por que não se pense que estas dificuldades são um um exclusivo de Coimbra- e a exigir políticas de discriminação positiva para o comércio tradicional nacional.
Por outro lado, se não fosse possível levar o projecto para a frente, por incapacidade de envolver o executivo na solução, deveria ser formado um grupo de trabalho entre comerciantes e APBC e, semanalmente, apresentar um tema para resolução no executivo municipal.

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