sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A BAIXA VISTA DA MINHA JANELA




POR MÁRCIO RAMOS



Coimbra, sem dúvida, tem uma vasta riqueza arquitectónica. Concentrada na Baixa e Alta, ruas como a Sofia, no sopé da colina, têm um vasto património cultural inaproveitado.
Mas por estas ruas estreitas e largas da cidade também vemos atentados. Só para ilustrar o pensamento, temos o Arco de Almedina, uma das portas para a Alta, com séculos de existência e bem preservado. Ao lado, paredes-meias, uma instituição bancária com arquitetura do séc. XX. Um autentico mamarracho.
Para evitar atentados à monumentalidade -aquele foi perpetrado na década de 1970-, a Câmara Municipal decidiu criar regras para a recuperação dos prédios. Porém, algumas são de tal modo extremistas, que vão ao ponto de ser a autarquia a escolher a cor e não o dono do imóvel. Não admira, portanto, que muitos contornem as regras. O antigo, se tem hipótese, acho bem que deva ser recuperado. Será um legado para as gerações vindouras e um espólio magnificente para turista ver.
Nesta cidade há uma farmácia culturalmente riquíssima, com frescos, mobiliário antigo, e com uma história de quase dois séculos. Escrevo, claro, como se adivinha, da Pharmacia Nazareth, situada na Rua Ferreira Borges, onde os proprietários sempre quiseram manter a traça antiga. Merece uma visita cuidada e deveria ser acoplada aos roteiros turísticos.
Recentemente tivemos a notícia neste blogue que este museu dos medicamentos vai encerrar, deslocando-se para outra zona da cidade. Se tal acontecer, como tudo indica, a Baixa, Coimbra, perderá um grande marco histórico, pois quem adquirir o espaço, presumo, não quererá saber dos belos frescos, ou da mobília antiga. O mais natural, sem surpreender, é pintar de branco as paredes, meter tectos falsos com lâmpadas e assim se destrói algo que deveria ser preservado.
Embora se adivinhe, levanta-se a questão por que razão vai encerrar?
Hoje de manha falei com uma vizinha deste estabelecimento e fiquei a saber os possíveis motivos: alegadamente, querem que a farmácia se modernize; que tenha aqueles móveis chiques para colocar os medicamentos que tenha tecnologia, enfim... que façam obras de modernização do espaço.
Alguém na sua sábia sabedoria, tendo em conta o interesse especulativo, provavelmente, terá decidido que é melhor “destruir” um património cultural, que sendo privado, pela sua riqueza memorial, é de todos, do que colocá-lo ao serviço da comunidade. Muitas perguntas se levantam, mas atiro uma: em prol da modernização, da tecnologia, do interesse financeiro, vale tudo?
Qual a opinião do pelouro da cultura da Câmara Municipal de Coimbra? Não terá nada a dizer aos conimbricenses? Porque não age? Porque não segue o exemplo de Lisboa, para manter activos estabelecimentos antigos? Para que serve o departamento de cultura municipal? Porque não indaga junto do proprietário do prédio e tenta sensibilizá-lo para o valor cultural em apreço?
É triste quando em moda de fixação futura, sem levar em conta a memória, se destrói o passado. Se nada for feito, como tudo indica, infelizmente, Coimbra irá perder um grande monumento.

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