segunda-feira, 23 de abril de 2018

O HOMEM QUE JÁ FOI INFINITO, ELDORADO E AGORA É UM RIBEIRO (2)





II ACTO
A pequena sala do União Popular e Cultural de Chelo, como a colaborar no evento, parecia ter crescido em espaço. Estava cheiinha que nem ovo. Pensado por gente simples do povo, desenrolava-se o segundo acto de uma cerimónia de homenagem para um homem comum que, pelas suas qualidades solidárias, transcendera essa normalidade. Como é costume em todos os ritos de culto condecorativo, é normal o exagero, o mito ultrapassar em muito a realidade. Mas, mesmo apontando esta premissa e descontando algum excesso que possa existir, a verdade é que, neste caso em apreço, sobra muito para não levarmos em conta o que é narrado pela voz da população.
Um suculento jantar, acompanhado de um vinho de grande qualidade, iria servir de almofada para os discursos elogiosos que se iriam seguir. Nas paredes da vetusta colectividade, expostos solenemente em fotografia, a cerca de uma dezena de presidentes já desaparecidos seguiam atentamente o rebuliço que estava acontecer na pacata associação.
Depois de cerca de 180 pessoas estarem acomodadas, muito juntas e sem espaço para usar garfo e faca, Amável Ferreira, o presidente do rancho típico de Chelo, abriu as vozes do segundo acto: “podem queixar-se de tudo, da comida, do estar apertado, mas ninguém se queixe de estar aqui pela homenagem ao “Manel”! Muitos mais quiseram estar presentes mas não foi possível! Por não haver lugares, a organização teve de abdicar de estar sentada à mesa! Resistam à queixa e dêem as mãos porque esta é uma noite muito especial!
Pensando que mais ninguém da classe comercial se lembraria já do “Manel do Infinito”, numa espécie de representação da Baixa de Coimbra, eu e o Francisco Veiga, das Modas Veiga, acompanhados das esposas, fizemos questão de marcar presença em tão nobre iniciativa promovida pelas gentes agradecidas de Chelo. Para nossa alegria e completa surpresa compareceram também o Taipio, o chinês mais conhecido do nosso bairro, o Marques, da Aba Larga, e o César Branquinho, um comerciante já aposentado destas lides de comerciar.
Por entre a assistência, desde o início da comemoração, podiam ver-se Humberto Oliveira, Presidente da Câmara Municipal de Penacova, e Pedro Coimbra, deputado do PS à Assembleia da República pelo círculo de Coimbra -que chegou mais tarde.
Depois de uma saborosa sopa da pedra, a fazer lembrar a sopa da nossa avó, uma chanfana deliciosa, e umas sobremesas de comer e chorar por mais, entrou em cena o bolo de aniversário oferecido pela filha, Rute Ribeiro. E numa portentosa exaltação, cantaram-se os parabéns de pé aos 79 anos de vida do “Manel do Eldorado”.

E COMEÇARAM OS DISCURSOS

Amável Ferreira, presidente do Rancho Folclórico “As Paliteiras de Chelo”, agradecendo a presença de todos, foi dizendo: “em 1982 eram precisos 300 contos -1500 euros hoje- para construir o novo pavilhão polidesportivo. Fomos ter com o “Manel”! E ele disse: “não é por isso que as pessoas não terão onde treinar! 
Os jovens iam para a tropa, precisavam de umas calças, iam à loja, pediam e traziam. 
Um dia vinha o “Manel” para casa e, no caminho, encontrou um menino descalço. Tirou os seus sapatos e entregou-os ao petiz. Quando chegou a casa a mãe, a “Ti” Matilde, deu-lhe cabo da cabeça.
Hoje é o “Manel” que está aqui. Depois de estar muito doente no hospital, depois de um AVC, Acidente Vascular Cerebral, chegámos a pensar ser tarde de mais.
A seguir foi o engenheiro Ralha, primo do galardoado, que tomou a palavra: “O “Manel” fez parte da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Penacova logo após o 25 de Abril de 1974.
Seguidamente usou da palavra um articulista tão parecido comigo que, iria jurar, parecia mesmo eu. Disse o seguinte: Como não podia deixar de ser, a Baixa tem de estar aqui representada nesta homenagem. E passou a ler uma missiva e um poema:

HOMENAGEM A MANUEL RIBEIRO

Decorria o ano de 1969 quando Manuel Ribeiro, através de um pequeno empréstimo, e juntamente com um sócio, deu à luz a sociedade Diniz & Ribeiro, L.ª. Nascia o Eldorado na Rua Eduardo Coelho.
Logo nos primeiros tempos de existência esta casa, porque rompia com um situacionismo existente na cidade, passou a ser uma catedral de moda em Coimbra. Quando noutras cidades do país os comerciantes viajavam ao estrangeiro para apreender tendências, aqui visitavam o Eldorado e ficavam a saber o que se iria usar durante a próxima estação.
O homem que se homenageia hoje, o Manuel Ribeiro, carinhosamente tratado por “Manel do Eldorado” ou “Manel do Infinito”, é e será para sempre recordado na Baixa como um grande comandante que liderou as tropas de um comércio pujante noutros tempos e hoje, infelizmente, em completa desagregação.
Afirma o nosso consagrado que Coimbra foi sempre uma cidade cinzenta, dividida entre o castanho, azul e o preto. E de facto assim é, autores como Trindade Coelho no “In Illo Tempore”, escrito há mais de um século, transmite-nos esse petrificado e formatação nos costumes. Por isso mesmo, o nosso amigo Ribeiro andou sempre à frente e durante mais de três décadas liderou a moda em Coimbra. Este “ganda maluco”, como se auto-define, sem medo de nada, nem de alguém, passou a vida a afrontar o poder instituído.
Enquanto trabalhadores do comércio na Baixa, por um lado, é com desânimo que constatamos que homens de “H” grande como o “Manel” fazem muita falta na classe dos mercadores, por outro, é com grande alegria que estamos aqui, juntando-nos aos muitos amigos que tomaram esta feliz iniciativa, e verificamos que o Ribeiro, cheio de garra em viver, continua igual a si mesmo!


O “Manel” é como um ribeiro
que nasce nos confins da serra,
desliza humildemente no sendeiro,
cortando o pó árido, abre sulcos na terra,
por onde passa deixa marca no arneiro,
depois da sua passagem tudo se descerra,
garboso, gera invejas, mas é um guerreiro,
só quando, cansado, pousando a espada, aterra.

O “Manel” é como um eldorado,
um ponto sumido no meio do deserto,
aquela nota musical perdida num bailado,
a Lua Cheia em Agosto, o futuro entreaberto
o cantar do pássaro, a erva verde de um prado,
o irmão, o protector, o camarada, o amigo certo,
a espiritualidade da alma, o sacramento, o fado,
a esperança de liberdade vivida pelo liberto.

O “Manel” é como o infinito,
o acreditar no amanhã, a força de um olhar,
andorinha regressada na primavera, o mito,
o cantar do grilo no campo, o Sol a brilhar,
a revolução contra o marasmo, o manguito,
a paz no mundo, o silêncio de um luar,
a espada que corta a intolerância, o grito,
uma estrela no universo sempre a brilhar.









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