sábado, 30 de dezembro de 2017

A MANGO FAZ UM MANGUITO À BAIXA






Desta vez é mesmo de vez. A Mango, a marca espanhola em regime de franshisado, estabelecida há 16 anos na Rua Ferreira Borges, vai abandonar a Baixa. Segundo uma informação fidedigna, com as lágrimas a balouçar no canto dos olhos, vai mesmo encerrar no próximo dia 27 do primeiro mês do ano que está prestes a entrar. Como a firma de pronto-a-vestir detém uma grande loja no Fórum Coimbra, será para esta superfície comercial que as quatro funcionárias serão transferidas.
Relembro que em finais de 2014 a transferência de serviços, com o consequente encerramento do espaço na Baixa, esteve por um fio. Tanto quanto julgo saber, a razão deste encerramento prende-se com valores de renda -o mesmo motivo da altura. Se em 2014 foi possível chegar a um entendimento, ao que parece, desta vez a decisão é irrevogável.
Sem confirmação, tudo indica que o belíssimo e bem situado local vai dar lugar a um restaurante.
Acrescento ainda que na semana passada, na mesma rua, encerrou uma dependência do Millennium BCP. O que será preciso fazer mais para acordar o Executivo Municipal do torpor em que, aparentemente, está tomado? Nem com uma manifestação à sua porta? É difícil de ver que, com muita urgência, alguma coisa terá de se fazer para evitar que a Baixa continue a cair?

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

EDITORIAL: O COMÉRCIO DE RUA EM GUERRA (2)

(Foto de Márcio Ramos)




Estamos em Dezembro de 2017. Em Coimbra, alguns comerciantes com estabelecimento na Baixa, insatisfeitos com o rumo que a actividade está a tomar, decidiram realizar uma manifestação em frente à Câmara Municipal de Coimbra. É bom lembrar que, resultado de um desgaste continuado e sem o apoio do consumidor que lhe deixou de ser fiel, o exército mercantil, outrora respeitado pela sua pujança económica e respeitabilidade de elite social, está hoje desorganizado, sem meios, sem generais, e, no geral, transformado num corpo de mercenários que, visando somente o “salve-se quem puder”, sem valores e princípios que deveriam nortear a existência humana, apenas procuram a sobrevivência. Fruto de medidas simplex em que qualquer um, sem bases de credibilidade, pode ser vendedor profissional, escasseia a moral e a ética e sobram sentimentos manhosos e maldosos para os vizinhos do lado, que estão na mesma situação de vulnerabilidade. Como é normal em todas as guerras, vêm ao de cima o fel, o pior que os humanos transportam no fundo de si mesmo.
O comércio de rua, dito tradicional ou de proximidade, caiu no meio de dois dramas. Por um lado da fatalidade, pela iliteracia, pela ignorância disfuncional, pelo desinteresse em conhecer as leis que regem o sector, pelo comodismo endémico de olhar apenas para o seu umbigo espelhado na incapacidade em se associar, o comerciante médio, individualmente, sentindo-se perdido e desorientado, não sabe o que reivindicar à classe política para regenerar os centros históricos. Para além de apoplético, irritado com tudo e todos e recorrendo a fármacos para aguentar o stresse, sabe apenas, pressente, que está a percorrer um caminho que lhe foi aberto deliberadamente para o conduzir a um fim pré-anunciado: a miséria. Impotente, sem armas para lutar, sem apoio institucional, quer dos consumidores, que, viciados em saldos e promoções, apenas visam o proveito imediato, quer dos governantes, que, pela sua impreparação para estadistas, passam como folha seca caída no Outono, sente-se um David a digladiar contra um Golias. O desespero invadiu o velho lobo do comerciar.
No outro lado da tragédia está uma classe política pouco interessada em resolver os problemas de desertificação acelerada de cidades, vilas e aldeias. Desconhecendo completamente o que se passa no interior de um estabelecimento comercial e o estado apático e de debilidade em que se encontra a classe mercantil, que constitui o motor de revivificação dos lugares habitados, assobia para o lado o Vira do Minho. Sem querer saber da desventura dos homens e mulheres da compra e venda, aproveitando-se da fragilidade crescente, esta franja de políticos emergentes que temos e elegemos nas últimas décadas, locais e nacionais, é oportunista e apenas se lembra do comerciante em altura de eleições, que sem escrúpulos usa e abusa de promessas que não tenciona cumprir. Insensível, inconsciente, olhando para os pequenos mercadores como um grupo excedentário e filhos bastardos de um tempo que passou, que, por se apresentar insolvente, não faz falta ao futuro, perdendo a obrigação de zelar pela obrigatória regulação do Estado no equilíbrio de uma equidade social, sabem que a solução para a aplicação de justiça passa por si. Prescientes, sabem bem que só a política, enquanto magistério mediador de interesses negociados, harmonizados e bem distribuídos colectivamente, constitui a tábua de salvação de um destino que se apresenta assombrado e que os vindouros vão pagar caro. A sua ignorância tendenciosa é simplesmente confrangedora e de bradar aos céus.

UM EXORCISMO PRECISA-SE

Embora a dispersão seja a minha praia, o que interessa verdadeiramente aqui é saber que factores, sócio-económicos e políticos, contribuíram para gerar este descontentamento. No anterior texto que escrevi sobre este tema e com o título “O comércio de rua em guerra (1)”, dentro da minha natural ignorância, tentei elencar as externalidades, efeitos prejudiciais mais importantes que, vindos de fora, concorreram para afundar o comércio de rua. 
Nesta crónica, agora, sempre a divergir, tento mostrar as fragilidades que vieram de dentro. De exemplo em exemplo, fui mostrando que a elevada quantidade de lojas encerradas e com os andares superiores também vazios foi uma consequência de um tempo e não um modelo estudado para ser efeito. A razão para acontecer assim foi o facto de, nas décadas de 1970, 80 e 90 os espaços na Baixa serem excessivamente caros -até um pequeno armazém arrendado era onerado com trespasse. O caminho escolhido, mais fácil porque mais barato, foi ocupar verticalmente todo o edifício. No rés-do-chão estava a loja e por cima o armazém de apoio ao negócio. Como nunca sofreram obras de conservação, por não ser obrigatoriamente necessário, encontravam-se muito degradados quando foram apanhados pelo ciclone da crise. Este “desleixo” estendia-se ao prédio todo acima do nível dos olhos. Só o estabelecimento é que tinha de estar bonito e atractivo para o cliente entrar. Enquanto o ponto de venda, no rés-do-chão, funcionou com eficiência, gerando lucro e riqueza para o dono, o problema dos pisos superiores nunca se colocou. A dificuldade, para alguns comerciantes -e para a Baixa- começou quando o motor principal, a loja, começou a falhar. Para o negociante-proprietário, com os andares por cima dos estabelecimentos impróprios para arrendar e sem dinheiro para melhorias imediatas, sem o planear com antecedência, acabaram por ser um peso-morto, sem gerar riqueza e sem utilidade, que, sem apelo nem agravo, arrastou muitos deles para a insolvência.
Para a Baixa, juntando o facto de haver vários prédios, com várias lojas, pertença do mesmo insolvente, o problema foi sempre a triplicar e, estando à espera de decisão judicial, pouco fácil de resolver no imediato.

LOJA SAGRADA QUE HÁ-DE ACOMPANHAR ATÉ À TUMBA

Na actualidade assistimos a dois tipos de comportamento. De um lado está o ex-comerciante mais velho. Uns, poucos, adquiriram as suas próprias instalações comerciais e, quando atravessaram anos dourados, souberam apostar no imobiliário. Hoje vive de rendas. Curiosamente não tem contemplações por quem vem de novo.
Por outro, está um mercador que outrora viveu muito bem e hoje, devido a políticas continuadas de empobrecimento e com uma fé cega no amanhã, atravessa sérias dificuldades financeiras. Para permanecer sem descolar, conta muito o facto de, desde criança, sempre ter passado a sua vida no comércio. Apesar de ter noção que a tempestade que atravessa pode conduzi-lo à insolvência, custa a desligar-se e quer acabar os seus dias agarrado ao balcão. Neste grupo de fragilizados estão os novos comerciantes que, pela facilidade de ser patrão de si mesmo e com uma enorme ilusão de que para mudar as coisas vale somente a sua vontade, sem estrutura de apoio financeiro na rectaguarda, apostaram cegamente em serem empresários. O problema é que as margens de comercialização nas poucas vendas estão a conduzir todos à descapitalização e no final à falência. Sem meios para repor stokes, sentem-se como nómada sem água a atravessar o deserto. Com custos fixos sempre aumentar, estão prisioneiros de um sistema que dificilmente libertará as suas grilhetas.

SANTO ONOFRE ME VALHA NESTA AFLIÇÃO

É este pequeno empresário que suporta o IVA a 23 por cento sem o poder cobrar ao cliente por impossibilidade que lhe será fatal. Perante as vendas agressivas das grandes áreas, ele sabe que só consegue vender se pouco ganhar ou nada. É este pequeno comerciante que, para não aumentar os seus custos, se vê obrigado, à noite, a desligar a electricidade que ilumina a sua montra. É este pequeno mercador que num consumo de água de 5 euros vê ser-lhe apresentada uma conta de 15, entre taxas e alcavalas. É este pequeno balconista profissional que, sem poder fugir, tem de pagar mais de 150 euros de TSU. É este pequeno empreendedor que, se não liquidar o IVA dentro do prazo, vê ser-lhe aplicado um juro de 30 por cento -o governo de Passos Coelho passou de 20 para 30- e mais uma coima. Ou seja, se quem não paga por não poder, vê ser-lhe aumentado desmesuradamente a dívida. É este pequeno negociante que, no seu dia-a-dia, se vê atrofiado por todos os lados. Como se o que se enumera fosse pouco, agora, até por parte dos fornecedores, para fazer o fornecimento de bens, se estabelece um plafond, um teto, mínimo de compras para entrega -em muitos casos de 500 euros. É aquele negociante sofredor, com tão poucos a dar valor à sua entrega e à sua contribuição para o desenvolvimento colectivo, que num esforço titânico, contando os dias para o fim-do-mês, luta para sobreviver.
O Estado, a bem de uma equidade nacional, não pode continuar a fechar os olhos ao extermínio do comércio tradicional.


TEXTOS RELACCIONADOS

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

EDITORIAL: UMA ÁRVORE PODRE ENVERGONHA A ASSEMBLEIA MUNICIPAL

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





A notícia vem plasmada no Diário as Beiras (DB) de hoje: “segundo microfone a desaparecer do Salão Nobre”.
Prosseguindo na citação do DB, “O final da sessão de ontem da Assembleia Municipal de Coimbra (AMC) foi de aflição para a funcionária Irene Lino. Tudo porque um dos quatro microfones portáteis, colocados à disposição dos deputados municipais, tinha desaparecido. O presidente do órgão municipal corrobora a preocupação: Este é já o segundo aparelho que desaparece”, revela Luís Marinho.
No mandato anterior, a assembleia comprou cinco aparelhos portáteis de captação de som -a cerca de 1.000 (mil) euros cada-, um para cada bancada. Mas só quatro chegaram ao final do mandato.
Se uma árvore podre não representa a floresta, é um facto, mas pode contaminá-la. Quero dizer com isto que, enquanto cidadão participante da vida política da cidade, este furto envergonha-me e deveria embaraçar todos os deputados, presidentes de junta, e membros do executivo presentes ontem no Salão Nobre da Câmara Municipal de Coimbra.
Se todos os dias lemos na imprensa que são detidas pela PSP pessoas por furtarem roupas, vinhos e chocolates, por que razão, ontem, o presidente do hemiciclo não chamou a PSP? Os eleitos municipais estão acima da lei?
Se o tivesse feito, mais que certo, tinha apanhado o ladrão e, acima de tudo, tinha evitado que a mácula caísse sobre todos os presentes. Considerando que não vai participar o facto ao Ministério Público, interrogo: por que não o faz? Sendo eleito representante de todos os munícipes através do voto popular, com que direito se arroga o presidente da AMC para, de per si, decidir que o acto criminoso não deve ser denunciado e investigado pela polícia? Se bem que, lembrei-me agora, sendo um bem público está obrigado por lei a apresentar queixa. No entanto, a questão mantém-se: porque não chamou ontem as autoridades para apanhar o gatuno?
Novamente na minha qualidade de cidadão, que sempre cumpriu as suas obrigações cívicas para eleger representantes políticos, a ser verdade o que se transcreve -porque parece impossível isto acontecer-, sinto uma enorme humilhação por ter contribuído para eleger um ladrãozeco, reles e barato, que nem para guardar cabras serve e, onde exercer, desonra a profissão. Mais, enxovalha o órgão em que está inserido, rebaixa toda a classe política, e constrange toda a cidade.
É caso para dizer a quem pretenda frequentar a AMC: Cuidado com as carteiras!

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Resultado de imagem para salvar o SNS, uma nova lei de bases...



Prezado/a Amigo/a:

No próximo dia 6, às 15:30h, no Convento de São Francisco, é apresentado o livro "Salvar o SNS. Uma nova Lei de Bases da Saúde para defender a democracia", de António Arnaut e de João Semedo. Trata-se de uma iniciativa política da maior importância no atual contexto em que a disputa pela qualificação dos serviços públicos - e do SNS em particular - é indiscutivelmente uma prioridade para todos os progressistas.
Por isso, venho apelar à sua presença e a que, na medida do possível, faça a máxima divulgação deste evento nas suas redes de contactos.

Com amizade, compareça!

BOM DIA, PESSOAL...

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O POBRE HÁ-DE SER MALDITO ATÉ NA PARTIDA PARA O ETERNO






A missa de sétimo-dia do “Carlitos popó” vai realizar-se no próximo Sábado, dia 30, pelas 17h00, na Igreja de Santa Cruz, na Praça 8 de Maio.
Relembro que esta popular figura típica da Baixa de Coimbra faleceu nos HUC, Hospitais da Universidade de Coimbra, na quarta-feira da semana passada. Constituindo uma rara manifestação de tristeza colectiva -sobretudo nas redes sociais-, deu para ver que, apesar de ser um diferente entre iguais, marcou todos quantos percorrem as pedras da calçada. No seu funeral foi prestada uma linda homenagem, quase sem par.

ESTOU EM CHOQUE”, DIZ BRUNO MORAIS

Bruno Morais foi, durante os últimos oito anos o “anjo da guarda” -o “Sol da meia-noite”, como escrevi na altura- do “Carlitos”. Hoje veio ter comigo indignadíssimo até à alma.
Vou dar-lhe a palavra: “Nem tenho palavras para lhe contar a indecência que o “Carlitos” foi vítima, senhor Luís. Veja bem que a proprietária da pensão onde estava alojado o meu amigo falecido veio ontem ter comigo para me dizer que já tinha retirado as suas coisas do quarto onde ele permaneceu nos últimos 8 anos. Textualmente, disse-me que alguns haveres dele deitou fora e outros, sobretudo, algumas roupas, tinha mandado tudo para o lixo. Nem estou em mim, havia lá valores simbólicos que se perderam e, pelos vistos, até algumas roupas que teriam sido aproveitáveis.
É de lamentar um procedimento destes. É abuso de confiança! Que direito tinha a senhora de ir mexer em coisas que não lhe diziam respeito? Até porque o arrendamento do quarto estava pago até ao fim do mês!
Vou apresentar queixa na PSP por abuso de confiança. Para além do “Carlitos” ter familiares directos, a senhora sabia bem que era eu que tratava das coisas. Vou também dar conhecimento à Segurança Social, uma vez que a sua estada era paga por esta entidade.
Admite-se uma coisa destas? Acima de tudo porque a senhora tinha o meu número de telefone e sabia onde me encontrar!”

EDITORIAL: A MANIFESTAÇÃO COMERCIAL EM BALANÇO

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Faz hoje uma semana que se realizou a manifestação de (alguns) comerciantes em frente aos Paços do Concelho. Precisamente no dia 20 de Dezembro. Citando a imprensa, cerca de quatro dezenas de pessoas, entre patrões, empregados, amigos e simpatizantes. Segundo a justificação dos organizadores conhecidos no meio e desconhecidos para o grande público, este protesto teve origem no começo das obras municipais no “Bota-abaixo”, em 11 deste mesmo Dezembro, a quatorze dias do Natal, e constituiu a “gota de água” para um copo que já estava cheio.
Agora que a poeira já assentou, sendo o mais objectivo possível, embora a ironia tenha de prevalecer em conta-corrente, apresentando todas as premissas, em tempo de balanço, com perguntas e respostas, vamos tentar fazer uma análise, entre custos e proveitos, do resultado da protestação.
Para melhor entender, comecemos então com uma pergunta de logística:

Quem foram os organizadores?
Foram cinco comerciantes, curiosamente todas senhoras, há poucos anos instaladas na Baixa com vários ramos de negócios, desde hotelaria, calçado, marroquinaria, artesanato e cortinados e artigos de iluminação.

Por que não se assumiram oficialmente no protesto?
Em especulação, foi o medo de virem a ser prejudicadas pela administração, no futuro. Mostrando um grupo, sem identificação, em detrimento de um ou vários rostos visíveis, é mais fácil passar por entre os pingos da chuva. O problema é que uma manifestação sem líder, ou líderes, fica completamente esvaziada de sentido e perde a eficácia que a deveria sustentar. Só para exemplificar, segundo uma testemunha que pediu o anonimato, o Diário de Coimbra pretendeu fazer um trabalho de reportagem na segunda-feira, dia 18, e não o fez por não conseguir alguém da organização que se identificasse.
Do ponto de vista sociológico, não deixa de poder constituir um “caso de estudo” como é que passados mais de quatro dezenas de anos de democracia o medo de dar a cara ainda prevalece.

E havia razões para a convocação?
Sem qualquer dúvida que havia. No caso concreto das obras do Largo das Olarias, como escrevi no próprio dia, tendo em conta que o “Bota-abaixo” é um dos pórticos de entrada para o comércio e serviços da Baixa, não fez qualquer sentido iniciar a troca do pavimento a poucos dias do Natal. Aliás, como se a Natureza se encarregasse de mostrar a precipitação, a aselhice política, as obras viriam a ser interrompidas pelo rebentamento de uma conduta de gás.
Por outro lado, e a consubstanciar, há muitos anos que a Baixa está abandonada pela autarquia. Tomando como marco o ano 2000 -o actual presidente, Manuel Machado, esteve à frente da edilidade até 2001, ano em que perdeu para a coligação PSD/CDS-, a câmara municipal, através dos seus executivos, esteve sempre de pernas abertas para licenciar novas grandes áreas comerciais. Machado, no seu magistério, assistiu à abertura de duas, Continente e Makro, em 1993, e deixou os planos quase prontos para o licenciamento do Fórum Coimbra, Dolce Vita -hoje Alma Shopping- e Retail Parque de Taveiro. O que veio substituir Machado na cadeira do poder, Carlos Encarnação, continuou a colocar a assinatura em novas grandes e médias superfícies. Hoje, em Coimbra, existem uma dezena e meia de pontos de venda que rivalizam -contrário de concorrer- com as lojas de rua.

Mas, sendo assim, não se entende a divisão entre comerciantes. Ou entende?
Entende sim. Reza o princípio da paz que a uma agressão perpetrada não se deve responder com outra ofensiva similar. Quero dizer que se o executivo agiu mal ao iniciar a façanha a poucos dias da eventual melhor época de vendas, no mesmo modo, não se deve pedir para encerrar as lojas a três dias do Natal, e foi o que os protestantes fizeram. Só por este pedido se vê que tudo foi feito em cima do joelho e sem pensar.
Por outro lado, deu para ver que os manifestantes sabem bem o que precisam para aguentar estes tempos difíceis, no entanto não sabem o caminho para o conseguir. Por outras palavras, em certos casos, reivindicam à autarquia poderes decisórios que a lei não lhe confere.
Estou convencido que foi esta desorganização, acoplada com o momento menos próprio para o efeito, que perpassou e fez abortar a participação colectiva.
Por outro lado, por ter sido tudo feito no curto tempo de uma semana, a mensagem não chegou aos destinatários.
Por outro lado ainda, parece-me, foi estabelecido um certo conflito de estigma entre estes comerciantes mais novos e os mais velhos. Como se os mais velhos não tivessem noção do que se está a passar, nunca tivessem feito nada para denunciar, e estivessem bem de vida.
Por outro lado ainda mais, para além de ser uma questão económica, sendo a regeneração da Baixa da cidade essencialmente uma demanda política não fez sentido arredar com algum desdém a oposição da solução deste imbróglio. A revitalização desta área velha, inevitavelmente, só se fará com o total apoio das forças partidárias representadas no executivo municipal.

Mas, foi mesmo tudo feito em cima do joelho?

Foi sim! Salvo melhor opinião, houve uma intenção de, por parte das cinco estrelas, cada uma poder brilhar mais do que a outra. De tal modo foi assim que acabaram a ofuscar-se no conjunto e a projectar a sombra e a dúvida sobre a classe que representavam. Foi tudo feito sem organização. Tudo começou com um pedido de uma das organizadoras para dois comerciantes, eu próprio e Francisco Veiga, falarmos dos problemas da Baixa para o Correio da Manhã/CMTV. Quando estávamos a ser entrevistados, uma outra senhora, num grupo de ocasião ali formado, anunciou que ia haver uma manifestação em frente à Câmara Municipal de aí a uma semana.
Com o título “comércio: quando a crise aperta”, escrevi uma crónica algo satírica a considerar um erro de palmatória o que se estava a fazer sem planeamento. Ora, o que eu fui fazer! Quem me mandou exercer o direito de não concordar com a acção? Levei bem para contar! Depois, para entornar o caldo todo, ainda tive a ousadia de escrever outro texto sobre o comunicado apócrifo que andou a ser distribuído pelas lojas. Desde ser insultado pessoalmente, até muitas críticas de ignomínia no Facebook, até vários colegas deste grupo de mais novos cortarem comigo, houve de tudo. Pelos resultados obtidos, o futuro veio dizer que estava certo, mas isso não interessa nada! O que importa, isso sim, sob o ponto de vista de alguns manifestantes, “é que se fez história” (sic).
Aos agressores que não gostam do contraditório, fica aqui o recadito: já estou recomposto, muito obrigados! Podem prosseguir. Como sou um bocadito teimoso, já me estou a pôr a jeito outra vez. Batam novamente nesta pobre alma!

E sobre o que se fez, valeu a pena?

Considerando que toda a acção gera reacção, inevitavelmente aquele evento alguma consequência vai ter. Um valor maior, pelo menos, desencadeou: a declaração de reconhecimento que, de facto, a Baixa caminha nua e o poder político, no caso actual, com o executivo PS, com o presidente Manuel Machado à cabeça, a mostrar que é igual aos seus antecessores e se está a marimbar para a degradação desta zona velha.

Mas, Afinal, o que falta?
É preciso clarificar que a reconstrução da zona, tendo chegado ao estado a que chegou, já não passa por meras medidas de cosmética. Devemos tomar nota que a Baixa assenta em três pilares: habitação, comércio e serviços (públicos e privados) e turismo. Acontece que as três super-estruturas estão debilitadas e com rombos. Então, a ser assim, é necessário um plano de rejuvenescimento que passe pelo melhoramento das três bases.
No que concerne à habitação, é urgente criar planos de crédito para revitalizar o edificado particular. Mais, o governo de Passos Coelho aumentou a tributação sobre os arrendamentos habitacionais e comerciais de 15 para 28 por cento. É preciso voltar atrás para os índices praticados anteriormente, já que o Estado está a ser o maior especulador imobiliário de que há memória. Através da total isenção de IMI, Imposto Municipal sobre Imóveis, é preciso contratualizar a vinda para esta zona velha de novos inquilinos. Mas, atenção, é preciso fazer regressar cidadãos com algum poder económico para poder desenvolver o comércio local e não como se está a fazer. Hoje, de uma forma linear, retirando os estudantes com habitação provisória, a Baixa está ocupada por velhos reformados com pensões de miséria, pessoas a receber o RSI, Rendimento Social de Inserção, e toxico-dependentes. Ou seja, com todo o respeito por toda esta estirpe, habitantes que, pela carência financeira, pouco consomem. Não é preciso ser político para ver que se está a criar um gueto.
Nos serviços, sobretudo no público, é preciso fazer regressar as direcções-gerais que nos foram roubadas pelo governo de Sócrates -entre 2005 e 2010.
No que mexe no Turismo, é preciso ter a coragem de acabar com o feudo da Universidade de Coimbra e a Fundação Bissaya Barreto (Portugal dos Pequenitos). O fluxo turístico tem de ser obrigatoriamente distribuído por toda a Baixa e acabar com a dicotomia Alta e margem esquerda. É preciso ver o que se passa com o posto de turismo da cidade.
No que toca ao comércio tradicional, chegou a um tal ponto de fragilidade que já não chegam directivas conjunturais -como mais policiamento nas ruas, mais iluminação pública, mais limpeza, mas estacionamento gratuito. São precisas medidas estruturais saídas do Governo e da Assembleia da República. Considerando que a oferta no país, de norte a sul, está saturada é preciso cancelar novos licenciamentos para grandes e médias superfícies. Paralelamente ao fornecimento de crédito ao consumo, é urgente conceder crédito às empresas para sobreviverem. Um dos maiores problemas dos espaços comerciais na cidade é a sua descapitalização, como se verifica no pouco artigo exposto para venda. E mais, é preciso pensar em aumentar o limite de isenção de IVA -actualmente, creio, é de 10 mil euros. As pequenas lojas de rua, para conseguirem vender, estão a chamar a si o pagamento do Imposto de Valor Acrescentado. Como é de prever, este comportamento leva à insolvência.

E a oposição não deve ser responsabilizada?

Como disse em cima, o estado de abandono do Centro Histórico deve-se ao assobiar para o lado da composição dos executivos municipais, PS, PSD, CDS, CDU, CpC (um mandato) pelo menos, nos últimos vinte anos.
Nesta altura, a criar alguma esperança de rompimento com o “status quo”, situacionismo, há uma força política nova no executivo (Somos Coimbra).
Há um porém: as forças políticas representadas na Câmara Municipal, da esquerda à direita, por um lado, ignoram completamente os problemas que assoberbam e preocupam os comerciantes, por outro, não acreditam que os lamentos de tragédia são reais. Nas suas cabeças criaram uma espécie da lenda da vinda do lobo mau. Durante as últimas décadas, sem comparação com os dias de hoje, os profissionais do negócio andaram sempre a clamar que as coisas estavam muito más. Tais queixumes massificados criaram uma imunidade para o actual alerta de desgraça que bate a todas as montras.

E como classificar a actuação de Manuel Machado no dia da manifestação?

Para quem anda por cá há muitos anos como eu, a sua forma de agir no dia da manifestação, ao não receber os manifestantes ou mandar alguém em sua representação, não constituiu surpresa. Como disse em cima, pela insensibilidade, este político local eleito pouco difere dos anteriores: não sabe o que se passa no comércio de rua, não quer saber, não procura conhecer. Tem uma visão maniqueísta, entre a construção de rotundas e arranjos de ruas, e pouca humildade para aceitar que a Baixa precisa de um plano integrado para que a sua desertificação não leve ao mesmo que está acontecer com o interior do país. É preciso dizer em alta voz: os edis locais, por manifesta partidarização, conluio e submissão ao poder central, são os grandes culpados do que está acontecer ao comércio tradicional, em Portugal.

Mas, afinal, o que se deve fazer para salvar a Baixa?

A meu ver, se fosse possível, deveria ser constituído um grupo de trabalho, entre comerciantes e APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra -cujas declarações e posicionamento sobre a manifestação dos comerciantes foram lamentáveis e, naturalmente, formaram cisão- para inventariar os problemas. Em seguida apresentá-los ao executivo municipal. Se houvesse franco diálogo e se verificasse boa-vontade em, um-a-um, indo resolvendo as tais maleitas de conjuntura -como alguma gratuitidade do estacionamento público, policiamento, iluminação pública, etc,- e a seguir que o presidente da edilidade, e também como líder da Associação Nacional de Municípios Portugueses, se comprometesse a levar ao Governo o estado caótico em que se caiu -por que não se pense que estas dificuldades são um um exclusivo de Coimbra- e a exigir políticas de discriminação positiva para o comércio tradicional nacional.
Por outro lado, se não fosse possível levar o projecto para a frente, por incapacidade de envolver o executivo na solução, deveria ser formado um grupo de trabalho entre comerciantes e APBC e, semanalmente, apresentar um tema para resolução no executivo municipal.

NO APROVEITAR SE ACUMULA O GANHO...

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

sábado, 23 de dezembro de 2017

BOAS FESTAS, COM TUDO E MAIS ALGUMA COISA DE BOM

(Imagem da Web)




Meus amigos, começo por me retratar: ainda não vai ser este ano que vos vou oferecer uma prenda que valha a pena. E se vocês merecem! Ai não? Então, todos os dias a lerem os disparates que escrevo -com justiça, diga-se a propósito, nesta parte do absurdo não estou sozinho-, imagino o sentimento de dívida que cada um de vós deve sentir pelo ingerir de certas doses massivas de literatura de cordel produzidas na minha fábrica. Mas, como dizia a outra, isso não interessa nada, vamos lá às explicações pela impossibilidade de, mais uma vez, este ano não oferecer uma prenda de jeito aos leitores. É assim, eu estou como o Governo, este 2017, no segundo semestre, foram só azares. Nem vos conto. Tem sido só percalços, até já pensei em ir à bruxa... Mas passemos à frente e concentremo-nos no essencial, que é a questão das prendas, e deixemos o acessório. Vejam bem que tinha encomendado um camião de leitões para, depois de assados, oferecer a todos os que fazem o favor de gramar os meus pensamentos plasmados em escrita barata. Então, com a má sorte a perseguir-me, sabem o que aconteceu, não sabem? Pois, foi isso mesmo: ontem, junto à Ponte-açude, em Coimbra, o veículo que os transportava capotou e morreram dois pobres suínos. Uma tragédia, como se imagina. Nem sei como é que com tantos protectores dos pobres bichos não se manifestaram, cortando a estrada. Apesar do meu percurso de desdita, vá lá, tive sorte. Continuando a desfiar o rol de amarguras, é certo que, felizmente, todos os outros se salvaram, e, é claro, vocês até podem perguntar: por que não prosseguiu o plano de os conduzir ao matadouro e posterior forno de assadura? A razão, aliás duas, é que eu, perante aquele desastre em forma de sorte, não podia prosseguir no traçado pré-concebido para os animais. Explico melhor: se o destino me pregou aquela partida, mais que certo, por linhas tortas, estava a querer dizer-me que, numa espécie de perdão natalício, deveria comutar a pena de morte para os pobres brutos... É ou não é? Pois é! Também é certo que, pensemos por um momento, eu podia fazer de conta que não ligava a coincidências e continuava. Ora, está de ver que os porquitos, depois de uma pancada daquelas, de certeza absoluta ficaram traumatizados. É ou não é? O que ia acontecer se eu os mandasse para o forno e depois os enviasse para cada um de vós? O óbvio, iam perpassar o recalcamento para quem os comesse... Estou certo, ou estou errado? E depois? O mais certo é ficarem doidinhos, a baterem mal, e nunca mais lerem nada do que eu venha a escrever. É ou não é verdade? Claro que é! E o problema é que eu não posso perder clientes. Se não, qualquer dia tenho de escrever pr'o boneco. E como é que ganho a vida?
Mas o meu azar não acabou aqui. Como desisti logo de oferecer o leitão assado para a árvore de Natal dos leitores, mandei embrulhar uma medalha de ouro -de 18 quilates, que eu não dou pechisbeque, homessa!- para cada um. Carregado que nem um burro espanhol, encaminhei-me para os Correios para fazer a expedição. Azar danado! Bati com as trombas na porta. Ontem estiveram de greve. É preciso ter muito galo... Porra!
Tenham lá paciência! Para o ano, tendo em conta que a sorte e o azar são como o tempo sempre em mudança, é que vai ser. Tenham fé e não desistam. Em 2018 vou esmerar-me.
Façam o favor de chatear o vizinho o menos possível e, sem pedirem muito ao menino Jesus -que também deve estar em crise-, façam o favor de apanhar a felicidade quando ela passar na vossa porta.
BOAS FESTAS!

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O FUNERAL DO CARLITOS

Carlos Alberto Freire, outra figura carismática da cidade de Coimbra, também prestou a última homenagem ao "Carlitos"

(Fotos de baixo desviadas, com intenção, do semanário Campeão das Províncias"




Cerca das 10h30, na capela funerária da torre da igreja de São José, começaram as cerimónias fúnebres de Carlos Alberto dos Santos Duarte, mais conhecido por “Carlitos popó” ou “Carlitos pipi” consoante os dois destinos a que esteve ligado na Baixa de Coimbra e último figurante carismático.
Inicialmente anunciadas para a igreja central, “devido ao pouco público presente”, como disse o pároco celebrante, as cerimónias religiosas foram realizadas na pequena capela onde estava o corpo presente. Cerca de três dezenas de pessoas ouviram o presbítero na oração de encomenda da alma do finado.
Apesar do diminuto número de acompanhantes, os vários sectores de actividades profissionais a exercerem na Baixa estiveram muito bem representados. Desde a Cozinha Económica, com três irmãs vestidas de hábito de trabalho; ao comércio, com cerca de meia-dúzia de comerciantes a prestarem homenagem ao finado; à hotelaria, com patrões e empregados a deixarem marcado vinco de saudade; aos serviços, às trabalhadoras de vida difícil, com a lágrima no cantinho do olho no acto de despedida; até aos polidores de esquina, também em bom número de presenças. De salientar também a comparência espiritual de várias dezenas, centenas, ou senão milhares de lacrimosos do Facebook. Muito sério, sem sorrir, o rosto do “Carlitos” parecia agradecer a todos, aos materializados presentes e àqueles que em pensamento estiveram na sua partida para a última morada. De luvas brancas, o extinto parecia também agradecer à Câmara Municipal, à APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra e à Confraria da Rainha Santa a invisível sentida consagração. De salientar que, aquando do transporte entre a igreja e o cemitério, a urna foi envolvida com uma cobertura onde era visível as armas da cidade.
No fim da missa, em homenagem póstuma ao “Carlitos”, foram lidos um bonito texto de António Castelo Branco, ex-animador social do Inatel, e duas poesias de um comerciante, que, dando pelo nome de Luís Fernandes, por acaso, até me pareceu chegado. No fim das leituras foram deixadas muitas palmas em despedida ao “Carlitos”, o “faz-tudo”, o “sete-ofícios” da Baixa de Coimbra, que agora partiu para não mais voltar.
Eis então o elogio de António Castelo Branco:

Carlitos:
Não sei quantos somos os que aqui estão para te dizert adeus. Mas somos seguramente muitos que contigo conviveram ao longo da tua vida nesta terra, se não no dia-a-dia, de certeza no decurso das tuas “estórias”. Coimbra parou ontem quando soube que nos tinhas deixado, as redes sociais fizeram eco da tua perda do nosso convívio, na cidade não se falava noutra coisa, a Baixa sentia-se de luto e a própria academia se rendeu à triste verdade que foi a tua partida.
Em antítese ao poder e à riqueza, às mordomias e às senhorias, às honrarias, às condecorações e aos demais títulos que por aqui proliferam, tu eras, e sempre foste o Carlos PIPI, o rei do Papelão. E nessa condição viveste, pobre como Jó, sem nunca e mesmo sem forças, deixares de contribuir para o teu pão de cada dia. E é nessa vertente da simplicidade, e num reconhecimento pelo exempo que nos deixas, de sem nada teres e tanto nos legares que aqui estamos. Que saudades não sentiremos de ti, quando amanhã olharmos para a Procissão da Rainha Santa e tu não vieres abri-la. E outro tanto acontecerá aquando das latadas, do Cortejo da Queima, dos desfiles dos bombeiros e de tantas outras manifestações onde sempre comparecias compenetradamente responsável e garboso. Era a tua forma mais ingénua de participar na vida desta cidade que agora te vê partir com mágoa, mas onde fica a tua memória.

E a seguir os dois poemas do tal Luís Fernandes. O primeiro, “Uma folha caída no Natal”, para que tomemos atenção aos diferentes entre iguais que pululam no nosso meio, e o segundo, “O Carlitos Popó”, em homenagem póstuma:


UMA FOLHA CAÍDA NO NATAL

É Dezembro…
Uma folha cai… lentamente…
Ziguezagueia por entre a amálgama de gente,
gente apressada, escrava do tempo,
insatisfeita, faces duras sem contento,
pisam a folha, alinhados em parada, com tacões,
ecoam na calçada… como centuriões,
as pedras vibram, com tanta precisão,
uma pedrinha solta-se na multidão,
alguém a pontapeia, ao acaso, em estopada,
e ela rolando, por cá e lá, vai sendo chutada;
O vento sopra, cortante, e a folha voa,
e de cima, olha para baixo, vê à toa,
este exército mal ordenado,
como se estivesse condenado,
a andar, a andar, sem se render,
mesmo sabendo que vai desaparecer,
continua a querer mais, a ambicionar
mesmo que por um metro de terra tenha de matar
e o menino de olhos tristes, cara meiga, faça chorar,
o que importa nesta guerra é o feito, o vencer,
a infelicidade não conta, mesmo sabendo que se vai morrer;
E de novo a folha cai… lentamente…
Um louco ri sozinho… desalmadamente,
pega na folha, com carinho, o anormal,
afaga-a com a mão, como se fosse um pardal,
faz caretas, gesticula, dança ao vento com nobreza,
embala a folha, dá-lhe beijos, filha da natureza,
nem o frio, a refrear o ímpeto, lhe faz mal,
ele sabe que é festa, não sabe que é Natal,
não sente a solidão, não conhece abraços,
não compreende a razão de tantos laços,
E de tantos rostos fechados com ar formal;
Alguns presentes e sacos enfeitados,
tantas almas embrulhadas,
tanto amor materializado,
tanto calor humano… desperdiçado
entre o dever e o ser,
só é gente com… o ter,
e a folha… lentamente,
nos braços de um demente,
sorri… para a turba disforme,
e pensa a folha, se eu falasse… uma frase conforme,
mesmo com a voz do tonto rouco, gritaria em altos berros:
AFINAL QUEM É O LOUCO??!

O “CARLITOS POPÓ”
(Poema póstumo)

Sou o Carlos Alberto Duarte,
todos me conhecem na Baixa,
uns tomam-me como baluarte,
outros como louco que encaixa
na senilidade do seu encarte;
Sou quase um vivo monumento,
na paisagem envolvente,
tenho um pressentimento
que para muitos não sou gente,
sou coisa sem sentimento;
Mas eu sou pessoa que ama,
dentro de mim bate um coração,
olho para quem passa, para a dama,
para a viúva triste sem consolação,
que olhando para mim, exclama:
Olha, é um maluco que aqui vai,
caminhando nas ruas sozinho,
pouco fala, parece que nunca sai
do Largo das Ameias, do cantinho,
pobrezinho, valha-o Deus, ajudai!”;
Mas contrariamente ao pensar,
sou feliz com pouco ter,
basta-me apenas não chorar,
que me importa não saber ler,
ou não ter telemóvel para falar?;
Apesar de não ser religioso,
mas até sou um bom cristão,
tantas vezes sou caridoso,
dou um braço, dou a mão,
por alguém mais andrajoso;
Desconheço o ódio, pois então!
gosto de qualquer humano,
quando vou na procissão,
em passo solene franciscano,
julgam-me um igual na razão.

UMA LINDA HOMENAGEM DA ACADEMIA

Chegado o féretro ao Cemitério da Conchada cerca de uma vintena de pessoas aguardava os restos mortais do “Carlitos”. Entre eles estava o "Pirilau", um dos figurões de outros tempos, felizmente ainda vivo, certamente por ser muito mais novo, tem agora 58 anos. No agrupamento perfilavam-se vários estudantes trajados a preceito. Depois da urna descer à terra o grupo de fado “Capas ao luar” tocou e cantou dois temas imortais, exactamente, no espírito da mesma imortalidade do “Popó”. Pela tristeza do fado, pela saudade implícita da canção coimbrã muitos acompanhantes faziam um grande esforço para suster as lágrimas. No fim de tudo uma enorme salva de palmas para o “Carlitos”.
Uma espectacular, uma bonita homenagem realizada pela academia coimbrã. Muitos parabéns pelo reconhecimento ao “Rei do Papelão”. Uma cerimónia singela, mas a mostrar que nem sempre, na última partida dos simples, o esquecimento prevalece.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

BYE BYE MILLENIUM







Segundo um informador credenciado que pediu o anonimato, no dia 29 deste mês e na próxima semana, encerra a agência do Millenium BCP na Rua Ferreira Borges. Serviços e pessoal serão transferidos para a Avenida Emídio Navarro.
Depois de um período expansionista, sobretudo na década de 1990 e principio do novo milénio, em que tudo o que era espaço citadino bem posicionado era apanhado para sucursais bancárias, a mostrar que não há crescimento eterno, eis o inverso. Como marcos de um tempo económico que mudou alavancado pelas novas tecnologias, com o encerramento destas dependências, crescem as lojas vazias nas ruas largas.

DESAPARECEU O ÚLTIMO FIGURANTE CARISMÁTICO






Cerca das 16h30 de ontem, nos HUC, Hospitais da Universidade de Coimbra onde se encontrava internado em cardiologia, faleceu o Carlos Alberto dos Santos Duarte, mais conhecido por “Carlitos popó” ou “Carlitos pipi” consoante os dois destinos a que esteve ligado na Baixa de Coimbra. Para uns, era o “Carlitos popó” por, na década de 1970 e seguintes, andar nas ruas ao papelão e às vezes para passar mais rápido entre os transeuntes que atrofiavam as ruas imitava o motor de um automóvel com buzina e tudo. Para outros, tinha por alcunha o “Carlitos pipi” por, em alturas de festas da cidade e da Rainha Santa aparecer bem vestido, com fato e gravata.
O “Carlitos” sofria do coração, tinha um problema na aorta, e já tinha estado internado numa Unidade de Trabalhos Continuados em Novembro de 2014, quando sofreu o primeiro abanão na saúde. Mesmo assim era um multifunções. Um homem dos sete ofícios, sempre pronto, uma espécie de embaixador da paz e da concórdia.
Mais logo, cerca das 18h00 o seu corpo será trasladado para a igreja de São José, Capela da Torre, em cima e na lateral -alegadamente, por a capela usual, em baixo, estar ocupada. As exéquias, cerimónia fúnebre e funeral, iniciar-se-ão às 10h00 de amanhã, sexta-feira.
Em meu nome pessoal e em nome da Baixa comercial e habitacional, se posso escrever assim, os nossos sentidos pêsames à família e ao seu amigo Bruno Morais, o seu grande protector e orientador administrativo.

FOI-SE O ÚLTIMO FIGURANTE CARISMÁTICO

OCarlitos popó” fazia parte de um leque de figurões que marcaram a Baixa e a cidade durante duas gerações, pais e filhos, e entre dois sistemas, autoritário e democrático. Desde o “Taxeira”, o “Tatonas”, o Adelino Paixão até ao “Pirilau” -este anda por aí, de boa saúde, mas, pela discrição, não dá nas vistas- foram personagens marcantes. Não quer dizer que não tenham sucessores -enquanto houver lugares habitados continuará a haver sempre disfuncionais, em metáfora, as rosas bravas de um jardim que é demasiadamente regulamentado por leis escritas, carregadas de obrigações, a formatarem e a quererem manobrar os usos e costumes. Talvez por isso, pela liberdade manifestada numa total irresponsabilidade social perante as normas, estes “cromos” exercem no colectivo um misto de admiração e fascínio. Quando se vão criam uma tal consternação como se de uma alta individualidade se tratasse, um chefe-de-estado, um artista de renome, um benfeitor da humanidade. Talvez pela impossibilidade de compreender as nossas reacções perante estas pessoas diferentes do comum, que geram vários sentimentos, resida o mistério do nosso deslumbramento, um quase feitiço pelos seus desempenhos na sociedade. Por muito que pensemos conhecê-los, para sempre ficarão na nossa memória como “rostos nossos (des)conhecidos”.

O “CARLITOS POPÓ

(Poema póstumo)

Sou o Carlos Alberto Duarte,
todos me conhecem na Baixa,
uns tomam-me como baluarte,
outros como louco que encaixa
na senilidade do seu encarte;
Sou quase um vivo monumento,
na paisagem envolvente,
tenho um pressentimento
que para muitos não sou gente,
sou coisa sem sentimento;
Mas eu sou pessoa que ama,
dentro de mim bate um coração,
olho para quem passa, para a dama,
para a viúva triste sem consolação,
que olhando para mim, exclama:
“Olha, é um maluco que aqui vai,
caminhando nas ruas sozinho,
pouco fala, parece que nunca sai
do Largo das Ameias, do cantinho,
pobrezinho, valha-o Deus, ajudai!”;
Mas contrariamente ao pensar,
sou feliz com pouco ter,
basta-me apenas não chorar,
que me importa não saber ler,
ou não ter telemóvel para falar?;
Apesar de não ser religioso,
mas até sou um bom cristão,
tantas vezes sou caridoso,
dou um braço, dou a mão,
por alguém mais andrajoso;
Desconheço o ódio, pois então!
gosto de qualquer humano,
quando vou na procissão,
em passo solene franciscano,
julgam-me um igual na razão.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

EDITORIAL: O COMÉRCIO DE RUA EM GUERRA (1)

(Foto de Márcio Ramos)




As recentes notícias sobre o empobrecimento do comércio na Baixa leva-nos a reflectir sobre o que concorreu fortemente para chegar ao que se chegou.
Em metáfora, hoje, o cenário do comércio de rua apresentasse-nos como uma barragem vazia. O que aparece aos nossos olhos são esqueletos, os restos de uma civilização desaparecida.
Que factos e medidas contribuíram para esta desolação? O que é preciso fazer para reerguer o comércio tradicional? Podem ser as perguntas que mais nos acorrem no imediato.
Comecemos pela primeira interrogação -a resposta à segunda, por se tornar demasiado longo, será feita noutro texto que não este. Falando especificamente de Coimbra, quando nasceram na cidade as duas primeiras grandes superfícies, o Continente e a seguir a Makro, em 1993 -era então Manuel Machado, o actual timoneiro dos destinos da cidade, o presidente da Câmara Municipal de Coimbra. O comércio estava muito concentrado na mesma zona, no coração da urbe, e com alguns comerciantes a deterem várias lojas do mesmo artigo e num raio de uma centena de metros. O bairro baixo e também o bairro alto, a Alta, como eram denominadas estas áreas em meados do século XIX, tinham muitos residentes, muitos consultórios médicos e muitas lojas comerciais a servirem de animadores sociais e a contribuírem para a segurança de todo o espaço envolvente.
Com a procura em alta, apesar da oferta ainda estar aquém e muito longe do excesso, o futuro já preocupava os profissionais da venda. E a provar isso é que no primeiro dia da abertura do Continente foi realizada uma grande manifestação de comerciantes da Baixa junto à grande área comercial, no Vale das Flores. Havia ainda outra ameaça: constava-se que os trespasses, a transmissão onerada entre o empresário que detinha o negócio por vínculo de arrendamento e o novo adquirente, iam acabar. O trespasse do ponto de venda, para o instalado, funcionava como o pé-de-meia, a sua reforma na velhice -já que o Estado não garantia (e continua hoje na mesma) medidas de sobrevivência justas em caso de insolvência ou aposentação. Salienta-se que este negócio jurídico era feito entre o inquilino e candidato a comerciante. Ou seja, numa iniquidade notória, o proprietário do prédio era arredado deste enriquecimento (com alguma causa) apenas para uma das partes. Chama-se a atenção que a responsabilidade e a obrigação de fazer obras no edificado continuava a pender sobre os ombros do proprietário -este facto anómalo, injusto, juntamente com o congelamento de rendas antigas favoreceu fortemente a degradação dos prédios nos centros históricos do país.
Nesta altura, na Baixa, qualquer entrada de porta para vender fechos e cintos poderia facilmente custar 25 mil euros -cinco mil contos à época.
Estava em marcha a purga, o princípio do extermínio, a caça ao “Portugal tradicional dos pequenitos”. Todos aqueles que ganhavam a sua vida, grão-a-grão, num pequeno espaço a trabalhar no comércio, na pequena indústria, ou pequenos serviços, tinham a sina marcada. O seu fim estava anunciado.

O PROCOM (OU A ARMADILHA INSTITUCIONAL)

Para colmatar e abafar os protestos dos comerciantes sobre licenciamento das grandes superfícies que começavam a emergir no país, no reinado de António Guterres, em 1996, veio o primeiro PROCOM, Programa de ajuda e modernização do comércio tradicional. Seguir-se-iam outros com o mesmo formato nos anos seguintes, como o URBCOM, por exemplo. Isto é, o governo de Guterres, tapando o sol com a peneira, tirava pelas traseiras e pela frente concedia subsídios a fundo perdido. De sublinhar que, na Baixa, muitos dos que aderiram a estes programas de revitalização caíram na insolvência.
Em 2006, na regência do governo de José Sócrates, foi publicado o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU). Este é mesmo o ano da revolução comercial, a entrada para o túnel do desaparecimento e empobrecimento de uma actividade outrora lucrativa e que muito contribuiu para o desenvolvimento das cidades, vilas e aldeias. O problema é que o NRAU foi feito em cima do joelho por políticos que apenas estavam interessados nos votos e pouco no futuro de Portugal. Sem acautelar interesses das partes em conflito, e sobretudo o futuro dos grandes centros habitacionais, nomeadamente a continuação de ramos de comércio antigos, foi-se dos oito para o oitenta. Num ápice, os comerciantes inquilinos, com reformas de miséria e sem direito a subsídio de desemprego, vendo ser aumentadas as suas rendas astronomicamente, viram-se sem chão, num estrado de miséria que se avizinhava. Sendo justo, não se pode condenar de todo os donos dos locados pelos seus exagerados aumentos já que durante décadas foram espoliados do que era seu.
Ao mesmo tempo que as despesas de funcionamento disparavam, desde luz, água e comunicações -incluindo os impostos e taxas-, aumentava também a concorrência desenfreada pela abertura de novas grandes superfícies e novos pontos de venda particulares em vilas -que, pela saída forçada de outras profissões em desaparecimento, vieram desembocar no comércio. Sem experiência, olharam sempre o comércio como a galinha dos ovos de ouro. Inversamente proporcional, os rendimentos do trabalho e das famílias ia baixando por força da tributação do fisco e, pela força da concorrência desenfreada, as margens de lucro na comercialização caía a pique. 
Os shopping's,  a aumentarem o seu número desmesuradamente nas vilas e cidades, estranhamente foram olhados por muitos comerciantes experimentados e estabelecidos há décadas como o novo eldorado. Apostando fortemente nestes mercados emergentes, a pagarem rendas altíssimas, viriam a perder tudo, incluindo a casa-mãe nos centros históricos -na Baixa houve vários exemplos. Com artigos importados ao quilo em contentores da China e Índia, por liberalização dos têxteis e outros, estes novos aglomerados faziam baixar os preços assustadoramente e, com este procedimento, foram empurrando o velho comércio para o charco. A lei dos saldos é revista e começa a abrir-se a porta para as promoções durante todo o ano e para a viciação do consumidor só comprar artigos com grandes descontos.
Sem uma necessária regulamentação, estavam escancaradas as portas para a lei da selva. O mais fraco terá o reino dos céus, mas passará muito mal para lá chegar. Só o mais forte sobreviverá na felicidade divina a tempo inteiro. Paulatinamente as lojas mais antigas que pagavam renda, com muitos empregados, abrem falência umas a seguir a outras. O comerciante que é dono do espaço, vendo que o precipício estava à frente dos seus olhos, abandona o balcão e, arrendado a sua loja por verba, nalguns casos, impraticável, passa a viver da renda abastadamente. De vítima, por força do NRAU, o proprietário, ressabiado, farto de ser maltratado em dezenas de anos a fio, passa a verdugo.

E VÊM AS CRISES DE 2008 E 2011

Em 2008, já com a nossa economia em queda, com a dívida pública na ordem dos 120 por cento do PIB, Produto Interno Bruto -em finais de 1990 estava à volta de 96 por cento-, por um lado, com o governo liderado por José Sócrates a, recorrendo à doutrina económica de Keynes, investir em estruturas públicas para criar emprego e com isso a sobrecarregar ainda mais o endividamento estatal, por outro, com o consumo interno a ser suportado por créditos bancários criados para o efeito, rebenta a crise do Lehman Brothers, com sede nos Estados Unidos, mas com repercussão em filiais de todo o mundo.
E, tal como outros países europeus, pela repercussão, Portugal abana e quase afunda. Em 6 de Abril de 2011, José Sócrates anunciava um pedido de ajuda externa à Troika, FMI, Comissão Europeia e BCE. Veio a seguir o governo de Passos Coelho e foram tomadas medidas drásticas, nomeadamente em subida de impostos e cortes nos rendimentos do trabalho. Veio a fome para um terço das famílias, e o comércio de rua, já nessa altura muito debilitado com as novas medidas austeritárias, levou mais uma razia no encerramento de lojas antigas e aumento desmesurado de falências.
Em Coimbra a ACIC, nessa altura já em coma existencial, atolada em dívidas, que a haveria de conduzir à insolvência, ainda conseguiu reunir seis dezenas de comerciantes para tentar sensibilizar o então presidente da autarquia, Carlos Encarnação. Debalde! Porque o homem era insensível e, como indicava, estava pouco preocupado com a tragédia que se avolumava. É bom lembrar que o desaparecimento de muitas associações empresariais neste período ou a seguir, para além de haver em muitas uma gestão pouco clara, foi também o resultado do empobrecimento dos seus associados, que deixaram de poder pagar quotas, e de um processo conduzido pelos últimos governos para enfraquecer as classes empresariais. No sindicalismo assistiu-se ao mesmo fenómeno. Valeu os poderes agregador e económico do PCP para financiar a CGTP-IN- e de certo modo o mesmo aconteceu com a UGT, com o PS em rectaguarda.

(Artigo em continuação)