terça-feira, 30 de junho de 2015

O ÚLTIMO DIA (FELIZ) DA ANITA





Mais logo, ao bater das sete badaladas na torre sineira da igreja de São Bartolomeu, vai encerrar-se um capítulo para a Maria Hermínia Matos, mais conhecida como a “Anita”, do Cantinho da Anita, uma reconhecida e pitoresca casa de artesanato situada na Rua Sargento-Mor. Passados 29 anos, comemorados no passado 24 de Março, Hermínia chega ao fim de uma parte da sua história. Durante quase três décadas ali foi a sua segunda casa, o lar, doce lar de uma vida comercial cheia e realizada. Vai encerrar o seu estabelecimento hoje. Atiro-lhe uma frase de provocação: missão cumprida?
“Sim, missão cumprida! Diz bem! E feliz! É um ciclo da minha vida que se acaba. Sinto que fiz tudo o que podia. Sinto que me realizei Agora chegou a hora! Não me sinto frustrada. Sinto que as pessoas minhas amigas, que foram clientes também, nos últimos meses do planeamento da minha partida estiveram presentes e ajudaram a escoar quase tudo. Estou-lhes muito grata. Sinto-me reconfortada. Vou-me embora, mas vou feliz!
Pergunta-me sobre a recuperação da Baixa? Sim, pressinto que vai dar a volta. Mais dois anos e tudo se vai alterar para melhor. Não me pergunte porque digo isto, é algo intuitivo, não sei explicar. Vai mesmo! Esta mudança tem de ser feita pelos mais novos. Vou-me embora porque estou cansada, já não dava, mas, repito, parto satisfeita.
É certo que houve aqui muitas pessoas hipócritas a espreitar na porta e a dizer: Vai fechar? Ai que pena! Ai que pena! Mas nem antes nem agora vieram comprar alguma coisa para me ajudar. Só lamento este tipo de procedimento. Quer dizer, fazemos parte da paisagem urbana e alimentamo-nos do ar? Só quando desaparecemos é que nos dão valor? Mas não é por lamentos infelizes como estes que me vai tirar o sono. Isso é que era bom!
Fica aqui metade da minha alma. Este meu espaço de O Cantinho da Anita tem muita luz. Foi por isso mesmo que o escolhi. É uma nova etapa que se abre. Só quero ter saúde para desfrutar na companhia do meu marido, e que Deus dê saúde à minha mãezinha, que ainda esta de boa saúde. Agora terei mais tempo para estar com ela. Talvez logo, a acompanhar a última volta da chave na fechadura, uma lágrima vá rolar mas sei que parto feliz!”


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PORTUGAL, PAÍS DE HÁBITOS RICOS

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Helena Rico, 42 anos, Groningen, Holanda

“A propósito do desafio sobre os novos hábitos de poupança na abertura do ano lectivo, resolvi partilhar a minha experiência uma vez que vivo no norte da Holanda, onde tudo se passa de modo completamente diferente.
Em primeiro lugar, os livros são gratuitos. São entregues a cada aluno no início do ano lectivo, com um autocolante que atesta o estado do livro.
Pode ser novo ou já ter sido anteriormente usado por outros alunos.
No final do ano, os livros são devolvidos à escola e de novo avaliados quanto ao seu estado.
Se por qualquer razão foram entregues em bom estado e devolvidos já muito mal tratados, o aluno poderá ter de pagá-los, no todo ou em parte.

Todos os anos, os cadernos que não foram terminados voltam a ser usados até ao fim.
O contrário é, inclusivamente, muito mal visto.
Os alunos são estimulados a reusar os materiais.
Nas disciplinas tecnológicas e de artes, são fornecidos livros para desenho, de capa dura, que deverão ser usados ao longo de todo o ciclo (cinco anos).

Obviamente que as lojas estão, a partir de Julho/Agosto, inundadas de artigos apelativos mas nas escolas a política é a de poupar e aproveitar ao máximo.
Se por qualquer razão é necessário algum material mais caro (calculadora, compasso, por exemplo), há um sistema (dinamizado por pais e professores, ou alunos mais velhos) que permite o empréstimo ou a doação, consoante a natureza do produto.

Ao longo do ano, os alunos têm de ler obrigatoriamente vários livros.
Nenhum é comprado porque a escola empresta ou simplesmente são requisitados numa das bibliotecas da cidade, todas ligadas em rede para facilitar as devoluções, por exemplo. Aliás, todas as crianças vão à biblioteca, é um hábito muito valorizado.

A minha filha mais nova começou as suas aulas de ballet.
Não nos pediram nada, nenhum fato nem sapatos especiais.
Mas como é universalmente sabido, as meninas gostam do balletporque é cor-de-rosa e porque as roupas também contam.
Então, as mães vão passando os fatos e a minha filha recebeu hoje, naturalmente, o seu maillot cor-de-rosa com tutu, e uns sapatinhos, tudo já usado.
Quando já não servir, é devolvido.
E não estamos a falar de famílias carenciadas, pelo contrário.
É assim há muito tempo.

O meu filho mais velho começará a ter, na próxima semana, aulas de guitarra.
Se a coisa for levada mesmo a sério, poderemos alugar uma guitarra ou facilmente comprar uma em segunda mão.

Este sistema faz toda a diferença porque, desde que vivo na Holanda, terminou o pesadelo do início do ano.
Tudo se passa com maior tranquilidade, não há a febre do "regresso às aulas do Continente" e os miúdos e os pais são muito menos pressionados.
De facto, noto que há uma grande diferença se compararmos o nosso país e a Holanda (ou com outros países do Norte da Europa, onde tudo funciona de forma idêntica).
Usar ou comprar o que quer que seja em segunda mão é uma atitude socialmente louvável, pelo que existem mil e uma opções.
Não só se aprende desde cedo a poupar e a reutilizar, como a focar as atenções, sobretudo as dos mais pequenos, nas coisas realmente importantes.”*

*Recebido por e-mail

"SE SORRIRES"




Se sorrires!

Se sorrires para uma criança, olhando-a nos olhos,
far-te-á bem a ti próprio por quereres partilhar o seu íntimo
e envolveres esse pequeno ser na graça do teu encanto!...

Se sorrires enquanto caminhas, mesmo no meio de abrolhos,
encontrarás nessa vereda uma flor que se abre a ti, te transmite alegria
e, além disso, te dará alento para prosseguires sem sombra de medo!...

Se, de cabeça erguida, sorrires para o alto
acredita que ele se abrirá incondicionalmente ao teu coração
e nele plantará um jardim florido onde os pássaros cantarão hinos de amor!...

Se, confiante, sorrires para a chuva e a convidares a ir-se embora
para que te não cause mais desgraça e pesar
ela obedecer-te-á por teres invocado a força do Espírito!...

Se sorrires a um mendigo e lhe abrires fraternalmente as mãos
entrarás do seu íntimo como o Sol penetra pela vidraça
de qualquer palacete sombrio e deserto!...

Se sorrires à esquerda e à direita, verás, cheio de contentamento,
que ninguém ousará negar-te uma palavra de simpatia e amizade
porque os muros de granito também se desmoronam!...

Se sorrires, ainda que te custe, para quem te inveja e detesta
numa oportunidade que a vida sabiamente não te negará,
então a luz da tua fé te dirá que estás no caminho certo!...

Enfim, se sorrires em todos os momentos da vida
mesmo quando te apeteça chorar
jamais sentirás o peso do sofrimento e da morte!

João José de Seixas *
Adémia – Coimbra


·         *João José Seixas, falecido há cerca de seis anos, escrevia na Página do Leitor do Diário de Coimbra. Era meu amigo. Visitava-me algumas vezes e, por e-mail, enviava-me os seus escritos. Encontrei agora este seu poema de harmonia que, estou certo, nunca foi editado. Publico-o em sua homenagem. Onde quer que esteja, José Seixas, descanse em paz.




BOM DIA, PESSOAL...

segunda-feira, 29 de junho de 2015

BOM DIA, PESSOAL...

EDITORIAL: O DEFINHAMENTO DO COMÉRCIO TRADICIONAL






Neste último Sábado realizou-se mais uma “Noite Branca” promovida pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra. Eu estive encerrado. Pelos vistos só menos de uma dúzia de lojas comerciais estiveram abertas. Embora já escrevesse bastantes crónicas sobre este assunto, parecendo que estou a desabafar para o boneco –por que mesmo que alguns leitores leiam, o seu efeito de influência é pouco mais do que nada. Confesso, nem será de admirar, até a mim me maça estar sempre a malhar no mesmo. Podemos interrogar, se me aborrece plasmar mais do mesmo, porque continuo e, mais uma vez, cá estou a bater em ferro frio? Volto a escrever porque há muita gente que, sem saber o que diz, sem ter qualquer conhecimento de causa, debita “soundbyte” como se fosse um “expert” na matéria. Bater nos comerciantes, culpá-los da destruição do comércio de rua, tornou-se um novo desporto nacional. Bate o funcionário público que, com um horário principesco e um salário garantido no fim do mês, de peito cheio acha que os vendedores são mandriões. Bate o cliente ocasional –o freguês fidelizado desapareceu-, porque há muito que abandonou a zona histórica e apenas volta, passados meses senão anos, pela saudade ou porque necessita de um produto que não encontra em mais lado algum. A ligação entre o consumidor e o comerciante, num esmifrar até ao tutano, está transfigurada em irregulares nos campos do abuso moral e ético. Se historicamente um comprador, numa relação bilateral, foi sempre a parte forte, aquele que tem o dinheiro, e o que está sempre à espera de perceber uma fragilidade do vendedor para se aproveitar e fazer baixar o preço, agora, o consumidor habitual do comércio tradicional, sabendo da debilidade do mercador, está transformado num “abutre”. Só não come o vendedor vivo porque é difícil. Bate o político local no comerciante, porque precisa de desviar a atenção para os seus erros cometidos e para que a responsabilidade que lhe cabe no extermínio da classe pelos sucessivos licenciamentos de grandes áreas comerciais e pelo abandono a que votou os centros históricos das cidades. Bate o governo nacional nos comerciantes através de sucessivos impostos de confisco, tratando uma pequena “chafarica” de igual modo a um grande empreendimento, o que leva a que uma pequeníssima actividade empresarial seja cada vez mais de substituição. Em substituição pelo desaparecimento brutal de estabelecimentos mais antigos, que passaram de definitivos a provisórios em experiências sucessivas de seis meses de duração; em substituição por o comércio se transformar em porto de confluência de todas as profissões mais díspares.
De salientar que entre todos os entes relacionais há um sentimento comum: uma profunda hipocrisia. Todos fingem que estão muito preocupados com o estado caótico e de empobrecimento do comerciante tradicional. O curioso, e isto até seria caso para estudo, é que o próprio operador comercial também faz de conta que está tudo bem. Mesmo sabendo que está entregue aos bichos, a uma sorte macaca, e que não tem nenhuma entidade que o defenda, e que a sua existência é cada vez mais a prazo curto, sorri com indolência de braços caídos e quando interrogado como está a sua vida comercial responde laconicamente que está tudo bem!

PROVOCAÇÃO OU DESCARTE?

É sabido que o conceito “Noites Brancas” –que consiste em prolongar os estabelecimentos abertos até à meia-noite- está esgotado. Na generalidade têm sido realizadas à sexta-feira e, salvo a das “Marchas Populares”, para os comerciantes não resulta economicamente e, por isso mesmo, não aderem à iniciativa. Na antepenúltima, que se realizou na sexta-feira de 24 de Abril, estiveram menos de uma dúzia de lojas abertas na Baixa. Pode interrogar-se: porque não aderem os comerciantes? Porque, tirando as noites das Marchas Populares, nas outras nunca vendem nada. Ora numa altura em que qualquer custo tem de ser avaliado, tudo faz mossa, esta é uma razão pela não adesão. Por outro lado, nos últimos anos, estas noites têm vindo a privilegiar a hotelaria.  É muito fácil dizer que os comerciantes não aderem às iniciativas, mas só quem está dentro da barraca sabe o que lá se passa.
Ora, se sabendo antecipadamente que as “Noites Brancas” produzidas à sexta-feira não funcionam, por que se persiste em fazer estas iniciativas ao Sábado? É preciso esclarecer que já anteriormente se experimentou e nunca teve sucesso. Volto a interrogar: por que se teima? Será para mostrar o lado menos participativo dos comerciantes e colocá-los na boca da opinião pública como os desinteressados de uma iniciativa inovadora? Ou seja, mostrar que têm uma entidade que se preocupa com a revitalização da Baixa e eles, homens de comércio, não querem saber?

E POR QUE NÃO QUEREM SABER?

Em analogia, o comerciante tradicional está para Portugal como os gregos estão para a Europa. No vulgo, são considerados anacrónicos, que não se conseguem adaptar aos novos tempos, e que habituados a um estatuto perdido querem continuar na mesma vida que sempre levaram. Se, de facto, há alguma coisa de verdade, tomar a amostra pelo todo é ver o Sol através da peneira. Os comerciantes de rua, atacados por todos os lados pelo poder político-partidário, governamental e local, que fizeram deles uma espécie de bombo da festa e o desprezou no respeito que lhe era devido e nos direitos de sobrevivência a que tinha direito –no abandono dos centros históricos e que levou à desertificação-, carregando-lhe em impostos e taxas e fazendo deles uma segunda versão do burro espanhol –que, para poupar na comida, se estatela ao comprido e, perante a estupefacção do interesseiro, morre silenciosamente.

OS COMERCIANTES VELHOS E OS OUTROS

Poderemos dividir os comerciantes em dois grupos: os velhos e os novos. Salvo poucas excepções, o comerciante velho é um ser amargurado e profundamente deprimido. Sem força anímica, perdeu a vontade de alterar seja o que for como, por exemplo, uma simples montra. Sem fé no presente, perdeu a esperança que move o homem em direção ao futuro e sente o seu definhamento a cada momento que passa. Como velhinho cansado pela marca do tempo, arrasta-se pelo decorrer das horas do dia e, sem conseguir pregar olho, num pesadelo indescritível, vira-se e revira-se pelo tique-taque das batidas do relógio durante a noite. Estes negociantes velhos, a trabalhar desde criança, vêem-se num momento de angústia sem precedentes. Muitos com idade avançada, alguns com funcionários com décadas ao serviço da firma e sem dinheiro para pagar indemnizações e, para piorar, presos a estoques cujo Estado lhes exige a devolução do IVA pago e descontado na altura da compra do produto, estão presos numa armadilha sem saída possível e em que só lhes restam dois caminhos: a insolvência particular e da empresa ou o suicídio. O resultado do trabalho de uma vida, as poupanças, o prédio comprado a prestações de suor e lágrimas, vêem ir tudo embora, “vendado” por “tuta e meia”, por água abaixo.
Os comerciantes novos, trazidos pelos ventos do desemprego, pela moda do empreendedorismo, carregados de um aventureirismo próprio de quem entra numa profissão sem conhecimento e prenhe de um optimismo exacerbado e sem limites, chegados ao pragmatismo da realidade, depressa estão a culpar as estrelas da sua má-opção. Mergulhados na massa disforme da excessiva oferta, só então se apercebem que qualquer projecto, comercial, industrial ou de prestação de serviços, só vinga ou sobrevive pela carência do consumidor a que se destina. Nestes tempos esquisitos, não bastam sonhos cor-de-rosa, conceitos especiais de missões que visam transformar o mundo dos negócios. Se por um lado não está tudo inventado, por outro, o que surge na comunicação social é tudo demasiadamente empolado numa aura de positivismo infantil. O resultado do arriscar, do entrar de cabeça num aparente lago sereno, onde tudo parecia tão fácil, é o sair endividado até às orelhas, carcomido pela culpa e inevitável irresponsabilidade que vai ter consequências no destino de cada um.


sábado, 27 de junho de 2015

BOM DIA PESSOAL...




"Leva-me contigo..", um cheirinho da desaparecida "Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra e recordações do tempo em que eu era artista. Bolas!, perdeu-se um grande cromo! Estou a ficar velhote! Só assim se explica esta necessidade de trazer ao de cimo as memórias.

UMA PERGUNTA INOCENTE






Eu tenho 6 anos de Mandarim falado e praticado, tenho direito ao canudo da licenciatura?

“Alunos portugueses vão ter mandarim nos programas do 3.º ciclo e secundário”
“Ministro da Educação deu um horizonte de três a cinco anos para avançar com a medida”

Começo por esclarecer que o Mandarim de que falo foi um extraordinário café e restaurante situado na Praça da República entre 1960 e 1990. Trabalhei lá seis anos, desde 1966 a 1972. Leia aqui  (clique em cima da frase) e absorva um pouco da ambiência desse tempo.
Por isso mesmo, já se percebe a razão de concordar com esta medida de Nuno Crato, o Ministro da Educação. Há muito tempo que defendo que todos, mas todos, os jovens, em final da adolescência, já que se acabou estupidamente com o Serviço Militar Obrigatório, deveriam passar três meses num café a trabalhar como prestação cívica, propedêutico que deveria servir de introdução à vida profissional, para sentirem na pele o que custa servir os outros. Isto até pode parecer uma graça, mas não é. Servir o próximo implica dois sentimentos distintos: para quem serve, a entrega humilde à causa. Para quem é servido, um profundo respeito para quem o faz.




NÃO SUBESTIMEM UM POVO QUE SE SENTE HUMILHADO

Tsipras na reunião com Merkel e Hollande - 26 junho 2015. Foto União Europeia ©



"Tsipras: “Não subestimem o que pode fazer um povo quando se sente humilhado"


"A tensão subiu na cimeira do Conselho Europeu, quando o seu presidente, Donald Tusk, voltou a dizer que “o jogo acabou”, a propósito das negociações com a Grécia. Alexis Tsipras respondeu dizendo que “a Grécia tem 1.5 milhões de desempregados, 3 milhões de pobres e milhares de famílias sem rendimentos que vivem da ajuda dos avós. Isto não é um jogo.”

CONTINUE A LER AQUI.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

QUARENTA POR CENTO DAS EMPRESAS VÃO DESAPARECER...

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"Um estudo revela que, dentro de cinco anos, a transformação digital vai fazer desaparecer 40 por cento das empresas atuais. Apesar de a maioria das empresas reconhecer esta mudança como um elemento potenciador do negócio, algumas podem não conseguir lidar com a disrupção que a acompanha."

BOM DIA, PESSOAL...





"Hino à cidade perdida", letra e música compostas por mim e executada pela denominada "Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra. A voz é da Celeste Correia. "O tempo passou e tudo mudou..."


   HINO À CIDADE PERDIDA

“Olhem, tenham dó”,                                                        
gritava a cigana,                                                                
“tenho dez filhos e “mi home, entrevadinho”,             
está na cama, coitadinho, e não pode trabalhar;        
Davam uma moeda,                                                          
tinham compaixão,                                                            
na outra esquina um ceguinho repetia a lengalenga 
trauteada em oração;                                                        
No largo em frente                                                            
jogavam à moeda,                                                             
e entre um copo e uma sardinha na tasca da Mariazinha  
se depuravam as mágoas;   
                                                    
ESTA CIDADE JÁ NÃO EXISTE                                            
SÓ NA MEMÓRIA É QUE PERSISTE 
                                 
O tempo passou                                                                       
e tudo mudou,                                                                          
e a minha rua que era luz, agora é triste, tem uma cruz  
p’ra lembrar que pereceu;                                                     
Já nem um pregão,                                                                  
um gato a miar,                                                                       
só o silêncio modorrão invadiu seu coração                    
e de quem teima em ficar;      
                                            
ESTA CIDADE NÃO TEM VIVER                                          
JÁ NÃO TEM VIDA, ESTÁ A MORRER.   

CONTAR A HISTÓRIA DA BAIXA AOS MAIS NOVOS (3)

(Fotos d'O Teatrão)




Hoje, por volta das dez da manhã, no Largo da Freiria, fui interveniente na terceira sessão, e última, do projecto “Ó do Bairro”, um “workshop” de expressão dramática e uma ideia idealizada pela companhia de teatro O Teatrão. Trata-se da realização de encontros entre alunos do ensino básico e secundário e adultos, residentes ou trabalhadores, de um bairro, ou lugar enquanto membros de uma comunidade. Se cada um de nós tem uma história conforme a sua experiência de vida, um sítio real –contrário a virtual-, porquanto espaço comum congregador de vivências de pessoas, na sua dinâmica natural, será uma fonte natural sempre a jorrar memórias. Para que não se percam, é preciso divulga-las.
Numa época em que, contrariamente a um passado recente, a substituição avulsa e obsessiva, num usar depressa e deitar fora rápido, passou a religião e tudo o que nos rodeia agora já foi e parece cair num esquecimento de apagão, faz todo o sentido falar aos mais novos de que o tempo já andou devagar e nós, mais velhos, já fizemos dos raios solares, a sombrear a esquina, um relógio natural e da Lua um calendário para semear sonhos e colher realidades.
É de absoluta necessidade mostrar aos jovens que a história dos povos, do nosso povo, não se faz em corte horizontal, de placa sobre placa, mas antes num “continuum” e que, por exemplo, sem a escrita hieroglíflica, impressa em sinais e símbolos, não teríamos chegado a esta altura designada de pós-moderna –e que, pelo que se escreve nos telemóveis, tudo indica caminharmos para o ponto de eterno retorno.
Numa conversa interactiva, onde se começou pelo comércio enquanto sistema de troca que existe desde que passou a haver duas pessoas na Terra e que, pelas suas necessidades um deles teria sido mercador, teria levado à sua evolução desde a banca de mercado popular até à loja tradicional, deslizando pelas grandes superfícies, comércio digital e outras formas que surgirão no futuro. Achar que está tudo feito e que tudo acaba aqui é profundamente errado.
Falámos da cidade de Coimbra e na sua divisão territorial, entre a Alta, muralhada e com a Universidade, e a Baixa, área desde a Idade Média destinada a artífices e vendedores e com as suas ruas alegóricas, na toponímia, a corporações, como exemplo, Rua dos Sapateiros, Rua da Louça, Largo das Olarias, Rua das Padeiras, Beco das Cruzes e outras. Comentámos o facto de, em nome da modernidade e da dinâmica que acompanha todos os centros urbanos, a zona histórica estar triste e ser cada vez mais igual a si mesma. Ou seja, com o desaparecimento de muitas profissões e comércios –alguns destes, como mercearias, que foram sepultadas pelo aparecimento das grandes superfícies comerciais- que lhe davam vida através dos odores, dos barulhos dos vendedores ambulantes, das cores das janelas floridas, a zona histórica foi largando a alma, perdendo moradores, e transformou-se cada vez mais em terra-de-ninguém com prédios vazios, desde a loja no rés-do-chão até ao último andar.
E por que não residem pessoas nos pisos superiores? Interrogou um dos alunos. Porque a Baixa, no seu percurso natural, tendo coisas boas e outras más, hoje sofre as consequências da falta de políticas de orientação, como o urbanismo comercial –que mais tarde ou mais cedo terá de se implementar. Mas pode explicar-se assim: esta zona comercial, nos seus estádios, atingiu o pico máximo nos anos de 1980 e pela concorrência comercial feroz que nesta década emergiu começou aí a decadência. Tal como cada um de nós, individualmente, que pensamos ser eternos, os comerciantes enquanto grupo, nessa altura de 1980, pensavam que, pela intensa procura manifestada pelos consumidores, valia a pena transformar todo o edificado construído em armazém e ponto de venda. Estávamos no auge, a procura de produtos excedia a oferta e fazia com que uma simples entrada de porta valesse milhares de contos –milhares de euros. Hoje, em decadência continuada e perante a passividade geral, assistimos ao contrário, a oferta transcende em muito a necessidade de comprar e, em economia, quando isto acontece, o valor dos produtos embaratece extraordinariamente, leva à desmotivação e conduz à falência dos produtores e mediadores.
Por intervenção de outra criança, aflorámos ao de leve o facto de em 30 anos esta zona de antanho passar de cerca de dois milhares de residentes fixos para cerca de 850 eleitores –constituídos na sua maioria por idosos empobrecidos, vulneráveis e sem meios de locomoção. Demos o exemplo da deslocalização de citadinos na procura de mais bem-estar e desencadeada pela criação de novos centros de atracção urbana.
Terminámos com a esperança neles, jovens alunos. Ao mesmo tempo que, inevitavelmente, se mudarão os costumes, serão eles que, comprovando que o tratamento familiar nestas lojas é incomensuravelmente diferente das grandes superfícies comerciais, irão ser a força consumidora, anímica e revitalizadora, deste centro comercial a céu-aberto. O futuro chegará aqui tão mais depressa quanto formos capazes de passar a mensagem aos mais novos de que vale a pena vir comprar à Baixa. Muitos parabéns a O Teatrão pela iniciativa.


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quinta-feira, 25 de junho de 2015

BOM DIA, PESSOAL...






Compus esta letra e música há cerca de quatro anos a favor da reposição da linha da Lousã.
Para que a memória não se perca e as promessas dos mentirosos, começando no ex-governo socialista, de José Sócrates, e acabando neste de coligação PSD-CDS/PP, de Passos Coelho, não sejam lavadas com sabão Clarim.

O AVÔ "TONY" CONTA HISTÓRIAS DE VIDA AOS MAIS NOVOS

(Foto d'O Teatrão)





Inserido no projecto promovido pela companhia de teatro O Teatrão “Ó do Bairro”, um “workshop” de expressão dramática que tem por intenção colocar cara-a-cara moradores ou trabalhadores a contar as suas histórias de vida através de uma viagem experiencial aos mais novos, hoje, cerca das 10h00, realizou-se mais uma sessão.
Num convite formulado ao escritor Carlos Pinto dos Santos –e amavelmente aceite-, conhecido por “Tony” quando era criança nascida e criada na Rua das Padeiras, adultos e infantes, assistimos embebecidos à narração das suas tropelias nos seus tempos de puto, por alturas de meados da década de 1950. Desde o ser transportado encavalitado nos comboios a carvão para a Figueira da Foz para ver a garraiada, jogar ao abafo a levantar cromos com a mão em concha, até ao jogar à bola de trapos no terreno pelado do Largo do Romal, as suas narrativas existenciais gravadas a fogo na memória e que deram origem ao livro, “Por Portas Travessas”, em edição de autor, algumas histórias por ele vividas foram ali recordadas com amor e, volta e meia, interrompidas por um ou outro miúdo. De vez em quando um braço no ar e seguido da interpelação: “o que é uma garraiada?”. E o “avô” Tony pacientemente explicava.
De salientar que Pinto dos Santos tem ainda alguns livros para vender a um preço muito interessante. Se o leitor quiser adquirir algum exemplar pode fazer o pedido através da sua página do Facebook. Aqui.
Quanto a mim, narrador de segunda classe de casos e acasos, embora esteja praticamente no último capítulo do seu livro, fui também um ouvinte atento. Uma coisa é ler, outra é ouvir o desenrolar dos factos ao vivo e a cores pelo escritor.
Em nome de todos, das paredes carcomidas do prédio decrépito do Largo da Freiria –que parecia chorar de dor por já não haver crianças a brincar como no tempo da infância do “Tony”-, em nome d’O Teatrão, em meu nome pessoal, em nome da Baixa, bem-haja Pinto dos Santos!


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quarta-feira, 24 de junho de 2015

BOM DIA, PESSOAL...

O ESTRANHO CASO DA LOJA ARROMBADA





Na rua da Sofia não se fala de outra coisa: “a Maria Bonita foi “violada”. De tal modo foi o “diz-que-disse” que encheu a boca e os ouvidos de todos. Desde o “Manel”, da onça, até ao Urbano, engraxador, com cada um a acrescentar um ponto, o “furo” chegou ao meu largo mais desvirtuado que a trabalhadora nocturna Eleutéria. É claro que, aqui na redação do blogue, não emprenhamos pelos ouvidos, nem por inseminação artificial -somos muito pobrezinhos, graças ao altíssimo que nos alumia lá do alto, mas muito seriozinhos quando o podemos ser, mas isso não importa nada-, montámos em cima da cavalgadura –que, por falta de meios para troca, continua a ser o Silvano- e partimos em direcção à antiga rua dos colégios.
Mal o nosso repórter dava ao lamiré do caso da loja arrombada, da Maria Bonita, o diálogo era imediatamente cortado secamente com “não sei nada!”. Mas é claro que cá em casa, desde o burro até ao gato, toda a equipa está instruída para nunca desistir de obter uma informação relevante para os nossos leitores. Afinal, mesmo não pagando e serem mais exploradores que o Hermenegildo Capelo e o Roberto Ivens quando atravessaram Angola durante o último quartel do século XIX, é para vocês, leitores aproveitadores do pobre desgraçado escrivão, que aqui se trabalha arduamente para manter a informação de tudo o que mexe e remexe nesta zona da Baixa. Somos tão bons, tão bons, que ninguém nos quer ver nem de ginjeira. E foi assim, por becos e travessas, suando, transpirando e esgravatando, que se chegou a um voluntarioso depoente. Vou ligar o gravador. Tome atenção que não posso repetir porque não há dinheiro para substituição de pilhas.

GRAVADOR “ON”

“Eu falo consigo pela consideração que tenho por si! Está a ouvir? Mas atenção: nada de nomes! Está a ouvir? Ouviu bem? Eu não falei consigo. Está ouvir? Então vamos lá! A “Maria Bonita”, nome da loja, está aqui implantada há cerca de um ano. É de uma senhora brasileira –que me parece que era estilista no Brasil. Ao que consta, por questões de estratégia, o contrato de arrendamento foi celebrado em nome de uma outra senhora e esta, por sua vez, sub-alugou à estilista natural das terras de Cabral. Há cerca de quatro meses, alegadamente pela tubagem em mau-estado e da responsabilidade do proprietário do edifício, houve uma inundação na loja que teria redundado em prejuízo para a locatária do sub-aluger. Por razões não esclarecidas, o senhorio não aceitou a argumentação da lesada e esta, presumivelmente, teria deixado de pagar dois meses para ressarcimento dos danos. Resultado de tudo isto: nesta última segunda-feira o proprietário, acompanhado da primeira contraente do contrato e de um funcionário de uma firma de chaves, mudou a fechadura e colou uma informação a justificar o acto. Ao que parece, a contratante, para se fazer pagar das rendas atrasadas, teria levado consigo máquinas e artigos –através do vidro é visível prateleiras vazias e um certo caos- e deixaram as luzes acesas do estabelecimento.
Tanto quanto sei a empresária brasileira apresentou queixa na PSP. Sabe o que é isto? É o estado miserável do comércio a vir ao de cimo. Ao que isto chegou, meu amigo! Mas, tome nota, a procissão ainda vai no adro! E mais não posso dizer! Mas não ponha lá o meu nome… está a ouvir?”




UMA BOA INICIATIVA DO TEATRÃO

(Fotos gentilmente cedidas por Joaquim Santos)





Numa feliz iniciativa da companhia de teatro O Teatrão, sob o mote “Ó do Bairro”, um “workshop de expressão dramática”, que tem por objecto colocar face-a-face gente originária, moradores ou trabalhadores, dos bairros da cidade e alunos das escolas secundárias. A ideia-base é levar, através da história e de “estórias” vividas, o conhecimento dos mais velhos, extraído da sua experiência empírica, até aos mais novos.
Durante três dias, hoje, amanhã, quinta-feira, e depois, sexta-feira, sempre por volta das 10h00, a explanação terá lugar no Largo da Freiria. Na falta de melhor voluntário para desempenhar a tarefa, tive o grato prazer de ser convidado para, enquadrando o passado e o presente, relatar um pouco do que foi a Baixa, enquanto outrora centros de vivência habitacional e comercial de excelência, e o que é hoje. Escusado será dizer que os ouvintes, os alunos, levaram uma seca tamanha que tão depressa não voltarão cá. Meio titubeante, começando pelo princípio –passando a redundância-, na fundação da nacionalidade em 5 de Outubro de 1143, rapidamente deslizei para a divisão da cidade entre a parte muralhada, a Alta, onde viviam os abastados, os nobres e o clero, passando pela implantação da Universidade, em 1537, e na parte do sopé da urbe, a Baixa, onde estavam implantados os artífices, lá fui descalçando a bota o melhor que sabia. Por falta de competência do mestre –neste caso, que era eu-, foi logo combinado que não seria uma aula de cátedra mas antes uma conversa interactiva e que, a qualquer momento da explanação, poderia ser cortada com perguntas. E foi assim que, passando pelo actual sistema capitalista em que estamos inseridos e capitulação do Estado enquanto regulador para evitar abusos do mais forte, chegámos a Abril de 1974, à independência das ex-colónias ultramarinas e regresso dos colonos, chamados de “retornados”, que constituíram uma força de mudança importante no situacionismo do país. Passámos para 1986 e, sumariamente, analisámos a consequência da adesão de Portugal à CEE, Comunidade Económica Europeia, com a reforma compulsiva de alguns agricultores por força do menor custo produtivo, e o quanto essa imobilização tornou a cidade centro de atracção para novos comércios. Falámos do nascimento das primeiras duas grandes superfícies em 1993, a Makro e o Continente, e outras que viriam mais tarde, e a sua consequência para o esvaziamento do coração da cidade enquanto centro comercial do centro. Falámos também da responsabilidade do poder local enquanto entidade motora do seu desenvolvimento. Arranhámos ao de leve no mito urbano de que o estacionamento pago é um responsável do definhamento da Baixa. Falámos no presente desta zona de antanho, que é feito por muitos velhos, e o futuro que se deseja que seja feito por eles, gente nova, com sensibilidade e com memória e o quanta esperança se deseja que tudo mude para melhor, porque tudo, incluindo a cidade e os costumes, é dinâmico.
Foi uma experiência gira. Gostei muito. Reiterando o que escrevi no início do texto, mais que certo, a cerca de dezena de jovens levou para contar, já que o apresentador, para além de chato como as melgas, é fraco na explanação. Mas foi o que se pode arranjar. Amanhã, novamente por volta das 10h00, se não for possível outro orador, cá estarei novamente. Falei em outro orador porque, abusivamente e mesmo à margem da solicitação do Teatrão, convidei o escritor Pinto dos Santos, mais conhecido por Tony, que nasceu e viveu na Rua das Padeiras nos anos de 1950 e escreveu um belíssimo livro sobre a Baixa desse tempo, para me substituir. Ainda não me respondeu. No caso da sua impossibilidade, mau grado para quem tiver de me gramar outra vez, amanhã cá nos encontraremos novamente.
Muito obrigado à Luísa Silva, da Câmara Municipal, por me ter aconselhado à Isabel Craveiro, da direcção do Teatrão. A ambas mandarei a conta da minha (má) prestação. Bem-haja a ambas.


terça-feira, 23 de junho de 2015

A EXCLAMAÇÃO DO ANALISTA "METE NOJO"





“Portugueses defendem o Syriza porque protegem "os coitadinhos" –Santana Lopes na SIC NOTÍCIAS. 

Confesso que algum palavreado como este me irrita profundamente. Conhecendo o passado deste político partidário, sempre protegido pelo partido, fico sem palavras. A dar-me vómitos, apetece-me dizer: vai-te foder, “Sacana” Lopes, mais as tuas considerações sobre a pobreza dos outros, que nunca sentiste e desconheces!

"ATÉ VOARES"





“Já teve uma fortuna incalculável, foi fundador do Laboratório Farmacêutico Labesfal, é dono de uma farmácia em Campo de  Besteiros. João Almiro tem 89 anos e abdicou de tudo para viver com assassinos, pedófilos, prostitutas, alcoólicos, toxicodependentes, crianças, velhos, deficientes e dementes.

João Almiro acredita que "não há homens maus".
 CONTINUE A LER AQUI (CLIQUE EM CIMA) E VEJA A EXCEPCIONAL REPORTAGEM DA TVI “ATÉ VOARES”

SE PUDER, AJUDE ESTA FAMÍLIA




Família com 4 casos de cancro pode perder casa
“Fátima Galega, 39 anos, recupera de um cancro no estômago. O marido, José, de 57 anos, sofre de idêntico problema no pâncreas. O filho de ambos, João Pedro, de 14 anos, luta contra leucemia e a irmã, Ana Rita, de 9, sabe há um mês que tem um linfoma no intestino. “Foi uma bomba que rebentou dentro de casa”, diz Fátima, com a voz embargada. Saiba como ajudar esta família.”

Para ajudar esta família pode fazer uma transferência usando o NIB: 003507530001659270055 ou o IBAN: PT50003507530001659270055.

BOM DIA, PESSOAL...

segunda-feira, 22 de junho de 2015

BARALHAR E DAR DE NOVO PARA FICAR TUDO NA MESMA?






Hoje, e mais uma vez, o executivo camarário vai analisar um novo Regulamento Municipal das Feiras, Venda Ambulante e da Restauração ou Bebidas Não Sedentárias. Há cerca de vinte anos que, é ponto assente, cada novo governo local mexe no Regulamento da Venda Ambulante para deixar ficar tudo na mesma. É assim uma espécie de “lei manifesto, isto é, legislação que se destina a proclamar princípios que, na prática, o Estado não dispõe de vontade política para aplicar coercivamente ou de recursos materiais para executar”. Elabora-se e promulga-se a lei apenas para tapar os olhos ao cidadão sabendo o legislador antecipadamente que não há condições técnicas e logísticas de a pôr em prática. Tendo por trás a força e o aproveitamento político-partidário, lança-a ao vento e logo se verá. Ou seja, não se verá nada porque, como livro perdido e arrumado na estante que não é lido, nunca será colocada em prática.
Há cerca de vinte anos que a venda ambulante é a vergonha da cidade. Para ver o quadro miserável de quem o exerce e de quem, passivamente, nada faz para o alterar, basta visitar junto da Loja do Cidadão e da Praça do Comércio e verificar as condições em que os vendedores exercem o seu trabalho. Como ressalva, ao escrever isto não estou a dizer que detenha qualquer excepcional simpatia por estes vendedores ditos ambulantes mas há décadas fixos no mesmo local –o que só por isso, pela denominação contrária, já é absurdo. O que defendo é que sejamos justos para com eles. Não podem continuar a serem tratados pela administração como coisas descartáveis. São pessoas com família como nós, com mulheres e filhos. Sobretudo, falando de um vendedor africano, senhor de uma educação e humildade esmerada, instalado na Praça do Comércio, é um dos primeiros a montar a tenda, ao amanhecer, e às vezes às 22h00 ainda está a desfazer a exposição. É uma dor de alma ver as condições em que este homem trabalha arduamente para ganhar o seu pão.
Tenho para mim que, nos últimos anos, estas pessoas –alegadamente classificadas pela Câmara de segunda classe, parece-me- têm sido uma espécie de bola de arremesso ao sabor dos executivos camarários. Uns, os vendedores ciganos, com todos os excessos que se lhes reconhecem em tropear as regras, têm sido maltratados e só têm resistido pelo seu elevado grau de resistência que os une enquanto minoria étnica. Outros, os da praça velha, só conseguem manter-se graças à grande solidariedade que todos nutrem por eles, incluindo alguns profissionais do comércio vizinho.
A maioria dos comerciantes olharam sempre estes vendedores, sobretudo mais os ciganos, como concorrentes sem regras –havendo acusações generalizadas de a administração fiscal não os considerar como sujeitos passivos de obrigações iguais aos seus congéneres.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Vamos recuar até ao final da década de 1990. Na Praça do Comércio eram sensivelmente os mesmo que hoje por lá se mantém. Já no antigo Bota-abaixo –área degradada que servia essencialmente para paragem de veículos que tinham por destino a Baixa- cerca de uma dezena de vendedores ciganos, agrupados em pequenas bancas decrépitas e miseráveis, faziam ali o seu negócio. Em 1998, Manuel Machado, então presidente da Câmara Municipal de Coimbra, em hasta pública, alienou parte do espaço à firma Bragaparques por, salvo erro, cerca de um milhão de contos. Com grande celeuma, a transacção realizou-se e hoje, naquele local, nos pisos inferiores está implantado um grande parque de estacionamento e à superfície a Loja do Cidadão.

UM CHUTO NOS CIGANOS

Em face da venda do terreno para a empresa de Braga, por volta de 2000, os vendedores ciganos que estavam licenciados foram colocados no Largo da Maracha, a cerca de meia centena de metros do antigo poiso e junto aos estabelecimentos de comércio. A sua instalação era tão desadequada e sem dignidade para todos que, pela anarquia e afronta, motivou várias queixas na autarquia por parte de comerciantes. Em 2001, nas eleições autárquicas, Manuel Machado, do PS, perdeu a autarquia para Carlos Encarnação, do PSD –este ganhou a edilidade em coligação com outros partidos e fazia parte do seu programa regular a venda ambulante. Encarnação tinha por vice-presidente Pina Prata, que à altura era, “ex-aequo”, também presidente da ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra. Com declarações do então homem forte da ACIC assim “é agora que vamos acabar com este cancro que nos envergonha a todos”, por volta de 2003 foi apresentado um novo Regulamento para a Venda Ambulante. De certo modo era uma medida avulsa que, unicamente, tinha por objecto agradar aos comerciantes das lojas que não viam com bons olhos a venda bruta no Largo da Maracha. O prescrito era tão tão inovador, tão vanguardista, que, por exemplo, estabelecia que nenhum vendeiro sem poiso certo poderia estar a oferecer os seus produtos a menos de cinquenta metros de uma loja instalada e a cem de uma igreja. A intenção era claramente mandar os vendedores ciganos para o fundo do Parque Manuel Braga. Como é óbvio este absurdo teve a total oposição dos ditos. Mais uma vez para remediar com retalhos das vidas destas pessoas, com o argumento de se calcetar a Rua da Louça e o Largo da Maracha, “empurraram-se” para o espaço apertado junto ao antigo Armazém Amizade, na esperança de que, como aquele canto era junto dos contentores de lixo e mal-cheiroso, acabassem por desaparecer. Mas o tiro saiu pela culatra a quem o disparou. Estes vendedores, que em analogia são como os gatos e têm mais de sete vidas, de um recanto desprezado, com o pregão “é só cinco euros, menina! Compre! Compre!” acabaram por marcar a sua fronteira e revitalizar toda a área envolvente. E por lá se mantém ainda hoje.

PROMESSAS E MAIS PROMESSAS AO QUILO

Sem nunca ser implementado o Regulamento para a Venda ambulante, a longo de doze anos de vigência social-democrata, volta e meia, lá vinha anunciado nos jornais de que desta vez é que era, ou seja, finalmente a venda ambulante iria ser novamente regulamentada e cumprida. Em Novembro de 2008, o Diário as Beiras anunciava em título: "PSP e (autarquia) põem ordem na venda ambulante do Bota-abaixo”. Enquanto os comerciantes instalados sorriam destes avanços para inglês ver, os visados pelas medidas encolhiam os ombros.
Neste meio tempo, numa insensibilidade sem limites, a violar os princípios da segurança e a desenvolver o vínculo precário, os vendedores da Praça do Comércio estão desde 2003 a revalidar as suas licenças de três em três meses. Será este relacionamento, entre edilidade e um qualquer licenciado, sério e admissível? Antes das eleições, em Outubro de 2012, pelo executivo liderado por Barbosa de Melo, da Coligação por Coimbra, foi anunciado que iriam ser instalados novos quiosques na Praça do Comércio. Até hoje tudo continua na mesma como a lesma. Do novo projecto nada de novo.
É agora? É desta que se vai acabar com a vergonha da venda ambulante na cidade e, que é o que discuto aqui, mais propriamente na Baixa? Pode ser que sim! Sem grande fé, às vezes, de onde não se espera, saem surpresas. Vamos aguardar.


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