quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O TURISTA CHECO



Durante a manhã de hoje esteve na Rua da Sofia. Como se fizesse meditação, sem proclamar uma palavra, estava sentado no chão sobre o rolo de uma presumível tenda, com as pernas cruzadas e, à sua frente, um pequeno recipiente plástico com meia dúzia de moedas de vinte cêntimos. Era um rapaz de vinte e poucos anos e com um piercing no lábio inferior. De cabelo penteado e atado sobre a nuca, de aspecto limpo, vestia e calçava informalmente, com roupa simples e ténis que já viram melhores dias.
Passei, olhei e andei três passos. Algo na sua imagem hirta me chamou a atenção e tocou os sentidos. Não sei bem, penso que foram os seus olhos. Tinha um olhar parado, petrificado no espaço, com uma tristeza que tocava a alma do mais insensível, mas, ao mesmo tempo, um contemplar de firmeza e predestinação. Voltei atrás e fui saber o que fazia ali.
Expressava-se em inglês ou francês –escolhi o segundo idioma. Segundo as suas declarações, dá pelo nome de Pierre Zadar. É jornalista e escritor. Há cerca de cinco meses partiu da República Checa apenas com a roupa que vestia e com uma pequena tenda para dormir. Largou família e amigos com o propósito de escrever um livro sobre os países que vai atravessando e, sobre o que infere, falar das suas gentes e provar que é possível sobreviver retirando benefício da arte performativa de rua e da caridade pública. Faz bolas de sabão. Já passou por Itália, Inglaterra, Espanha e agora em trânsito por Portugal. Chegou hoje a Coimbra. Sente que a maioria dos transeuntes europeus é generosa desde que considerem que o óbolo não se destina a álcool ou drogas. Não sabe quanto tempo vai ficar por cá.
Ofereço-lhe almoço. Declina. Diz-me que as moedas que vão caindo na pequena caixa dão bem para comer. O pior mesmo é o calçado. E mostra-me as sapatilhas. Levanta uma e está rota na borracha rasteira. “Será que me pode ajudar para adquirir outras?” –solicita.


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