terça-feira, 13 de maio de 2014

UMA CONSERVADORA DE ALFARRÁBIOS, NA BAIXA



Abriu há duas semanas, na Praça do Comércio, junto ao pelourinho, e no antigo espaço da Casa Bonjardim, uma loja com uma arte que muita falta fazia na Baixa: a recuperação de livros antigos. Como já tenho escrito várias vezes, o Centro Histórico precisa de negócios diferentes dos que por cá existem. Nos últimos tempos tenho assistido e dado conta de inúmeros projectos falhados por não se ter levado em conta três premissas fundamentais: o desconhecimento total do saber fazer na área de investimento; aposta em comércios mais do mesmo e já existentes na zona; e rendas elevadas que conduzem inevitavelmente ao fracasso.
Com esta concepção de ser diferente no meio de muitos iguais, vou aproveitar para me servir de paradigma e tentar mostrar que o futuro desta zona velha, inevitavelmente, passa também por ideias de profissões em desaparecimento. A abertura de novos estabelecimentos na Baixa tem de primar, obrigatoriamente, pela originalidade e pela recuperação de artes ancestrais. Deixando um pouco o julgamento ao leitor, vou dar a palavra à Maria do Céu Ferreira, de 43 anos, uma mulher de coragem e que sabe muito bem do que profissionalmente faz. Vamos ouvir:
“Tudo começou há uma vintena de anos, em Alverca, quando tirei um curso profissional e que me fez emergir este talento -quem sabe por obra e graça de São João de Deus, patrono dos livreiros e tipógrafos? A seguir estagiei na oficina-escola de Artes e Ofícios da Santa Casa da Misericórdia de Santarém. Depois estive a trabalhar cinco anos na Fundação Ricardo Espírito Santo, em Lisboa. Ao longo de todos estes anos sempre dei formação.
Sou natural de Santarém e há três anos que aportei à cidade dos estudantes. Instalei-me com armas e bagagem, como quem diz com uma vontade férrea de vencer, na Rua da Alegria, com oficina de recuperação e restauro de livros antigos. Felizmente para mim, para tanta procura, o espaço, lá, já se tornava insuficiente. Para além disso, tinha um sonho que era vir para o coração da Baixa. Estou muito contente, sabe? Nota-se, não nota? Apesar de ainda estar aqui há pouco tempo dá para ver que vou ter muita sorte. As pessoas estão sempre a entrar. Olhe ali aquele grupo de turistas. Talvez pela classificação da Unesco, há muitos viajantes, não há? Sempre compram alguma coisa, um caderno diário, ou outro qualquer artigo em papel que produzimos aqui. São sempre trabalhos originais, únicos, e que não se encontram à venda em qualquer outro lugar. Fazemos tudo manualmente e com recurso a técnicas antigas. Para além disso já fizemos novos clientes para o restauro. Graças a Deus há trabalho! É certo que já não é igual há três anos, mas vai sempre aparecendo. Como praticamente todas as outras actividades laborais, tive de baixar os preços quando, paradoxalmente, os custos dos materiais subiram em flecha. Mas o que havemos de fazer? O que me interessa mesmo é não deixar morrer esta técnica que já vem dos nossos antepassados e quero passar aos vindouros. A minha alma está aqui no meio destes alfarrábios, a que retiro das trevas do esquecimento e volto novamente  a dar vida. Nem tenho tempo para me sentar, acredita? Há, é verdade, até me esquecia, dou também formação no CEART, Centro de Formação Profissional do Artesanato, na Pedrulha, e sou mestranda do Curso de Conservação e restauro da Universidade de Coimbra.
Tenho sido muito apoiada por todos, até pela senhoria deste meu espaço arrendado que, sem me conhecer, acreditou no meu trabalho. Pago uma renda muito acessível. Se acaso ela ler este texto, aproveito para lhe enviar um beijinho de enorme agradecimento. É com proprietários assim, com uma desmedida generosidade e assumindo a sua quota-parte de responsabilidade, que conseguiremos soerguer a Baixa novamente.”

1 comentário:

Super-febras disse...

Amigo:

Afinal de vez em quando lá vem uma boa e renovadora, na esperança que tenho para a minha cidade, notícia.
Que esta oficina e seus empreendedores sejam íman para outras artes e artesãos que tanto valorizarão a nossa citadina Baixa milenar. Diga-se, esta loja serve-lhe como uma luva!
Os meus parabéns com desejos de grande prosperidade à proprietária Senhora.

Para si agradecendo-lhe, um abraço

Álvaro José da Silva Pratas Leitão