quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

BAIXA: UM DRAMA SOCIAL EM PERSPECTIVA




 Na semana passada muita gente ficou abismada com o que se está a passar por dentro de portas dos comércios. Não se pense que é caso único. Na próxima segunda-feira, dia 13, pelas 17h30, na sessão aberta ao público da reunião do executivo, de viva voz, levarei ao seu conhecimento o que está a acontecer na Baixa de Coimbra. Aproveito para convidar os comerciantes a estarem presentes.
Vou dar aqui luz a alguns depoimentos de profissionais do comércio que, sob anonimato, aceitaram contar um pouco das suas vidas. Não plasmei todos os que ouvi por pensar que poderia ser fastidioso para o leitor. Tudo o que vai escrito a seguir é o rigoroso testemunho de quem confiou em mim. Começo por lhes agradecer. É muito importante este pulsar. Ao levar estes desabafos ao conhecimento público, faço-o na convicção plena de que alguma coisa terá de ser feita para ajudar quem está a navegar em águas tumultuosos e sente que a qualquer momento pode submergir.
“Abri o meu estabelecimento há um ano e pouco. Pago 1000 euros de renda. Actualmente estou com grandes dificuldades em cumprir. Já hoje estamos a 10 e ainda não consegui dinheiro para pagar a mensalidade. Tenho encargos muito grandes. Como as vendas caíram estrondosamente, tenho muita complicação em liquidar os muitos cheques passados antecipadamente. Todos os dias estou a ser pressionada pelo banco e pelos fornecedores. A minha vida é um inferno. Estava desempregada e, para me estabelecer, pedi um empréstimo. Estou a meter aqui muito dinheiro de casa, do ordenado do meu marido. A minha filha, felizmente, já ganha para ela, mas vive connosco. Eu vivia melhor quando era empregada do que agora. Mesmo no aspecto alimentar estou a ter dificuldades. Tenho de comprar tudo do mais barato, sobretudo de “linha branca”. Trago tudo de casa para comer aqui. Raramente vou a um café. Cortei com tudo o que seja supérfluo. A minha sorte é viver em casa própria e já paga. Até agora, não tenho dívidas ao Fisco nem à Segurança Social.”
Vamos ouvir outra comerciante: “Estava desempregada. Estabeleci-me há um ano e meio. Pago de renda 500 euros. Estou a deixar de ter vida. Como não consigo tirar nada da loja, estou a sobreviver do ordenado do meu marido. O empréstimo da minha casa está em ordem, mas com muito custo. O meu marido, tal como dois filhos, que estão a estudar, até ao domingo trabalham. No mês passado tive de pedir dinheiro ao meu pai para satisfazer a prestação. Já recorri a empréstimos de particulares porque no banco não tive hipótese. Tenho dívidas às Finanças e à Segurança Social. Estou doente. Quando me estabeleci aqui, há um ano e meio, vestia o número 42 de calça, agora basta-me o 36. Estou muito deprimida. Ando a ser medicada com ansiolíticos. Tenho 44 anos, e nunca na vida tinha tomado medicamentos. Eu fui emigrante, sempre vivi muito bem. Já fui rica, agora estou muito pobre. A minha sorte é ter um marido e filhos espectaculares. Neste Natal não dei nada aos meus filhos. Abraçaram-se a mim e chorámos todos. Os dinheiros que eles receberam entregaram-mo todo para me ajudar. Foram três amigas que me encheram o frigorífico. Foi o pior Natal de toda a minha existência. Há pouco tempo, para eu não entrar em incumprimento com o banco, no empréstimo da habitação, uma minha amiga, empregada no comércio, vendeu o seu fio de ouro e emprestou-me o valor correspondente. As notas escolares dos meus filhos, em face desta situação, caíram a pique. Já tenho a renda da loja em atraso, mas, tenho de confessar, o meu senhorio é uma alma boa. Nunca me pressionou. Tenho dívidas à Segurança Social e ao Fisco.”
Vamos ouvir outro: “Estou com 79 anos, comecei a trabalhar com 11. Nunca pensei em chegar a esta altura e ter de trabalhar com este afinco e necessidade. Em 1999 fiz obras ao abrigo do programa de ajuda ao comércio, o PROCOM. As promessas eram imensas, assentes numa ilusão de um futuro auspicioso. Foi um engano. Tive de pedir empréstimo ao banco para pagar o remanescente. Com a quebra contínua das vendas comecei a ter dificuldades em cumprir, sobretudo com o Fisco e a Segurança Social - aliás, estou em incumprimento- e a fornecedores, cujos cheques foram passados antecipadamente. Tenho tido vários devolvidos –com a agravante de o banco, numa completa irracionalidade, me cobrar 100 euros por cada devolução. Falta o apoio bancário. Muitas vezes, para conseguir dormir, tomo “lexotan”. Para aguentar esta pressão, outras vezes, recorro a antidepressivos. O meu frigorífico, lá em casa, continua com algumas coisas, mas só compro mesmo o necessário. Faço uma redução drástica de tudo. A luz é cada vez mais cara. É um escândalo. Sinto-me, diariamente, a empobrecer mais. Vejo o futuro, que se avizinha, carregado de nuvens negras.”
Vamos ouvir outro comerciante: “Vivo em casa própria. Tenho uma horta, e ainda é o que me vale. O ordenado do meu marido cai ao dia 1 de cada mês e à noite a conta está a zeros. O meu frigorífico está sempre vazio. Hoje levo um litro de leite e mais uma coisa ou outra, depende dos cinco ou dez euros que fizer na loja. Se houver dinheiro compro, se não houver não compro. Come-se tudo lá em casa. Deixou de haver escolha. Bolachas nem pensar! A minha filha só leva um pão com qualquer coisa lá dentro para a escola. A minha vida familiar foi muito afectada. Há 15 dias o meu marido foi ao Multibanco e não tinha lá um cêntimo. Eu tinha levantado tudo para a loja. Ele apercebe-se, mas faz de conta que não sabe. Mas eu sei que ele nota. Ele era caçador e deixou. Para além disso passou a trabalhar também ao domingo em tudo o que aparecer. Preciso de crédito para comprar mercadoria, mas o banco não me financia. Devo muito dinheiro a amigos a quem tenho recorrido. A renda é muito cara. Pago 500 euros por um espaço pequeno. Tomo ansiolíticos. Durmo à conta de medicamentos. Apesar de gostarmos muito um do outro, sinto que no meu lar o ambiente é muito tenso. Trago os nervos à flor da pele. Discuto facilmente à mínima coisa.”
E ainda outro: “Estou aqui há 11 anos. Fui emigrante. Quando vim para o comércio era uma pessoa rica. Vinha cheia de dinheiro e esperança. Actualmente estou na pobreza. Sinto que todos os dias me arrasto para o fundo do precipício. As vendas estão completamente em baixo. O apuro que faço não dá para pagar as facturas. O que me vale é viver em casa própria e não ter empregados. Apesar de ainda ter uma renda antiga, tenho de recorrer ao ordenado do meu marido. Ele é que me vale. Se não fosse ele já teria ido pedir para a rua. A vida dos meus filhos está completamente em baixo. Às vezes, para dormir, tenho de recorrer aos fármacos. Isto está uma merda. Isto é um desespero. Estamos todos a morrer lentamente. Não irá tardar muito, vou fechar a porta e vou-me embora. Tenho tentado tudo. Estou aberta à hora do almoço e ao sábado à tarde. Mas para quê? Estou sozinha. Por aqui encerram todos. Tenho 47 anos. Sinto-me a envelhecer todos os dias. Sinto-me impotente. Trabalhei 15 anos no estrangeiro. Ganhava muito bem. Aqui pago para trabalhar.”

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