segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O ELDORADO DA NOSSA RECORDAÇÃO





 Corria o ano de 1969 quando Manuel Ribeiro, através de um pequeno empréstimo, e juntamente com um sócio, deu à luz a sociedade Diniz & Ribeiro, L.ª. Nascia o Eldorado na Rua Eduardo Coelho.
Logo nos primeiros tempos de existência esta casa, porque rompia com um situacionismo existente na cidade, passou a ser uma catedral de moda em Coimbra. Quando noutras cidades do país os comerciantes viajavam ao estrangeiro, aqui, pelo vanguardista “Manel”, visitavam o Eldorado e ficavam a saber o que se iria usar durante a próxima estação.  “Coimbra foi sempre uma cidade cinzenta, dividida entre o castanho azul e preto”, enfatiza Manuel Ribeiro. “Sempre andei muito à frente. Eu tinha uma grande intuição para as cores. Apesar de frequentemente visitar as feiras de Paris, Versailhes, Florença e Colónia, era eu que lançava a moda na cidade. Logo ali, no inicio da década de 1970 –tinha então 30 anos-, e apesar de haver pouco poder de compra, a minha loja foi um êxito tremendo. Tudo se vendia. Eu era um “ganda” maluco . Gostava de afrontar. Um dia fui a Paris e comprei lá um poster grande que colei na montra. Para além de ter a imagem de um campo de concentração com arame farpado, detinha a frase: “Liberdade para os presos políticos”. De outra vez mandei cortar um tronco e enterrei-lhe na madeira um machado, e colei-lhe a frase: “não há machado que corte a raiz ao pensamento”. Toda a gente veio ver. Todos me interrogavam se eu já tinha sido visitado pela PIDE.
Num sábado, à tarde, de 1973, fui alertado de que o Eldorado estava a arder. Apesar do pronto auxílio dos bombeiros, só se salvou a sala da costura e o escritório. Como tinha seguro, pagaram-me tudo. Lembro-me perfeitamente do perito. Era um homem já velhote e de chapéu. Apenas me perguntou se eu tinha letras protestadas e se a ”escrita” tinha ardido. Como neguei, a seguir perguntou-me quanto tinha feito nesse sábado de manhã. Respondi: 97 contos. Passado uns dias tinha um cheque de 2400 contos. Mesmo assim fiquei em maus lençóis. Tínhamos 5 empregados.
Quem me ajudou foi o Fausto Correia. Foi tão meu amigo que convenceu o pai –o Fausto “Rolhas”, como era carinhosamente conhecido, e que já estava velhote- a ceder-me, sem trespasse, metade do seu estabelecimento de vinhos e rolhas que tinha na Rua Adelino Veiga. Um ano depois fiquei com a outra parte restante.
Então ali, na artéria mais movimentada da cidade, senti-me como peixe na água. Vendia o que queria. Como imperador no seu império, ditava a moda. Um dia trouxe uma calça de homem de Paris e, para não ir ao Porto, fui ter com o Eládio, da Santix, e perguntei-lhe se ele queria fazer aquele modelo exclusivo para mim. Ele disse que sim e mostrou-me os tecidos. Havia lá 78 cores. Não me servia nenhuma. Queria tonalidades novas, apelativas, que dessem vida. Só assim se mudaria a cidade. Havia lá uma encomenda que estava destinada à Suécia, e foi mesmo essa a cor que eu escolhi: bordeaux. No sábado seguinte, de manhã, logo que me entregaram a primeira tranche, vendi 40 pares.
Nos anos de 1980, tinha 43 empregados. Duas lojas na Figueira da Foz, uma em Aveiro e outra em Coimbra –aqui tinha 27 empregados. Os tempos mudaram, não há dúvida, as grandes superfícies rebentaram com o comércio tradicional. Mas, uma coisa afirmo: os comerciantes da Baixa estão derrotados psicologicamente. Perderam o entusiasmo.
Em 1982 entrei em choque com o meu sócio, e, no ano seguinte, abri o “Infinito”, na Rua da Sofia”, enfatiza Manuel Ribeiro.
Em 1990 o Eldorado, de Coimbra, foi vendido para um comerciante indiano que tinha uma loja em Lisboa e outra nos Açores. A fama e o “espírito” do Eldorado ficaram muito bem entregues. Sob a gerência de Asslam, um árabe naturalizado português e mais conimbricense de alma do que muitos nascidos aqui, esta grande casa histórica continuou a rolar e a dar cartas na rua do poeta operário. Com a abertura do Continente e da Macro em 1993, esta grande casa, tal como outras, sofreu o primeiro embate que lhe causou um fortíssimo rombo. Com o oceano do pronto-a-vestir a ser continuamente invadido por grandes “Shopping’s”, a clientela foi-se tornando mais escassa.
No fim deste mês, neste ano da graça de 2012, fecha-se um capítulo da história comercial da cidade. A nossa cultura vai ficar mais pobre. Encerra o Eldorado.


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1 comentário:

Anónimo disse...

Quando estiver praticamente tudo encerrado, talvez alguém em cima do "pedestal" caia na realidade .