sábado, 4 de dezembro de 2010

ENTREVISTA AO PAI NATAL PELA ROSETE "SEMPRE EM CIMA"





 Estava eu ontem à noite no meu café predilecto da Baixa, o café Santa Cruz, a ouvir uns fadinhos de Coimbra, quando, perante aquele magistral trinar de guitarras, toca o meu telemóvel. Atrapalhadíssima, como já estão a calcular, comecei a apalpar todos os compartimentos da minha carteira-escritório e, para piorar, o invasor de quietudes “sântricas” não aparecia. Perante aquele toque de “méee…méee”, fiquei envergonhadíssima. Pararam as guitarras, calaram-se as violas, ficou mudo o fadista, e o “puta-que-pariu do faz barulho” não aparecia. Se não fosse o meu à-vontade e já estar preparada para situações de emergência como esta, acho que me teria enterrado pelas pedras seculares do velho café. Para grandes males grandes remédios, apliquei logo a táctica 69, que consiste em despir o meu casaco comprido e ficar de ombros nus e com o meu decote até ao umbigo à mostra. Ficou tudo sem pio. Só queria que vissem. Aquilo foi uma bomba que caiu no café preferido do Conquistador. Os homens, esses então, ficaram de olhos em bico. Ora olhavam para as minhas pernas, ora para o meu colo sonhador. Eu só via as mulheres a quererem tapar os olhos daquelas pobres almas. Até o senhor Costa, o empregado de mesa do café e que também é pintor de artes plásticas, habituado às imagens de mulheres despidas na tela, parecia hipnotizado pela minha imagem. Aquilo, só visto. Parou tudo. Até os motores dos frigoríficos, com aquele ronronar surdo, perderam o pio perante o espectáculo. Ali só se ouvia o “méeee…méeee” do maldito telemóvel…que não aparecia. Não fui de modas, calmamente, com gestos estudados em longas noites de insónia, agarrei na carteira e pumba! Despejei-a em cima do mármore da mesa, e lá estava o desperdício e quebra de encanto do silêncio.
-Alô, Rosete? Daqui fala, o seu ex-amor, o seu director, o Luís Fernandes. Fogo, estava a ver que não atendia…
-Eu já vi quem era. O que é que quer? Quer pagar-me o que me deve? Quer oferecer-me aquela viagem às Honduras que me prometeu antes de ir comigo para a cama?
-Ó Rosete, tenha paciência! Isso não são conversas para se ter ao telefone…
-Ai, não?! Ai, não?!...
-Vamos falar de coisas sérias. Agradecia que você amanhã fosse entrevistar o Pai Natal, que chega à Baixa à volta das 11 horas…
-Está bem, eu vou, mas não pense que este assunto não volta à ordem de serviço.
Então, hoje lá estava eu de plantão, junto ao café Santa Cruz, à espera do homem do Pólo Norte e que tinha sido convidado pela Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra. Lá estava eu preparada, como é costume, por debaixo do meu longo casaco comprido de pura lã, com a minha minissaia e um topzito que mal me cobriam as minhas montanhas sagradas, e que tinha comprado nas modas Veiga.
Por volta das 11 horas, sem falhar muito, quando eu estava à espera de ver surgir um trenó puxado por uns pares de renas, vejo então um Packard vermelho, dos anos de 1920, a ser conduzido por um bombeiro –ai, o quanto gosto de fardas!- e ao lado o Pai Natal. Parou na Rua Visconde da Luz, ao lado da perfumaria Pétala.
Começou logo a formar-se uma grande fila de jornalistas para fotografar e entrevistar o homem de quem se fala sempre nesta quadra. Aquilo já me estava a chatear. As horas passavam e nada. Mau mau! Não fui de modas, toca de aplicar a táctica 69 –se não se lembrar vá lá acima ao princípio do texto, não tenho culpa de você estar distraído.
Passados cerca de dez minutos já estava sentada no bólide vermelho, ao lado do homem das neves. Fogo, o “prendeiro” não tirava os olhos de mim. Nem a aliança no dedo o acalmava nem a esposa, Mamãe Natal, quase ao lado, lhe refreavam os ímpetos.
-Então, boa tarde, senhor Pai Natal. Como está?
-Bem, obrigada, Rosete. Vejo bem que a menina também está boa…c’mó milho –só queria que vissem os olhos do pobre desgraçado. Estava a ver que, como pipocas, ainda lhe saltavam das órbitras.
-Ora, ora, senhor Pai Natal…Mas vamos ao que interessa. Gostava de o entrevistar para o blogue Questões Nacionais…
-Claro, claro! Eu faço tudo o que a menina quiser…
-Então diga-me, é impressão minha ou, este ano, está muito mais magricela?
-É verdade, sim, Rosete. Estou muito mais esticadinho. Esta crise, que vocês também sentem aqui, está dar cabo de mim. Lá na Islândia é a mesma coisa…
-Mas, olhando para a sua mulher que está mais gordinha, conte-me, ela não sofre a mesma crise?
-Ó Rosete, você sabe muito bem como são as mulheres. Descarregam tudo para cima dos homens. Tudo o que de mal acontece…são os homens…
-Nem todas as mulheres são assim…
-Só se for a Rosete que é diferente. Ai! (um longo suspiro meio ininteligível), quem me dera viver consigo…
-Mas porque é que diz que a culpa é sempre dos homens?
-Então a menina não vê? Ainda ontem o Presidente da República dizia que tinha escrito com sete anos de antecedência o que iria acontecer agora a Portugal. Para quem é você acha que ele estava a falar? Para os participantes da Cimeira Ibero-Americana? Para os argentinos? Para os portugueses? Não senhor! Aquele recado era direitinho para a esposa Maria Cavaco Silva…
-O senhor acha?
-Claro que acho e tenho a certeza. Aquilo era uma desculpa, ó larilas! Eu até aposto que lá em casa, em privado, ele é acusado por ela de ter contribuído para este descalabro…
-Mas ele só mandou construir o Centro Cultural de Belém…
-Ai foi, ai foi? E as auto-estradas? E o abate das traineiras? E a reforma antecipada dos agricultores? Fui eu, enquanto Pai Natal, que mandei fazer isso?
-Mas, espere aí, ó Pai Natal, você está a querer dizer-me que a crise que o comércio tradicional está a viver já começou na década de 1980 com Cavaco Silva?
-Claro, menina. Ele, com a adesão à então CEE, começou a destruir todo o tecido produtivo nacional –a trocar subsídios europeus pelo abate continuado de tudo o que se fazia cá- e a seguir, quem lhe sucedeu, destruiu o resto. Olhe ali, veja as imensas lojas comerciais encerradas. Quem é que licenciou as primeiras grandes superfícies no país?...
-Pois, realmente, vendo bem a coisa. Nem tinha pensado nisso.
E o que é que o Pai Natal, se fosse ministro das Finanças neste momento, fazia para reabilitar o comércio de rua?
-Menina, não há uma simples resposta linear, mas várias. No entanto, uma coisa lhe digo, para salvar o que resta é preciso que os bancos, em vez de continuarem a irem buscar dinheiro, com uma taxa de juro de 1 por cento, ao BCE, Banco Central Europeu, para comprarem a dívida pública, deveriam emprestar dinheiro aos comerciantes. Para estes se aguentarem, mantendo os empregos, e, quem puder, investindo mais, para gerar postos de trabalho. Mas isto não é lógico? Assim não. Vai acabar por fechar tudo. E ninguém se importa.
-Você é político, Pai Natal?
-Não, Rosete, já tenho é barbas brancas…


(TEXTO FICCIONADO DA INTEIRA RESPONSABILIDADE DO EDITOR)

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