terça-feira, 14 de dezembro de 2010

COIMBRA: SAIR ANTES DO TEMPO




 Segundo o Diário de Coimbra (DC) de hoje, em título, “Carlos Encarnação deve sair da Câmara ainda este ano”.
Continuando a citar o DC, “João Paulo Barbosa de Melo deverá assumir a presidência da Câmara de Coimbra ainda este ano ou o mais tardar logo no início de Janeiro tendo em conta que Carlos Encarnação pretende sair da autarquia a muito curto prazo”.
Comecemos pela notícia de hoje, foi surpresa? Não, não foi. Já em 27 de Novembro o jornal Campeão das Províncias trouxe o assunto à colação.
E como é que se pode encarar esta saída? Quanto a mim, muito mal. Estamos em presença de mais um logro –para não lhe chamar fraude- eleitoral. Muito parecido, no acto, o que mais recordo, com consequências desastrosas para o futuro do país, foi a fuga de Durão Barroso para presidente da Comunidade Europeia.
No caso em presença, da renúncia de Carlos Encarnação, se, comparativamente, não é gravoso para a nação, para Coimbra é sem dúvida, sobretudo porque as eleições autárquicas foram há pouco mais de um ano, mais exactamente em 11 de Outubro de 2009. O que transparece é que, tal como Durão, esta saída é uma fuga. Ora o fugir aos problemas, sobretudo a quem foi eleito e recebeu a confiança dos votantes, com um mandato de quatro anos, não fica bem. Mais: empobrece e não dignifica a classe política, já de si tão descredibilizada.
Embora eu suspeite que, tal como Barroso, estamos perante mais uma troca de lugares, Encarnação, por uma questão contratual com todos os munícipes, e sobretudo quem votou e apostou na sua presidência, tinha obrigação de levar o seu mandato até ao fim.

UM POUCO DE HISTÓRIA E O FENÓMENO PINA PRATA

 Depois de um longo mandato do socialista Manuel Machado à frente do município de Coimbra, onde o desgaste era evidente, surge em cena um homem que viria a ser fundamental no seu apear: Horácio Pina Prata.
Estamos em 1998, o comércio tradicional sofre os primeiros embates na colisão com as duas grandes superfícies da cidade, abertas ao público em 1993, a Makro e o Continente. Existe, por parte dos comerciantes um grande descontentamento e desconforto quanto ao futuro. Acham que nestas decisões nem foram perdidos nem achados.
Embora no Centro Histórico houvesse um bom relacionamento com a autarquia, através de César Branquinho, comerciante, ex-presidente da ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, e antecedente de Prata, a verdade é que os mercadores de rua estavam apreensivos quanto ao futuro.
Surge então Pina Prata a liderar a ACIC. Talvez porque a cidade estivesse carente, a verdade é que o novo presidente desta agremiação comercial, fazendo uma oposição cerrada ao executivo camarário, abraçada e bem transmitida pela imprensa da urbe, logo desde o início, foi recebido de braços abertos. Progressivamente, numa política continuada de corrosão, foi-se impondo como o novo messias redentor.
Por parte dos comerciantes, uma classe muito individualista, Pina passou a ser olhado com alguma esperança. Pelo que apregoava contra as políticas expansionistas de Manuel Machado a favor das grandes superfícies, Prata foi entendido como o futuro salvador das lojas de rua. Havia problemas graves para resolver na Baixa, como a venda-ambulante desregulada, o aumento desmesurado de taxas nos reclamos e nos toldos, a revitalização do edificado no Centro Histórico, etc. Falava-se também que a cidade não andava nem desandava e não acarinhava os futuros investidores.
Para além disso, em 1999 o terreno do Bota-Abaixo foi alienado pela câmara e, que viria a dar lugar a um grande estacionamento, gerando alguma oposição na forma como foi negociado e licenciado o seu uso –vindo agora a confluir no julgamento e condenação em primeira instância de Luís Vilar, vereador de Machado-, e, na altura, muito bem aproveitada, por Pina Prata (PP).

O QUE FEZ ENCARNAÇÃO EM NOVE ANOS?

 Vieram as eleições autárquicas de 2001, com Carlos Encarnação a liderar e tendo PP como vice-presidente, em representação do PSD, e, em coligação com outras forças políticas, ganharam a edilidade com maioria absoluta.
Surge o primeiro problema, PP, agora vice-presidente da autarquia, continuava como presidente da ACIC. É que, notoriamente, estes dois desempenhos seriam incompatíveis como se viria a provar mais tarde, quando o vice de Encarnação, em representação da câmara, vai inaugurar o Retail Parque de Eiras e, no acto, declara ser um grande momento de vitalidade para o comércio de Coimbra. Para além disto, em Outubro de 2002, em reunião de câmara, PP votaria também a favor, em solicitação de informação prévia, na futura instalação do Fórum Coimbra no Planalto de Santa Clara.
É evidente que os comerciantes, até aqui seus incondicionais apoiantes, mandaram-se ao ar. Ou seja, quem os deveria defender do grande comércio, tal como tinha prometido, estava agora esfuziante e concordava com a abertura de mais duas novas áreas comerciais que, tal como as anteriores e outras que, provavelmente, viriam a nascer, arrasaria o já vulnerável comércio tradicional.
Entretanto a venda-ambulante, apesar de ter sido criado um novo regulamento para actividade, lá continuava com os vendedores ciganos –depois de terem sido mudados à pressão- no mesmo sítio, aliás, onde ainda permanecem hoje e tal-qualmente da mesma forma.
O Centro Histórico foi ficando cada vez mais despovoado, com cada vez mais lojas a encerrar e os comerciantes, outrora uma classe rica, a cada vez mais ficarem mais empobrecidos. Tudo o que fora prometido, e anteriormente apontado como mal maior a Manuel Machado, continuava na mesma.
É dada continuidade à reconstrução do Estado Cidade de Coimbra de modo a ficar pronto para o Euro 2004 e que já vinha desde o antigo ocupante do paço.
São licenciados os apartamentos Eurostadium na antiga Praça Heróis do Ultramar e que viria a fazer correr muita tinta no Tribunal Administrativo.
Em 2003 é inaugurado o Retail Parque de Taveiro, seguindo-se o de Eiras.
No mesmo ano de 2003 nasce o corpo de Polícia Municipal. Em Maio do mesmo ano é criada a Empresa Municipal Águas de Coimbra (AC), em substituição dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento (SMASC) que já vinham de 1985. Quem irá presidir ao concelho de administração das AC é Pina Prata.
Nestes entrementes PP renuncia à presidência da ACIC.
Em Abril de 2005 é inaugurado o Dolce Vita Coimbra.
Nas eleições de Outubro de 2005, prometendo um metro ligeiro de superfície, Encarnação ganha o segundo “round” para a câmara.
Ainda em 2005 rebenta a bronca da acumulação de funções de director municipal do urbanismo, José Eduardo Simões, e de presidente da Académica, por várias ilicitudes detectadas, actualmente em julgamento no Tribunal de Coimbra.
São iniciadas as obras do Parque Verde através do programa Polis.
Entretanto a amizade entre o presidente Encarnação e o seu vice Prata foi-se esboroando como pedra fustigada pelo vento. Pelo meio mete-se a construção do Iparque e outras confusões, vindo PP a perder a confiança política, a ser destituído e a assumir-se como vereador independente.
Em 2006 é inaugurado no Planalto de Santa Clara o Fórum Coimbra.
Com Encarnação a fazer-se à fotografia são iniciadas as demolições do casco velho da cidade para a passagem do futuro metro – sabe-se hoje, não virá mais. As construções esventradas lá continuam à espera de melhores dias.
Em saneamento básico o concelho de Coimbra é coberto praticamente a quase 100 por cento.
Em Abril de 2009 é inaugurada a primeira fase do Iparque, Parque Tecnológico de Coimbra.
Em 11 de Outubro do mesmo ano de 2009, Carlos Encarnação é reeleito para o terceiro e último mandato à frente dos destinos da cidade.
Em 15 de Dezembro do mesmo ano de 2009, respondendo a uma vaga de assaltos nocturnos no Centro Histórico, são inauguradas 17 câmaras de videovigilância, num investimento a rondar os 200 mil euros. 12 serão destinadas a vigilância monitorizada por parte da PSP e gravação, 5 serão para controlo de tráfego. Ao que se sabe, nem as primeiras nem as segundas cumprem a sua missão por falta de efectivos naquela polícia.
Em Dezembro de 2009, com grande pompa e circunstância, começam a ser levantados os carris da Linha da Lousã. Encarnação, talvez premonitório e adivinhando exéquias, não comparece. Em finais deste 2010 o Governo enterra de vez o metro ligeiro de superfície. Diz-se que na sua pedra tumular estará inscrito um epitáfio assim no género:

AQUI MORREU UM PROJECTO DE AMBIÇÃO,
RESULTADO DOS HOMENS SONHADORES,
CEM MILHÕES ENTERRADOS NUM CAIXÃO,
NÃO CHOREM POR QUEM PERDE, SENHORES,
LAMENTEM ANTES PARA ONDE VAI A NAÇÃO.


PARA ONDE CORRES RIO QUE EU CANTO?

 Não se sabe muito bem a razão porque se afasta Carlos Encarnação da Câmara Municipal de Coimbra e muito antes de terminar o seu mandato.
Uns dizem que está farto de aturar mal-agradecidos, referindo-se aos munícipes sempre insatisfeitos. Outros dizem que quer dar uma oportunidade aos mais novos, no caso, ao seu vice-presidente Barbosa de Melo. Outros ainda, que quer calçar os chinelos e cuidar das suas duas netas e ser avô a tempo inteiro. Outros demais, más-línguas, dizem que, depois de há dias inaugurar a loja SuperCor, do "El Corte Inglés", se afasta para não ser obrigado a cortar a fita a mais nenhuma grande ou média superfície comercial. Contam estas almas larvares que, por fazer muito pior que o seu antecessor Manuel Machado, a sua consciência lhe pesa mais que a pedra sepulcral que cobre o Rei Dom Afonso Henriques na igreja de Santa Cruz.
Cá para mim, haverá outra razão de peso. Preparando as coisas com tempo, sabendo que lá para Junho, do próximo ano, iremos ter novo governo do PSD, o melhor é começar a estudar os calhamaços da governação, que a memória já não é o que era, e os livros, por falta de uso, já estão cheios de pó.
Oxalá o destino não pregue uma partida ao candidato a candidato a futuro ministro da Administração Interna.

1 comentário:

Jorge Neves disse...

A 16 de Novembro já tinha comentado aqui:
"É um retiro estratégico para passar a pasta a Barbosa de Melo, aposto que em menos de um ano vai ser ele a assumir a autarquia, o que não deixa de ser mais do mesmo."