quarta-feira, 26 de maio de 2010

UMA MACUMBA NA BAIXA

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 Seriam para aí umas nove e pouco, estava eu no meu gabinete de director a falar com a Rosete “Sempre-em-cima” –vocês não conhecem, mas é a jornalista cá da casa a tempo parcial. É espectacular, esta miúda. Gosto dela, pronto! Bem sei que poderia ser minha filha, mas que culpa tenho eu que ela nascesse 25 anos depois de mim? Não me acusem de ter atrasado o processo. Ai isso não! Até porque se eu pudesse ter feito alguma coisa, pelo contrário, protelava era o meu nascimento e agora tinha a mesma idade desta rapariga. Depois, não é por nada, mas o raio da cachopa parece que nasceu para me atazanar o juízo. Sério?! É boa como ó milho! Só para se colocarem no meu lugar –que eu não quero, nem pensar!- vou descrever-vos esta Eva que me há-de levar ao pecado. É pequenina, assim tipo “mignon”, toda muito bem torneadinha, assim modelo boneca “Barbie”, estão a ver? Uma cabecinha, com cabelos compridos negros, que pede para ser afagada como quem acaricia o gato lá de casa. Tem uma carinha que parece de porcelana. Depois aqueles olhos verdes…ai “Jasus”! Meu senhor Criador! Até fico sem fôlego, eu seja ceguinho! Naquele rosto, que mais parece uma maçã tipo Golden, como sentinela a vigiar uns lábios carnudos vermelhos sangue de inferno, está um nariz aquilino que apetece apertar, só para ver se deita música celestial. E depois o busto? Ai minha Nossa Senhora! Deixem-me tirar aqui um lenço que estou todo a transpirar. Estão a ver as mamas da Bruna Real? Aquela pobre rapariga de Mirandela que posou para a Playboy? Pois os seios da Rosete põem a outra a um canto. E as pernas? Ai meu Santantoninho me guarde! Que até se me pode dar uma coisa! Parecem modeladas pelas mãos do Miguel Ângelo. Além disso parecem de seda, apetece passar-lhe a mão. O problema maior é que o raio da minha tentação da carne parece que faz de propósito, quando vem falar comigo, trás sempre uma saíta que, medindo em altura, não terá mais de um palmo.
 Mas ainda só vos contei metade das minhas preocupações. Bolas, eu sou um director sério e faço tudo para ser um exemplo moral cá no jornal do Questões, mas isto está mesmo a mandar abaixo completamente a minha resistência. Estou mesmo nas últimas. Então não é que, apesar da grande diferença de idades, a rapariga vai à bola comigo? Pois vai! Ainda estou a tentar analisar psicologicamente esta atracção, mas desconfio que tem a ver com o complexo de Electra –estão a ver o que é, não estão? Pois é isso mesmo: é quando, em criança, a menina se identifica tanto com a mãe, que, inconscientemente deseja fazê-la desaparecer para ficar com o pai. Depois, na maioridade, normalmente, já mulher, vem a gostar de homens mais velhos.
 Ora, continuando, desconfio mesmo que a Rosete gosta mesmo de mim. Pelo menos quando vem falar comigo ao gabinete parece uma cadela com cio a insinuar-se.
 Então hoje, estávamos nós, com os olhos meus dentro dos dela, assim como um casal de gatos a mirar-se profundamente antes da cópula -estão a ver?- quando o telefone preto de baquelite, naquele grito estridente e histérico, toca e nos acorda de um momento tão sensual como aquele. Juro, mentalmente até pensei: quem será o filho da puta?
 Por acaso, do outro lado da linha, até era uma voz feminina:
-Está lá? É do blogue Questões Nacionais? Era para dizer que está uma macumba ao fundo da Rua das Padeiras, ao lado da Retrosaria e em frente à farmácia. Acho que quem a pôs lá foi a mulher do “Olho de Boi”, que é comerciante lá na rua. Segundo parece, o homem não queria saber do negócio e sentava-se, horas a fio, no banco em frente, para olhar aquela “putéfia” que está na fotografia…(pumba!) e desligou a chamada.
 Naturalmente, com grande desgosto meu, lá mandei a “minha” Rosete “Sempre-em-cima” para cobrir o acontecimento.

UMA GALINHA BRANCA QUE NÃO ERA NEGRA
(Por Rosete “Sempre-em-cima)

 Ao fundo da Rua das Padeiras, em frente à farmácia, num canto, junto à retrosaria, está então um prato com uma galinha branca, com um molho amarelo, que pode ser caril, e recoberta com uns feijões. No chão está um pano vermelho. Houve quem dissesse que apareceram lá também umas cuecas de mulher. Junto a este “trabalho”, colada no vidro da montra da retrosaria, está uma fotografia de uma bonita mulher em roupa interior. Também ao lado está uma caixa do Diário as Beiras, que serve para guardar os jornais dos distribuidores.
A coisa começa a ser estranha quando nestas coisas das lendas, mitos e credos, o normal é utilizar uma galinha preta, e, aqui no caso, constato que o animal sacrificado é um galináceo branco.
Dá para ver que a eficácia do trabalho foi mais que em vão. No entanto, como não sou especialista nestas coisas de bruxaria, para não estar a escrever sem saber, fui auscultar a dona Etelvina, mais conhecida por “feiticeira dá cá o meu!”.
-Bom dia, dona Etelvina, sabendo nós que a magia negra é sempre feita com uma galinha preta, e, no caso, tendo sido utilizada uma ave branca, diga-me, do alto do seu imenso saber, a que se deve esta troca? Será pela crise dos aviários caseiros, em produzir o seu sustento? Será por a académica andar pelas ruas e vielas do tribunal, nesse julgamento do presidente, que já ninguém liga ao preto tradicional?
O que lhe parece dona Etelvina?
-Umh…umh…isso é coisa de amador ou amadora, menina. Isso é só mesmo para chamar à atenção. Não, não me parece que tenha nada a ver com a Académica. Isso não! Mas, para melhor lhe responder –sente-se!- vou entrar em transe.

(estou a ver a senhora Etelvina a ter grandes espasmos, intervalados por grandes soluços…está a começar a soletrar uns monossílabos em voz gutural…vamos ouvir)

-Queres tirar-me o meu marido, minha vaca! Lá porque tens umas mamas sustentadas por silicone e as minhas só olham para o chão, achas que tens o direito de levar o meu homem a abandonar o negócio e sentar-se, todos os dias, sempre a olhar para ti, minha cabra?

(pelos vistos, aqui, deve ser a mulher do “Olho de Boi” a falar. Deve ser isso, de certeza!...Esperem que a dona Etelvina continua a arrotar…vai falar outra vez)

-Esta Baixa está uma merda, estou a caminho da falência! Estes cabrões querem mandar-me para o charco! Já não tenho cheques, estou inibido pelo Banco de Portugal; já me divorciei da minha Francelina no papel, na cama já não faço nada com ela, já nem com Viagra lá vou; já não durmo mais de duas horas por noite. Com esta macumba, Sócrates, vais para a Venezuela e, para castigo, vais tirar um curso intensivo de espanhol. Vai lá para o Raio que te parta, que me saíste melhor que encomenda de Magalhães que exportaste para o teu amigo Cháves!

(Aqui, tudo indica que era a dona Etelvina a falar pela voz de um comerciante. Isto é interessante. Pelos vistos houve várias pessoas a fazerem macumba na mesma galinha branca…esperem. A bruxa está outra vez com profundos espasmos. Vai falar outra vez…)

-Eu seja ceguinho se não hei-de voltar à ribalta. Esse gajo andou, andou, até que me tirou o tapete lá no Iparque. Ainda vou ser presidente da câmara. Este povo da Taprobana, que não tem olhos para nada, só para a remela, então não me poderiam ter dado uns votos para eu ser eleito vereador? Ingratos, é o que são! Até mesmo esta cambada de comerciantes, que só olham para o seu umbigo e mais nada. Ainda vou voltar a ser presidente lá da associação, ou eu não me chame Horácio!

(Aqui, parecia-me a voz de um reconhecido político da cidade. Ai era, de certeza absoluta. Até pelo ódio que parecia emanar quando se referia a “esse gajo que me tirou o tapete do Iparque". Era de certeza…alto!, parece que a dona Etelvina vai falar outra vez. Ai coitadinha, com tamanho esforço vai ficar esticadinha de todo. Vamos ouvir.)

-Só se for com esta macumba fortíssima é que a ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, irá responder às acusações do ex-presidente Pina Prata que este fez no Diário de Coimbra. Ai vai, vai! Com este “trabalho” fortíssimo não se escapa…

(Aqui, parece-me, pelas vozes cruzadas, seriam vários comerciantes a colocarem as esperanças no prato da galinha branca…esperem, parece que a senhora Etelvina está outra vez a fazer arrotos. Vamos ouvir)

-Com esta macumba vais ter mesmo de comprar os nossos diários. Bem pode vir a Autoridade da Concorrência não autorizar que vais ter mesmo que ficar com o “I”, com o "Jornal da Bairrada" e com “as Beiras”. Estás tramado, Adriano, podes dar as voltas que quiseres, mas tens mesmo de concentrar a informação na cidade!

(Segundo me pareceu, pelas vozes entrecortadas, eram os accionistas do grupo Lena a fazerem macumba ao director do Diário de Coimbra, para este ser “obrigado” pela força metafísica a ficar com os três jornais do grupo de Leiria. Parece que a dona Etelvina está acordar…vou pedir-lhe uma opinião final.)

-Em resumo, para os nossos leitores, diga-me senhora Etelvina, não acha que, por aqui, anda tudo de olhos postos no céu?
-Acho sim, menina. Esta gente anda toda doida. Ainda vão nestas artimanhas, que não servem de nada. Se ao menos tivessem o bom senso de falarem comigo até poderia ser que as suas esperanças se realizassem. Agora assim, não!
Estou cansada, menina, isto foi uma grande consulta. Dê lá o que puder, mas veja se pode ser generosa. Ando a ver se junto um dinheirito para abrir um consultório na Baixa…

2 comentários:

Sónia da Veiga disse...

:D

Fabulosa síntese de todos os males!!!

A Dª Etelvina que abra o seu estaminé, porque, pela amostra, fica famosa num instante!!! ;P

LUIS FERNANDES disse...

Ando a ver se arranjo por aqui um espaço. Ao mesmo tempo queria ver se ficava como seu agente.
Abraço e obrigada (em nome da Dona Etelvina, obviamente!)