quinta-feira, 31 de julho de 2008

CAVACO, HOJE, EXCEPCIONALMENTE, FALA



Como foi exaustivamente anunciado o Presidente da República, Cavaco Silva, em férias, vai falar ao país. Ao que dizem os comentadores, Presidente em férias, estando em retiro, não fala, pelo menos, aos portugueses. Pode falar com os netos, com os filhos, com a sua Maria, mas jamais aos nacionais. A menos, dizem, que seja uma comunicação importante. Se vem falar do Tribunal Constitucional e dos Açores, hum!, para esse peditório já dei! Se vem dizer que lamenta que a maioria dos portugueses não possam ter direito a férias, hum!, isso também já toda a gente sabe; Se vem dizer que vai chamar o primeiro-ministro a Belém para o convidar a atribuir o Rendimento Social de Inserção a todos os portugueses, uma vez que, discriminatoriamente, dois terços recebe e um terço trabalha arduamente para sustentar os eleitos; Se vem dizer que vai devolver a Lei do Divórcio à Assembleia da República para ser reapreciada, oh!, isso não é novidade; Se vai dizer que no próximo 10 de Junho vai condecorar o Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João, por “ter tomates” e fazer o que o Governo de Portugal deveria fazer, nomeadamente em relação à lei do tabaco e a abolição da liberalização dos combustíveis, nhem!, para isso não precisava de interromper as férias.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (29): A ÚLTIMA VIAGEM DE SALAZAR

(SERÁ ESTA PONTE, QUE SE VÊ EM FUNDO, DA RESPONSABILIDADE DAS OFICINAS DE EIFFEL?)


 Em anterior apontamento sobre Várzeas, a encantadora aldeia em que nasci, e lá permaneci até aos três anos, encostada como irmã siamesa ao Luso, falei do seu "ex libris": a sua ponte em ferro, que se ergue das alturas, construída, segundo se diz, pelo genial Gustave Eiffel –engenheiro francês (1832-1923), responsável pela construção da Torre Eiffel, em Paris e várias pontes no nosso país.
Porém, ao falar com a minha tia Anunciação, que vive há cerca de seis décadas em Várzeas, uma dúvida se me levanta. Segundo a minha familiar, esta ponte em ferro começou a ser construída, para substituição de uma anterior também em ferro, por volta de 1955. Veio a ser colocada no lugar da anterior, já montada, em 1958. Ora, atentemos nas datas, Eiffel morreu em 1923. Sendo assim como será possível esta ponte ser da sua responsabilidade? Provavelmente esta ponte seria da responsabilidade da empresa Eiffel, que o extraordinário homem do ferro criou em França. Ou não seria?
Posteriormente, através do meu amigo Alcides Rego, do Buçaco, vim a saber que a renovação desta (nova) ponte e outras da linha da Beira-Alta foram adjudicadas à firma alemã Fried Krupp Sthalban Rheinhausen por 45 mil contos. Estes trabalhos foram concluídos em 27 de Maio de 1958.
Depois há outros “senões”. Segundo a minha tia, “durante mais de três anos, largas dezenas, ou centenas, de operários alemães assentaram arraiais em Várzeas, com as suas potentes máquinas de “bate estacas”. Viviam em barracas de madeira junto à ponte em construção. Como não havia água canalizada, foi construído um grande poço, junto ao moinho de água, para abastecer os operários do ferro.
No anterior texto que escrevi sobre esta aldeia, salientava o facto assaz curioso de o lugarejo com pouco mais de seis dezenas de pessoas possuir, em fins de 1950, duas mercearias com taberna. Uma a do senhor Vieira e outra a do “ti” “Manel” sapateiro. Sei agora, depois de falar com a minha tia, que esta expansão comercial, tudo indica, se deveu à construção da ponte sobre a aldeia e aos inúmeros trabalhadores que, durante anos, ali se mantiveram, constituindo, por isso, uma mais-valia importantíssima na economia do lugar.
Continuando a citar a minha familiar, conta-me ela que, em finais de Julho de 1970, aquando da transladação do corpo de Lisboa para Santa Comba Dão, feita por caminho-de-ferro, Salazar, já defunto, passou por cima de Várzeas, pela ponte de ferro. Se este facto pode não constituir surpresa, já o que vou contar a seguir pode ser entendido como um facto curioso. Aquando da passagem do féretro, em direcção à sua terá natal do Vimieiro, nesse dia, esta minha aldeia encheu-se de milhares de forasteiros para ver passar a comitiva. Por outro lado, e também curioso, foram as dezenas de agentes da Guarda Nacional Republicana (GNR), destacados para a aldeia para fazer guarda aos “mirones”. Provavelmente, também, misturados na imensa prol de civis, dezenas de agentes da PIDE, à civil, a controlar e a prever alguma manifestação mais ousada e de índole comunista. “Se calhar estavam com medo que o atacassem e matassem outra vez”, remata a minha familiar num largo sorriso.
A verdade é que o comboio da morte anunciada de um sistema político já apopléctico, com uma carruagem inteira cheia de flores, sem paragem, passou “que nem um foguete” por cima da ponte e, para além de imensos lenços no ar a acenar ao ditador, com prantos e desmaios à mistura, não houve problema nenhum, e Várzeas, na sua pacatez, esteve à altura de tamanha solenidade.

AS "BRANCAS" DO JOÃO PAULO


(IMAGEM DA WEB)


  No dia 28 de Julho, do corrente, João Paulo Craveiro (JPC), Presidente da SRU, Sociedade de Reabilitação Urbana, e emérito filiado de relevo no PSD/Coimbra, assinou, como habitualmente, uma coluna de opinião no Diário de Coimbra, com o título “Noites brancas em Coimbra”. O conceito “Noite Branca” foi importado do estrangeiro. Consiste em manter o comércio aberto toda a noite ou parcialmente, com animação à mistura. No fundo, este “mix” tem por objecto o tentar fazer regressar os consumidores desaparecidos para os grandes centros comerciais.
Neste seu apontamento, JPC, aborda a problemática do comércio tradicional no centro da cidade, a Baixinha, em Coimbra. Aí, nesse texto, discorre sobre as vantagens de comprar no comércio de rua, até aí tudo bem, é a sua opinião subjectiva. O problema é quando faz a apologia das “noites brancas” como um sucesso. Quando escreve: “Com o objectivo de demonstrar que é possível diminuir ou mesmo eliminar estas desvantagens, a APBC (Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra) organizou mais uma vez aquilo a que chamou “Noite Branca” na última sexta-feira do passado mês de Junho, naquela que foi já a terceira edição da iniciativa. A “Noite Branca” consistiu numa alteração dos horários dos estabelecimentos comerciais aderentes que tiveram as suas portas abertas entre as 21 e as 24 horas. Em simultâneo, houve animação de rua que não esteve circunscrita a locais fixos, antes percorreu as artérias principais da Baixa. (…) Largas dezenas de lojas aderiram à iniciativa, um pouco por toda a Baixa. Os visitantes contaram-se por milhares. As lojas aderentes, na sua maioria, reconheceram que as vendas foram excelentes nessa noite, traduzindo-se a iniciativa num sucesso do ponto de vista comercial. Uma das áreas comerciais que mais beneficiou foi a restauração da Baixa que serviu muito mais jantares do que é habitual. (…) esta “Noite Branca” foi realmente um sucesso, estando de parabéns os organizadores, designadamente a Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (…)”.
Se o leitor chegou até aqui, certamente estará a interrogar-se da razão de eu transcrever esta opinião. “Afinal é uma opinião e vale o que vale”, pensará você. É verdade, digo eu. Mas se acrescentar que a única verdade neste texto é que de facto houve realização e o resto é um ror de mentiras? Acha que muda alguma coisa? Para mim muda e muito.
Nos últimos anos, aqui em Coimbra –não sei se é ou não transversal ao país-, todos os intervenientes com poder de decisão em relação ao comércio tradicional, desde a ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, a APBC, a Câmara Municipal (de maioria PSD, em coligação) e elementos ligados a este partido político, parecem todos ler pela mesma cartilha. Ou seja: as vendas no comércio tradicional estão más? “Xiu!”, ninguém deve saber. O que deve transparecer para o público é que está tudo muito bem. Do ano passado até este ano, na Baixa, houve uma vaga de assaltos sem precedentes às lojas –uma delas foi assaltada 18 vezes-, “Xiu!”, estas notícias não devem ir para os jornais, e muito menos à Assembleia Municipal, que os consumidores ao saberem disto, gera neles insegurança e, se souberem, não vêm cá; a “Noite Branca” foi, como as antecedentes, um fiasco, mas, calma!, o que se deve apregoar é que foi um sucesso.
Então, chegados a este ponto, num exercício mental, ponhamos as cartas na mesa: terão estas criaturas razão? No limite, eu até admito que a possam ter, se tivermos em conta que, no conjunto, faço um esforço para entender, a Baixa paga tudo com juros a médio prazo. Mas, nestas coisas de tomarmos decisões, na ponderação da escolha entre o mal maior, na sua harmonização, é preciso escolher o mal menor. E, neste caso qual será? Deveremos escolher a Baixa no seu todo, calando-nos, não denunciando assaltos e outras tropelias, enveredando pelo “politicamente correcto” esquecendo os prejudicados, ou deveremos tomar a escolha da verdade? Defendendo acerrimamente os comerciantes lesados pelos furtos e todos aqueles que, numa aflição diária, se arrastam para tentar aguentar um situacionismo decadente que, sem ajudas de ninguém, os conduz à falência? É como, no entender desta gente, fosse normal que muitos mártires, ao caírem, o façam de sorriso nos lábios. O que importa é o princípio da salvação da maioria. Se alguns “morrem”, no entender destes falsos defensores, é normalíssimo. Devem morrer em silêncio. Isto é verdadeira cidadania.
Como me custa muito a perceber esta postura de quem tem por missão pugnar até à exaustão nem que seja um único associado ou não, vitima de uma qualquer arbitrariedade, e não o faz, protegendo pela continuação de um sistema injusto e arbitrário, devendo dizer a verdade, não alinhando em doutrinas partidárias questionáveis, explique-me você leitor se esta gente estará certa?!
Para mais, se todos apregoam que está tudo bem, que as cerca de meia centena de lojas que encerraram na baixa é normal, como é possível reivindicar o que quer que seja e evitar que o que resta das lojas de rua desapareçam de vez?
Admito que o tonto sou eu. É verdade que muitas vezes me questiono se estas criaturas, em cima de uma migalha de poderzinho, defendendo unicamente o seu interesse e de mais ninguém, não estarão certas. Se calhar estarão mesmo. O que acha você leitor?

terça-feira, 29 de julho de 2008

PORQUE É QUE "ESTÁS TÃO EM BAIXO" Ó LUSO?





No domingo, como habitualmente, passei, pelo menos duas horas, a ler a jornal, em frente à “recauchutada” Fonte de São João. Já o aqui escrevi: que pena! Que “plástica”, como quem diz, que “pedrada” este projecto! O que torna esta obra unanimemente má é a convergência de opiniões. Tanto faz ser no quiosque de jornais, como na “Flor de Luso”, a opinião é comum: “depois de dois anos em trabalhos de parto, infelizmente para todos, vai sair um aborto!”
Fugindo ao habitual, no domingo dei uma grande volta, a pé, pelo Luso. O estado de alma das ruas é simplesmente decadente. Para um fim de Julho, pouquíssimos banhistas. Que saudades de outros tempos! Bem sei que, com tristeza, não é um problema único do Luso, esta falta de gente é transversal a todas as urbes e vilas. Mas que dói, dói! Se não há dinheiro para comer, como é que se pode ir para as termas passear?
Aquela artéria principal, outrora cheia de vida, com um animado comércio de rua, hoje, constata-se, há imensas lojas encerradas. Até o emblemático Café Casino está fechado. Fui andando a pé e entrei dentro do Parque de Campismo, da Orbitur, uma desolação. O abandono é notório com muito poucos campistas. Jardins mal cuidados, com erva demasiado grande. É notório o ar deprimente daquele parque. Em vez do Campo de Ténis porque não constroem uma piscina? Aquele espaço precisa urgentemente de uma mexida. Dei uma palavra à minha amiga Ana, que explora o bar-restaurante do Parque. Sem entrar em grandes detalhes, lá me foi dizendo que, “este ano, o negócio está muito fraco”.
Fui andando a pé, visitei quase todos os moinhos de água. Uma lástima, uma dor de alma! Abusivamente, penetrando pelo orifício da janela (sem janela de madeira), entrei dentro do moinho do “Ti” Benjamim “Moleiro”. Tudo abandonado, a apodrecer. Lá está a carroça, o curral da mula, a bigorna, os restos de carvão, e as três mós em posição para, se alguém quiser tomar o lugar do velho moleiro, começar a moer milho e centeio. Bolas! Aquilo é um museu. Aposto que naqueles imensos litros de água, que a vala transporta, vão muitas lágrimas do espírito do “Ti” Benjamim. Podem crer! Um homem morre fisicamente, mas a sua alma, o seu espírito, paira no local, onde viveu intensamente. Onde fez amor, onde fez pela vida, onde desfez tantos sonhos impossíveis de realizar. E aquele moinho é o berço e a história daquele homem desaparecido. Bolas! Não deixem morrer um património destes. Bem sei que não é fácil. Certamente o moinho estará inserido no mesmo artigo da casa (que está à venda), mas, a Junta de Freguesia deve sensibilizar a Câmara da Mealhada para que esta, na impossibilidade de adquirir a propriedade, pelo menos, desenvolva esforços para que o novo adquirente mantenha o moinho em funcionamento. Ao lado deste, outros dois jazem como monumento à incúria e ao desleixo de quem manda.
Continuo a andar e sigo em direcção a Carpinteiros, a Espanha, como era conhecido no meu tempo de miúdo. A mesma lástima! Pelo menos seis moinhos encontram-se em decomposição. Tudo a cair, com os telhados semi-destruidos, as rodas dentadas, na base de água, que faziam andar as mós, tudo em estado decrépito. Merda para isto! Não posso evitar esta imprecação. Falei com alguns habitantes dos Carpinteiros e é notório, sente-se o seu envolvimento e, ao mesmo tempo, o desânimo. O que eles não dariam para ver aqueles monumentos da história da freguesia a trabalhar.
Além de mais, atentemos naquele constante caudal de água. É uma pena não ser aproveitada para fins turísticos e nada melhor que pôr os moinhos em funcionamento. Depois é criar uma rota pedestre de moinhos. As nossas crianças, que pouco sabem acerca de pão, agradecem.
Bem sei, devo dizer, que o problema dos moinhos não é muito fácil de resolver, e porquê? Porque qualquer um daqueles moinhos, facilmente pode ter dezenas de herdeiros. Depois uns querem vender, outros nem por isso, preferem deixar cair tudo, outros, sabendo do interesse da Câmara em revitalizá-los, quererão uma fortuna –isto é típico. De qualquer modo, a autarquia da Mealhada tem obrigação de resolver tudo isto e, no limite, pode fazer uso de um instrumento jurídico, a expropriação, por interesse cultural.
É urgente que se faça alguma coisa, enquanto há pessoas vivas que sabem reconstruir e trabalhar com estes velhos moinhos. Se nada se fizer, qualquer dia, para além de já nada restar do edificado, nem sequer haverá memórias de um tempo que esteve na base da nossa contemporaneidade.
Alguém disse um dia que um povo sem memória é um povo sem futuro. Eu acrescento que quem trata assim os seus antepassados não pode esperar ser bem tratado pelos vindouros.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

"AS TERMAS DE LUSO" *

(IMAGEM RETIRADA, COM A DEVIDA VÉNIA, DO BLOGUE "ADELO,BLOGSPOT.COM")

“Um “Aquilégio Medicinal” do Dr. Francisco da Fonseca Henriques, datado de 1726, assinala “entre o logar do Luzo da Igreja e Luzo de além, termo do Couto da Vacariça, Comarca de Coimbra, abaixo da copiosíssima fonte de água fria, um olho de água quente, que chamam de “banho” assim como de “caldas”, mas que não se usa hoje para remédio, nem serve mais, que de regar algumas terras”.
O Dr. Costa Simões procurou investigar, conhecedor do culto e ritual do banho romano –em vão, nenhum vestígio de termas romanas. Identicamente em livros dos séc. XVII e XVIII de médicos que se debruçaram sobre o tema.
Portanto, o “fio” começa em 1726, no reinado de D. João V.
O Dr. José António Morais, da Lameira de S. Pedro, cura aqui D. Maria I (1777 sobe ao trono, morrendo a 1816 no Brasil) de grave moléstia. Recebe como recompensa uma cátedra em Coimbra e dois vistosos títulos: “Médico da Casa Real” e “Comendador do Hábito de Cristo”.
Em 1838 a Câmara da Mealhada procedeu a melhoramentos na estância termal. Mais tarde, contraiu um empréstimo de um conto de reis para novas beneficiações.
Em 1852, D. Maria II ofereceu cem mil reis e uma subscrição pública rendeu oitenta e sete mil reis.
A 14 de Janeiro de 1854 a Câmara assina uma primeira concessão. A 17 de Maio de 1895 e por alvará, entregam-se os destinos das águas à Sociedade da Água de Luso (SA), ainda hoje florescente.
O “olho de água quente” arrefeceu ou sumiu-se, pois não resta qualquer pista.
A água mineral –hipotermal, hiposalina, bicarbonetada/cloretada/sódica, gaso-carbónica- essa mantém o seu prestígio, mormente nas megapólis!
Luso com as suas excelentes instalações termais e uma captação de águas modelar é uma das mais importantes Termas Portuguesas. Recheada de unidades hoteleiras acolhedoras e de um clima temperado e calmante, proporciona aos termalistas e aos turistas as condições necessárias para que possam recuperar o equilíbrio físico e psíquico comprometido pelas agressões quotidianas da vida moderna.
A partir do ano de 1854 e por iniciativa do Professor Costa Simões, sem dúvida a personalidade que mais contribuiu para o aproveitamento termal de Luso e para o seu conhecimento, iniciou-se a construção das primeiras instalações hidroterápicas. Foi o arranque para um trabalho de desenvolvimento que não parou mais.
A água termal de Luso brota na parte central do seu balneário principal, situado no meio da vila e de um furo artesiano com um caudal normal superior a 40.000 litros/hora.
A água é límpida, cristalina, agradável ao paladar, rica em gases dissolvidos e em suspensão, que se vêem elevar numa poeira gasosa de finas bolhas. A ÁGUA TERMAL DE LUSO, deve as suas propriedades terapêuticas a dois factores principais: a sua hipotonicidade e elevada radioactividade. A temperatura da água, à boca das nascentes, é de 27 graus centígrados.
A água termal de Luso tem uma notável acção terapêutica nas afecções crónicas do aparelho Reno-urinário (litíase renal e insuficiência renal), hipertensão arterial, reumatismos, perturbações do aparelho locomotor e afecções respiratórias crónicas (bronquites, asma e enfisema).
A acção fisiológica da água termal de Luso consiste, especialmente, na estimulação da função urinária pela cura de diurese que devido às suas propriedades físico-químicas e diuréticas, exerce uma acção geral eliminadora e desintoxicante, da qual pode beneficiar todo o organismo.
Ingestão de água. Banhos de imersão simples, de emanação radioactiva e com jacto sub-aquático. Duches. Aerossóis. Fisioterapia com mobilização em piscina de recuperação funcional com água a 34º C. e em ginásios, sob a orientação de fisioterapeutas. Parafangos, tracção esquelética. Electroterapia.”

(* in Luso no tempo e na história, 1937-1987, cinquentenário de elevação a vila. Editado em em 6 de Novembro de 1987 por JUNTA DE FREGUESIA DE LUSO/JUNTA DE TURISMO DE LUSO-BUSSACO)

quarta-feira, 23 de julho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (28): O MOINHO DE VENTO


(ERA UM MOINHO, SENÃO IGUAL, MUITO PARECIDO COM ESTE)

O homem, no aproveitamento de energias alternativas, sempre se soube adaptar à natureza e canalizar, em seu benefício, domesticando a força bruta, através do engenho, de modo a retirar dela o maior proveito possível.
Por volta de meados do século XX, em que a máquina propulsionada a derivados do petróleo ainda não se tinha democratizado, o recurso à água e ao vento era comum. Depois de décadas de esquecimento, como se a natureza não fosse uma constante lição, e, tudo o que tem para nos oferecer, pudesse ser despiciendo, encarado como obsoleto e cair em desuso, presentemente, assistimos novamente a uma viragem. Em face do encarecimento dos combustíveis fósseis, oligopólio de pouco mais de uma dúzia de países, inevitavelmente, cada vez mais o homem se vê na contingência e obrigado a retornar a um passado, que pensava caquéctico e arrumado nas catacumbas da lembrança. Ainda que modernizando os meios, salta à vista que é bom conservar a experiência anterior.
É assim que na freguesia de Luso, em plena serra do Buçaco, ainda hoje, podemos ver alguns moinhos de vento. No sopé, entre o Luso e a Mealhada, embora decrépitos, como almas condenadas à erosão do tempo, ainda persistem em existir alguns moinhos de água. Outrora garbosos, imprescindíveis na utilidade, na prestabilidade da alimentação, proliferaram nesta região, certamente pela grande abundância de líquido incolor e transparente que, neste lugar paradisíaco, brota do interior da terra como graça divina inesgotável.
Que eu saiba, exceptuando os moinhos de Sula, no Buçaco, por esta altura, o único moinho de vento existente nesta zona situava-se na colina sobranceira à minha aldeia de Barrô, com a sua cúpula erguida ao céu, como sentinela estática a vigiar o lugarejo, a pouco mais de cem metros da estrada principal que liga este povoado ao Luso e próximo do muro de Troncho. Lembro-me de, em criança, por volta de 1960, ter entrado uma vez no seu interior e ter ficado fascinado com as suas rodas dentadas, em madeira, entrosando umas nas outras, cujo eixo central movia uma grande mó de pedra, assente em cima de outra estática. Este movimento desmultiplicado, em cadeia, provinha da força das velas impulsionadas pelo vento, a energia eólica.
Ao que sei este moinho, hoje já demolido, era propriedade de vários lavradores da Lameira de São Pedro, onde o único nome que consegui descortinar era o senhor Joaquim Pedro, de alcunha “o Sardinheiro”.
Por volta desta data, na Lameira, haveria mais de meia dúzia de moleiros, sem serem proprietários de qualquer moinho. Era apenas a sua profissão, o seu ofício, hoje praticamente em desaparecimento. Relembro aqui, como ícone, um moleiro, nascido em 1910 e falecido em 2000, o senhor Manuel Gomes Pedro. Este homem do povo, esforçado trabalhador, com uma carroça, puxada por uma mula, corria toda a freguesia de Luso e concelho da Mealhada, desde Mala até ao Carqueijo. Ia a casa dos agricultores, recolhia os sacos de milho, trigo ou centeio, ia moê-los e, passados dias, na volta, regressava com os mesmos sacos, mas agora de farinha moída.
Há uma aldeia, nos arrabaldes de Luso, que se chama exactamente Moinhos, pela extensa abundância daquelas pequenas casas trituradoras de cereais. Assim como, muito próximo desta, há um outro lugar chamado Carpinteiros, onde haveria nessa época meia dúzia de moinhos tocados a água. Segundo informações fidedignas, nesta aldeia, onde a água é rainha, os velhos moinhos jazem abandonados, metem dó e fazem doer o coração, no abandono a que foram votados. Como cemitério de um passado que parece envergonhar a nossa memória, mostram a total desconsideração em honrar a história. Perante tamanha insensibilidade e desrespeito, se os nossos desaparecidos antepassados, hipoteticamente, pudessem ver o estado lastimoso a que chegou este património, que tanto os ligou à terra, estou certo, preferiam morrer outra vez.
Sendo o Luso uma Vila essencialmente turística, e inserida na Região de Turismo do Centro, não fará sentido recuperar estes museus vivos? Para quando uma rota turística de visita aos velhos moinhos de água e de vento?
Às vezes somos ricos sem o saber, porque não estimamos o que temos, nem potenciamos economicamente as suas virtudes, neste caso o nosso património histórico, e, em ladainha, de fado desgraçadinho, continuamos a apregoar a nossa pobreza.

terça-feira, 22 de julho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (27): O MEU AVÔ FRANCISCO

(UMA CASA ANTIGA DE BARRÔ)

O meu pai, enquanto viveu, raramente falava do seu progenitor e, no limite, quando o fazia era sempre para se lhe referir como um mau exemplo. Quando eu lhe chamava a atenção para o facto de trabalhar muito, e de que deveria descansar mais, era costume, responder por entre dentes, meio zangado, a resmungar, de que tinha de labutar, os tempos futuros que aí vinham poderiam ser muito maus. Então, em conclusão, interrogava: “Queres que eu seja como o teu avô, queres? Foi um dos homens mais rico da aldeia e desbaratou tudo. Sabes que até esta pobre casa, em que vivemos, tive de a comprar ao tribunal, em praça?”.
Como o meu avô Francisco morreu dois anos antes de eu nascer, em 1954, em boa verdade, nunca tive muita curiosidade em esmiuçar as memórias relativas à sua passagem por esta vida. Já da minha avó Angélica, apesar de ter falecido, com cerca de oitenta anos, mais ou menos, quando eu teria uns sete anos, lembro-me perfeitamente dela. No fim da sua vida, psiquicamente não estaria bem. Apesar de se locomover perfeitamente não tomava banho e falava sozinha. Gesticulava como se, através de retórica, se dirigisse a uma plateia. Para além disso, levava para casa, e guardava no seu quarto, todo o tipo de lixo que encontrasse na rua. Hoje, sei que sofria da síndrome de Diógenes, que consiste na exagerada acumulação de objectos sem valor.
Quando comecei a escrever estas pequenas “estórias” disse para mim mesmo que iria saber mais coisas acerca do meu avô Francisco. Qual era a sua posição social na aldeia? Seria verdade, como dizia o meu pai, que fora muito rico e acabara na miséria? Para saber informações nada melhor do que contactar a pessoa mais idosa do lugar e foi o que fiz. Falando com a senhora Lucília Dias, que, no próximo dia 19 de Setembro, fará um século de vida, fiquei a saber que, tal como referia o meu pai, os meus avós paternos foram realmente muito ricos. Pertenciam, por laços de família, aos agricultores mais abastados de Barrô. Mas como a riqueza é de quem a poupa e gere e não de quem a herda, infelizmente para eles e todos os seus descendentes, acabaram perdendo tudo. Até o respeito dos outros e a dignidade como é hábito. A comunidade não enaltece os perdedores. Prefere um rico através de ínvios meios duvidosos, à custa de sangue alheio, a um falhado negociante, mesmo que o fracasso se deva à sua honestidade. Evidentemente que não fora este o caso.
Dona Lucília, em conversa comigo, relembra os muitos e muitos anos que trabalhou naquela outrora grande casa agrícola. Ora trabalhava nos campos, ora cuidava dos filhos e nas limpezas da casa. Para além dela haviam vários serviçais.
Segundo as suas palavras, “os teus avós fugiam do trabalho como o diabo da cruz. Nunca se agarravam ao verbo. Só mandavam fazer e mal. E, é claro, tal como hoje, o exemplo deve vir de cima, e criado mal mandado é trabalho desperdiçado”. Depois, como havia pouco dinheiro, para além de pedirem empréstimos a particulares, começaram a não pagar as contribuições, veio o Estado e, por arresto, vendeu todas as propriedades em hasta pública. Nem São Sebastião (o Santo padroeiro da aldeia) lhes valeu!”
Continua a minha conterrânea, “como ficaram sem nada, sem terras, e não tinham crédito, passavam fome como ratos. Muitas vezes, mesmo apesar de eu ser pobre, lhes matei a fome. Tristes tempos que até me dá mágoa em recordar. Coitado do teu avô, teve um triste fim. Um dia, estando a trabalhar à jorna em Vila Nova de Monsarros, ia atravessar um pequeno riacho, que não teria mais de 10 centímetros de altura de água, escorregou, bateu com a cabeça numa pedra, perdeu os sentidos, e ficou com a boca dentro daquele pequeno fio de água. Morreu afogado e, no cemitério local, lá foi sepultado em campa rasa. Triste sina aquela do teu avô Francisco. Até parece que as pessoas nascem com o destino marcado para o sofrimento. Nem na hora da morte têm sorte!”, termina esta narração com uma imprecação que faria corar uma qualquer menina puritana.

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (26): O BROTAR DA SEXUALIDADE


(Imagem da Web)




Em 1966, com quase 11 anos, fui trabalhar para o Café Mandarim, na Praça da República, em Coimbra. 
Na puberdade, com as múltiplas modificações morfológicas e psicológicas a acontecerem, lembro-me das primeiras manifestações físicas da sexualidade. Se hoje, mesmo até para um pubescente, falar de sexo e das suas múltiplas consequências na procriação é tão normal como falar do clima, naquele tempo poucos pais falavam com os filhos sobre este tema psicossomático, importantíssimo no crescimento do homem e da mulher. Normalmente, mais no caso dos homens, a criança, sem qualquer preparação prévia, era surpreendida pelas transformações emergentes. No caso das mulheres, apesar do mesmo manto diáfano do tabu, creio que eram mais acompanhadas pelas mães, até porque, naturalmente, na mulher o surgimento da menstruação, na sua complexidade, envolve maiores cuidados.
No caso dos rapazes, salvo raras excepções, as informações, normalmente deturpadas, eram retiradas dos amigos habitualmente tão mal esclarecidos como qualquer um, apesar de, tal como hoje, individualmente, cada um achar que sabia tudo sobre sexo. Em face desta pouca informação, a mulher acabava por ser encarada unicamente como um objecto de prazer e que apenas servia para procriar. E não se pense, mesmo hoje, que este sentimento está ultrapassado, sobretudo no que toca às gerações de 50 e 60 do século passado. Creio haver dados estatísticos sobre violência doméstica, tendo em conta a idade geracional. Se a memória não me falha, esta crueldade normalmente sobre a mulher, em forma de força bruta, incide notoriamente nas gerações antecedentes às nascidas depois de 25 de Abril de 1974.
Voltando ao meu caso, porque estava longe dos meus pais a trabalhar, a minha informação sexual era igual a zero. Como qualquer miúdo pré-adolescente, tendo em conta as necessidades do corpo, apenas sentia que precisava de uma mulher para satisfazer o meu desejo físico e me libertar do incomodativo anátema de ser virgem. E para um miúdo de 14 anos que, tendo poucas amizades femininas, diariamente a trabalhar de manhã à noite, não era fácil. Nesta altura, por volta de 1970, havia uma Rua em Coimbra que, dizia-se, servia para iniciar os mais novos e alimentar o ego dos mais velhos. Era a Rua Direita. Nesse tempo, cheia de imensos cafés, quase todos imundos, onde imperava um ambiente fétido e um submundo de mulheres fáceis exploradas por proxenetas, o vulgo “chulo”.

Apesar de a prostituição, por Decreto, ter sido proibida por Salazar em 1963, a verdade é que, em Coimbra, estas “casas de passe” funcionavam naturalmente a menos de 100 metros de uma esquadra de Polícia. Porém, mesmo com esta possibilidade formal, havia um óbice intransponível: era preciso dinheiro e não havia.
Nesta época, a hotelaria era uma profissão essencialmente masculina. Os cozinheiros, os copeiros, os lava-pratos (praticamente não havia máquinas de lavar louça, ou pelo menos eram raras por serem muito caras), os empregados de balcão e de mesa eram sempre homens. Qualquer mulher que trabalhasse na indústria hoteleira era imediatamente conotada com a prostituição, ou, pelo menos, subentendia-se que se “portava mal” -este era o termo para mulheres de má-fama. Por incrível que pareça, aquele opróbrio discriminatório de conotar as mulheres trabalhadoras da hotelaria com a prostituição só veio a ser erradicado plenamente já na década de 90 quando a profissão foi dividida pelos dois géneros.
Por volta de 1970, tinha então 14 anos e uma vontade louca de estar, pela primeira vez, com uma mulher e perder o pesado estigma da virgindade, trabalhavam na copa do Mandarim duas mulheres de porte “assim assim” com cerca de quarenta anos de idade. Pelo menos, entre os empregados mais velhos, contavam-se grandes desempenhos sexuais acerca delas. Por conseguinte, como a necessidade obrigava, individualmente tentei que qualquer uma delas me tirasse “os três vinténs”. Uma, a mais esbelta, alta, de cabelos compridos, apanhados, com uns seios encantadores, foi peremptória: “nem pensar! Não desmamo crianças”. A outra, já de segunda escolha, mais baixa, mais usada e com muito menos encanto, já foi mais flexível: “por 20$00 “tiro-te os três” duma forma que nunca mais esqueces na vida”. Aos meus pungidos apelos de que não tinha esse dinheiro e precisava de estar com uma mulher foi insensível. “Nem pensar! Colegas, colegas, amor à parte! Sem dinheiro, nada feito”, respondeu. Dali não consegui nada.
Quase a fazer os 15 anos entrou para a copa (secção contígua à cozinha de um estabelecimento hoteleiro, onde se lavava a louça e se faziam sandes, torradas, cachorros) uma mulher de trinta e poucos anos, com uma pequena deficiência numa perna e que a fazia coxear. Logo no seu primeiro dia de trabalho, num assédio descarado, atirei-me a ela como cão ao bofe. Se numa primeira impressão, creio, ela devia ter achado graça e não ligou, numa segunda fase começou a sentir alguma piada em desmamar um miúdo. Passados poucos dias estávamos a dormir (como quem diz) juntos todos os dias. Foi um festim iniciático, pelo menos até o meu tio descobrir. Depois acabou-se. Mas pouco importava. Eu tinha sido armado cavaleiro. E de olhos abertos, já com um pequeno currículo e alguma experiência nas lides do amor, estava preparado para a vida. E parti para outras conquistas. 

Se fosse hoje, com um sorriso a envolver-me a face, tínhamos um caso de pedofilia na imprensa e um processo a decorrer na polícia e um julgamento no tribunal pré-anunciado.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A MENSAGEIRA DA PRAIA

(FOTO DE PAULO ABRANTES)

Seriam cerca de 11,30 da manhã. Eu estava deitado na areia, com o mar à minha frente, em lençol de azul celeste estendido quase até aos meus pés. Embora distendido em toda a minha descontracção, os meus olhos, naturalmente, para além de abraçarem a linha do horizonte, onde de vez em quando se perfilava uma traineira, mesmo sem o querer, perscrutavam tudo o que se passava à minha volta.
Comecei por ouvir a sua voz cristalina, dirigindo-se a outros grupos de banhistas, que, relaxados, como eu, livres dos problemas do dia-a-dia, apenas motivados em gozar o momento em toda a sua plenitude, com o barulho das ondas, enrolando-se na areia beje-acastanhada, pouco estavam interessados em ladainhas místicas: “Bom dia meus irmãos, podem escutar-me um pouco?”, interrogava, em apelo sentido, a mulher de cerca de sessenta e poucos anos, com cabelos brancos bem cuidados pelos ombros, de boné branco, à marinheiro, t-shirt cor de laranja e saia a meia altura. Pendurados ao pescoço, três terços. Na mão direita uma cartolina em dimensões de folha A4, de cor azul-céu, com uma cruz desenhada a preto, e na base a palavra “DOZULÈ”. Na mão esquerda um terço médio com uma cruz saliente, que, à medida que ia falando, balouçava.
Reparei como as pessoas, umas a seguir às outras, todas despachavam a mulher como se ela tivesse incubado um vírus mortal. Mas, para minha admiração, como predestinada, ela não desistia e passava a outro grupo. À medida que se aproximava comecei a desejar ansiosamente que ela parasse ao pé de mim. Que motivação extraordinária poderia levar aquela mulher a percorrer, de lés-a-lés, a praia da Figueira da Foz?
Eu sempre tive uma atracção fatal por pessoas invulgares, que se salientem no quotidiano. Como jornalista em busca da notícia, sempre que posso, procuro falar com estas pessoas. O que os move? Porque agem desta ou daquela maneira? Tenho de confessar que adoro estes “cromos”. Para mim, são arte viva interactiva. Pode, aparentemente, não ser consensual, mas se levarmos em conta que “arte” será toda a manifestação artística que provoca os nossos sentidos, neste caso, então tem lógica o que defendo. Para além disso, há várias décadas, li a entrevista de um grande advogado francês que defendia que, nas cidades, os loucos, os pedintes e até os pequenos assaltantes (do furto ligeiro) eram a quebra na rotina. Eram estes personagens que impediam que tudo fosse formatado de uma forma igual. Considerava que estes “outsiders” eram uma quebra no continuum do quotidiano.
Voltando à senhora da praia, reparei que ao soarem as doze badaladas na igreja de Buarcos a mulher soergueu-se, perfilou-se, juntou as mãos erguidas ao céu, e durante escassos minutos rezou uma oração. Passado pouco tempo estava junto a mim, a interrogar-me: “Boa tarde, meu irmão, queres escutar-me um bocadinho?”. À minha anuência não manifestou surpresa. Como se as imensas “tampas” que apanhara até aí nada significassem, ou se tiveram impacto foi para a empurrarem para a frente com mais força ainda.
Aos poucos, discretamente, sem ser muito incisivo, fui fazendo as minhas perguntas acerca da sua motivação para, naquela hora de imensa canícula, percorrer a praia, como mensageira de fé a pagar uma promessa.
“Tudo começou há cerca de dez anos atrás. Ia a sair da Igreja de Santa Cruz, em Coimbra, quando dei de “caras” com as três irmãs, que à entrada do templo entregavam uma mensagem de Cristo. Foi como se tivesse recebido a luz de Deus. Naquele momento eu transformei-me. Tornei-me noutra pessoa melhor. Então, a partir daí, eu rogava ao Pai porque não falava Ele comigo? Passados tempos comecei a sonhar e, nesses sonhos, eu trocava impressões com Ele. Ele disse-me:”Espalha a minha palavra!”, prossegue a minha entrevistada.
“Então é o que faço. Espalho a palavra do Senhor! Este mundo está perdido, ninguém leva a sério a palavra de Deus. Vão todos pagar fortemente. O fim está próximo!”.
Quando lhe pergunto se tem tido sucesso em converter pessoas, e, nomeadamente o seu companheiro é católico? Responde a senhora da areia: “eu espalho a palavra, quem quer houve, quem não quer não houve. As pessoas são muito más. O que mais me custou, aqui na Figueira, há uns anos, foram dois casos. Num deles, dirigi-me a uma mulher, perguntei se me podia escutar, e ela, furibunda respondeu-me em altos gritos: “Vá para a puta que a pariu sua fanática de merda, se eu tivesse aqui um pau enfiava-lho num sítio que eu cá sei!”.
Noutro caso, foi um homem, há pouco tempo, insultou-me que ainda hoje me sinto ferida: “Olhe vá para o “carvalho”, vá lavar louça, vá coser meias, sua vendilhona do templo!”, continua a mulher a responder-me.
“Quanto ao meu companheiro, é o meu calcanhar de Aquiles, não consigo convertê-lo. Está aposentado da função pública. Mas também pouco me importa, nós fazemos uma troca: ele sem ser religioso, precisa do meu lado espiritual e eu preciso do dinheiro dele.
Despediu-se com um “até sempre meu irmão, ainda bem que há pessoas de fé como tu”. Entrega-me um panfleto com uma oração, acompanhado de uma recomendação: “não destruas esta mensagem de Deus. Amanhã tira várias cópias e, quando passares numa qualquer rua, coloca-as, uma a uma, debaixo das portas. Nunca nas caixas de correio, que, agora, por causa da publicidade, ninguém lê a palavra do Senhor. Ouviste bem, meu irmão?!”

sábado, 19 de julho de 2008

A CANONIZAÇÃO DE FAUSTO CORREIA



Há cerca de um mês a centenária Praça Machado de Assis, junto ao Café Trianon, em Coimbra, passou a ser chamada de Praça Fausto Correia, recentemente desaparecido do mundo dos vivos, ex-administrador da RDP, candidato à Câmara de Coimbra pelo Partido Socialista e representante do mesmo partido no Parlamento Europeu desde 2004.
Depois de imensos artigos lacrimejantes, nos jornais da cidade, alusivos à memória de Fausto Correia, falecido a 9 de Outubro de 2007, hoje foi a vez de ser homenageado pela Federação de Coimbra do PS, através de um busto em bronze.
Nos “mentideros” da Federação corre o boato à boca-cheia que, depois de tantas provas de reconhecimento sentido, de tantas lágrimas vertidas pelos outrora inimigos, e com o culminar do descerramento de hoje, “agora só falta a candidatura à Congregação Para a Causa dos Santos do Vaticano”, tendo em vista a canonização do mártir trabalhador-político-partidário, segredava, em “off”, um destacado filiado do partido ao meu amigo “Manel” Totó.
“Ó “Manel”, não divulgues, mas o processo até já está muito adiantado”, referia o partidário da rosa. “Posso garantir-te que a etapa preliminar à beatificação, a declaração da heroicidade de virtudes, foi entregue ao deputado, “cardeal”, Victor Baptista, que, cá para nós, movimenta-se muito bem nos corredores do Vaticano. Há quem diga que trata o Ratzinguer por papá (Papa em italiano). Dizem que o trata por tu. Como vês ó Totó a beatificação está no papo!”, prossegue a fonte anónima do PS.
“O Fausto era um homem probo, de uma honradez e de uma seriedade acima de qualquer suspeita, tinha um grande humanismo, um grande sentido de tolerância, de solidariedade e de justiça, a que juntava mais três qualidades políticas: a coragem, a coerência e a memória. Todas elas o impediram de atraiçoar amigos, colegas de partido e até ideais, já viste tanta qualidade humana num homem só?”, interrogava o anódino e anónimo “porta-voz” do partido do governo ao “Manel” Totó. “Está de ver que o homem era Santo, só podia,”, continua o correligionário do desaparecido eurodeputado. “E repara nem é muito difícil de provar as virtudes do Faustito, estão à vista de todos, só não vê quem não quer. Como é que tu pensas que o Pina Prata, sendo do PSD, passou para a oposição na autarquia? Ah, pois! Encolhes os ombros? Não sabes, não é?”, continua o intrépido simpatizante da rosa, “nunca davas um bom político como eu, para estas coisas da partidarite é preciso ter faro e tu não tens, mas passando à frente. Foi o Fausto, ainda era vivo, que convenceu o vereador e ex-vice-presidente da Câmara a passar-se para a oposição. Abanas a cabeça? Não acreditas em mim? Pois é! Engoliste direitinho aquela história do Encarnação, contada nos jornais, na presunção de que o Pina tinha mais ambição do que barriga. Homem de Deus, como tu és ingénuo. Foi o Fausto que o convenceu a passar-se para o lado do contra. Se reparares com atenção, nas últimas sessões de Câmara, o Pina está “possesso”, está tomado pelo espírito de Fausto, contra o Carlos da Rua das Fangas. Homem, aquilo é milagre, não tenhas dúvidas. Só não vê quem não quer!”, prossegue o homem da Rua Oliveira Matos em surdina para o “Manel” Totó.
“Queres mais? Queres? Olha, por exemplo, isto do metro de superfície, toda a gente dizia que “aquela coisa” nem um centímetro andava, que nunca iríamos ter aquele transporte. O que é que aconteceu? Veio a Coimbra a secretária dos transportes, a camarada Paula Vitorino, e, preto no branco, afirmou que até 2011 a cidade iria ser retalhada a metro. Desculpa, queria dizer que iria ser atravessada pelo metro. Ó Totó, toma lá mais esta: a quem atribuis tu esta mudança de agulha? É claro que aí anda o espírito do Fausto! Então não se vê? Sem dúvida nenhuma que é outro milagre!
Não rias escarninho ó “Manel”, que até me ofendes! Não me venhas cá dizer que esta mudança de atitude do governo, para Coimbra, tem a ver com as eleições de 2009. Nada disso! Aqui anda milagre, homem!”

QUATRO TÁBUAS ENCANTADAS



Qualquer dia, na hora de eu partir,
olhando o céu, começo a analisar,
nas estrelas vejo o tempo que gastei,
certamente, em gargalhada, vou rir,
como fui louco e não soube parar;
Uma grande parte passei a trabalhar,
tanto tempo que estive a dormir,
outra parte, só, sempre embrenhado,
preocupado no jeito de planear,
o tempo e a forma de na vida subir;
As viagens que eu sonhei,
foram ficando para trás,
perdidas, enterradas no passado,
as imagens que idealizei,
nunca concretizei, não fui capaz;
Corri mundo por um tostão,
por um cêntimo discuti,
quase andei à pancada,
teimoso, nunca admiti,
só eu queria ter razão;
Construi mundos e fundos,
na obsessão pelo ter,
vou partir desta sem nada,
com um sentimento profundo,
de que não soube viver;
Das casas que construi,
todas jazem abandonadas,
já ninguém lembra os suores,
os cansaços que eu engoli,
tanto esforço para nada;
Se pudesse voltar atrás, então,
desde os tempos de menino,
faria como o meu cão,
come e dorme, nada faz,
é tão feliz o canino!

quinta-feira, 17 de julho de 2008

"ESTA É A DITOSA PÁTRIA MINHA AMADA"



Há dias andou na Baixa de Coimbra um indivíduo, aparentemente cinquentão, a distribuir, à “surrelfa”, panfletos dentro dos estabelecimentos comerciais. Sub-repticiamente entrava, fazia de conta que estava interessado num qualquer artigo, e, se ninguém estivesse a ver, deixava um panfleto encimado com as armas de Portugal e com a efígie de Salazar. No cabeçalho, entre comas, citava:
”ESTA É A DITOSA PÁTRIA MINHA AMADA”. Mais abaixo, “PORTUGAL. Nas ruas, nas fábricas, nas escolas. Nos bancos, nas igrejas, no exército. Nos hospitais, na Polícia, nos cafés. Nas bancadas dos estádios! No mar, nos campos, por toda a parte resistiremos!
Em todos os lugares da Nossa Terra iremos lutar!
Somos nacionalistas. Nunca nos renderemos!
Nossa é a Terra, a Nação e a Glória. Nossa é a Pátria e nosso é o sangue. Nossos são os 800 anos de História.
Lutaremos sempre, até à vitória final!

JUNTA-TE A NÓS!”

A primeira interrogação que surge será o porquê desta clandestinidade? Provavelmente, quem o faz, terá razões de sobra para este comportamento. Mas, numa democracia, onde aparentemente há liberdade de expressão, fará sentido esta forma receosa de divulgação? Certamente, agem desta maneira por necessidade. Mas, a ser assim, dever-nos-ia envergonhar a todos, ou, no mínimo, questionarmo-nos. Cada um deveria ter o direito de divulgar a ideologia que defende, desde que essas ideias não conduzam, ou instiguem, à violência. E, sinceramente, não me parece que estas ideias nacionalistas tenham a menor ponta de instigação à violência.
Parece-me que passados 34 anos de abertura à livre expressão, alguns portugueses, presos a fantasmas enterrados nas catacumbas da recordação, que hoje, legitimamente fazem parte da história, ainda não entenderam que há lugar para todos os credos e ideologias, desde, sublinho, que não conduzam ou instiguem a violência.
E aqui, tenho de dar nome a quem duma forma descarada, autoproclamando-se donos da verdade, descriminam quem pensa de maneira diferente. Obviamente que me refiro a uma esquerda petrificada, herdeira do marxismo-leninismo.
Alguém tem medo do fantasma de Salazar? Se há, eu, pessoalmente não tenho. Salazar foi um grande estadista que retirou Portugal da banca rota, tomando a seu cargo a pasta das finanças públicas de 1928 a 1932. Como todos sabemos dirigiu os destinos de Portugal até 1968. Fez asneiras? Certamente. Mas se cada um de nós é o produto do meio em que é criado, evidentemente que António Salazar também o foi. Se a primeira República, a partir de 1910, nas finanças públicas, foi um desastre, se formos honestos intelectualmente, teremos de entender que este grande estadista deveria ter vivido sempre sobre o anátema da miséria e do descalabro financeiro.
Se a história é um continuum que assenta numa linha infinita que se perde no início do verbo do mundo, contrariamente ao que muitos nos querem fazer crer, esta mesma história não é feita em corte, como placas tectónicas, então, se não renegarmos as nossas origens teremos de dar valor a quem nos antecedeu. Foram maus governantes? Certamente. Muitos inocentes morreram? Infelizmente assim foi, mas teremos o direito de os julgar a posteriori? Admito que sim, mas antes de, sumariamente, os condenarmos deveremos ter em conta as atenuantes do seu tempo. Sermos justos é um imperativo comportamental, não acham?
E com isto, não se pense que estou a tentar branquear seja quem for. A cada um, dentro da história universal, ser-lhe-ão assacadas responsabilidades. O que não podemos nem devemos é retirá-los da longa galeria da história de Portugal e do mundo.
E aqui, inevitavelmente, não posso deixar de falar no Museu que a autarquia de Santa Comba Dão legitimamente quer construir e que uns (demasiados) pseudo-intelectuais, em nome da ocultação duma verdade, que consideram duvidosa, a todo o custo querem evitar.
Mais uma vez, reitero, que este movimento de intolerância provém de uma esquerda ressabiada e plena de má consciência. Como (mau) exemplo lembremo-nos de Lenine e dos milhares de opositores mortos por fuzilamento na antiga URSS. Recordemos os Gulags –sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos e presos políticos, de 1918 a 1956- de Staline, na Sibéria e na Ucrânia.
Sejamos apenas honestos intelectualmente. Só isso.

UMA LÁGRIMA DE SAUDADE

(IMAGEM RETIRADA DO BLOGUE "O PIOLHO DA SOLUM")

Meu amor quando partiste,
levaste o meu coração,
como um rio a correr,
para o mar da ilusão;
As promessas que quebraste,
nunca mais têm condição,
as saudades que deixaste,
agonizam em paixão;
Pergunto ao vento que passa,
chorando em desolação,
as razões desta desgraça,
porque me deixaste então?;
O amor é uma onda,
vem do nada e beija a areia,
é como uma branca pomba,
que regressa volta e meia;
Quando tu sentires saudades,
certamente já não estou,
já parti morto de idade,
o meu amor se esfumou;
Às vezes imploro a Deus,
alma minha sem ardor ,
põe os teus olhos nos meus,
abraça-me e beija-me amor;
Neste vinho inebriante,
Eu afago minha dor,
O efeito é tão laxante,
é tão bom ser sofredor.

PORQUÊ?



Eu gostava de entender,
as tuas mudanças de humor,
só precisava de saber,
se o teu insulto é amor;
Quando gritas irritada,
sem uma aparente causa,
não sei se estás só mudada,
ou se é só uma pausa;
Já não sei se te conheço,
se és a mesma que eu amei,
às vezes penso e pareço,
dizer coisas que não sei;
Estás diferente isso sinto,
pode ser ocasional,
é um quadro que eu pinto,
num precipício mortal;
Dizes não ter os porquês,
porque amas ora odeias,
sou um livro que não lês,
sou um fogo que incendeias;
Parece que sou alguém
que noutra vida te fez mal,
não entendo muito bem,
essa irritação fatal;
Posso dar-te uma flor,
embrulhada em paixão,
desconfias deste amor,
que te toca o coração;
Se eu beijar a tua boca,
pensas que não sou sincero,
parece que ficas louca,
não entendes o que quero;
Já não sei o que fazer,
não consigo te agradar,
se eu pudesse ter poder,
preferia adivinhar.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

A FÉ SALVADORA



No dia 14 do corrente o Jornal Público, publicava a primeira grande entrevista de Ingrid Betancourt, a colombiana, agora libertada e que foi presa na selva pelas FARC, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, durante quase sete anos.
Retirei algumas passagens, dessa entrevista, que considero bastante interessantes, sobretudo sobre o ponto de vista antropológico.
“(…) Passei por coisas terríveis. Acho que o pior foi ter percebido que os seres humanos podem ser tão horríveis com outros seres humanos. Num ambiente de solidão espiritual, quando à minha volta não havia mais do que inimigos agressivos, aprendi a não reagir como reagia antes. Tive de aprender o silêncio e a baixar a cabeça. Só podia falar com a virgem. Bravo Maria. Descobri que podemos ser levados a odiar uma pessoa, a odiar com todas as forças do nosso ser e, ao mesmo tempo, a encontrar o alívio através do amor. Dizia: Por ti, Senhor, não vou dizer que o odeio. Por vezes um guerrilheiro vinha sentar-se junto de mim, cruel, abominável, e eu era capaz de lhe sorrir. (…) Nunca, nunca, nunca perdi a fé. Deus esteve comigo do primeiro ao último dia da minha horrível experiência. E continua comigo. Eu rezo todos os dias. Desde o momento em que fui libertada peço-lhe que nos conceda o milagre de libertar os outros reféns como fez connosco. Porque para mim foi um milagre”, extracto da entrevista de Ingrid Betancourt.
Depois de lermos estas palavras, sendo crentes ou não, temos de admitir que a fé, para além do ponto de vista de análise antropológica, tem realmente muita força anímica e espiritual. Francamente, depois destas palavras sinceras, deste abrir de coração, desta confissão extraordinária, poderá alguém argumentar contra a fé? Pouco importa se é um dogma –proposição apresentada como irrefutável- e os dogmas, na sua carapaça, petrificantes e herméticos, são limitadores da gnose, do conhecimento, e do livre questionar.
Mesmo havendo agnósticos –aqueles que professam o agnosticismo, sistema filosófico segundo a qual o espírito humano ainda se encontra impossibilitado de alcançar a origem da vida-, ou ateus –aqueles que, no seu cepticismo ou incredulidade, negam a existência de qualquer divindade, como por exemplo Deus-, qualquer um seguidor destes sistemas, de denegar a fé, perante uma confissão destas, fica desarmado.
Uma coisa teremos de admitir, as religiões e a fé a elas coadjuvadas, no âmbito da antropologia têm uma força inegável. Uma força imanente ao ser humano que, nas ocasiões de maior desespero, como é o caso, constitui a esperança de salvação.
Por mais que se discuta a religião, entre prós e contras, fechando-se num cepticismo, não se pode negar os seus efeitos como sendo um “milagre”, absolutamente necessária à humanidade e, pela sua força redentora, impossível de a dissociar da condição do homem.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

UMA SOCIEDADE JUDICIALISTA


(IMAGEM DA WEB)


Um recente estudo entre géneros em idade escolar veio mostrar que, quer o homem quer a mulher adolescentes, encaram a violência contra a integridade física como normal. Vão até ao paradoxo de aceitar também a violência física sexual como algo necessário, despenalizante, e dentro do contexto de envolvimento e excitação.
Ora, ainda que seja com base em amostras, tal estudo dever-nos-ia preocupar profundamente.
O Estado, desde há 30 anos a esta parte, deixou de apostar na educação para centralizar todo o espectro comportamental do indivíduo no direito. O direito passou a ser uma espécie de analgésico que, sem curar, indo ao âmago das coisas, temporariamente retira as dores.
Os sucessivos governos após-25 de Abril em vez de canalizarem a sua acção na educação a montante, a partir do nascimento –formando pais e professores, dando-lhes poder de decisão-, insistindo nas obrigações do indivíduo perante a sociedade, faz ao contrário, para além do contínuo esvaziamento de autoridade dos tutores, começa logo por lhe dar direitos exacerbados até à maioridade, e só a partir dos 16 anos o considera imputável e responsável pelos seus actos. Então, porque já é tarde, legisla em barda a jusante, tentando apanhar os cacos desta displicência tardia. E as consequências estão à vista de todos, com o aumento da violência dentro da família, escolar e urbana. Salvo melhor opinião, a violência na escola será resultado da apreensão consciente de uma certa impunidade social de que os alunos só têm direitos e nenhumas obrigações.
Neste sistema actual, em que não se investe nos pilares fundamentais da educação, o Estado, ao invés de, através do seu longo braço da lei, intervir o menos possível na esfera do indivíduo, desonerando-se e apelando a sãs relações de convivência ou contratuais, invade e trata o cidadão como coisa irresponsável. É um Estado paternalista, tentacular, que, obsessivamente preocupado com os princípios da protecção e da segurança jurídica, contrariamente ao pretendido, manieta e impede que a liberdade individual flua de uma forma natural e baseada no respeito intrínseco da pessoa. Tem como consequência o petrificar das posições e das relações bilaterais. Nada se contratualiza sem a intervenção do direito específico substantivo, quando pela lei geral adjectiva seria perfeitamente possível alcançar os mesmos fins. É uma sociedade monitorizada pela legislação, em que o cidadão se comporta como autómato sem reciprocidade natural.
É uma sociedade agrilhoada, em que aparentemente é livre, mas na prática vive numa teia que lhe cerceia os movimentos e faz dela uma marioneta comandada por fios invisíveis do “big brother” legislador.
Assim, ao ritmo desta produção legislativa, no futuro próximo, não haverá tribunais que cheguem para dirimir tanto conflito. O direito, na sociedade, deveria ser a linha condutora acessória, no conflituar, e jamais o essencial da convivência humana.
Para além disso, como nada se faz sem ser escrito, acaba por minar a confiança interpessoal na palavra e desenvolve o temor de se ser enganado. Faz pensar que o direito tudo resolve e, ansiosamente, deposita na justiça, como deusa omnipotente e justa, uma esperança de compensação de equilíbrio que se vem a concluir frustrante e que, no limite, é geradora de mais conflitos sociais até ao infinito.
Fará sentido o “Livro de Reclamações”? Faz! Quando temos uma comunidade desprovida de ética, onde a palavra dada nada vale, sem respeito pelo outro, e sem responsabilidade individual e acessória.
Uma sociedade que legisla a relação entre pais e filhos, dando a possibilidade a estes de se queixarem dos seus progenitores; uma lei que consigna como crime público a violência doméstica, nas relações familiares; uma presumível lei de proibição de piercings; uma lei do tabaco que, fazendo do cidadão um imberbe, lhe vem impor categoricamente regras de conduta no que lhe faz bem ou mal; diversas posturas municipais a penalizar comportamentos que deveriam ser imanentes e reflexivos, como por exemplo, abandonar os dejectos de animais na via pública, urinar, mandar lixo para o chão; uma sociedade que precisa de ver legislado a destruição de bens culturais, a separação de lixos, a poluição de rios e ribeiras, o fogo-posto, a proibição de fazer queimadas no inverno; uma lei gastronómica que invade os sabores de antanho, impondo regras unilaterais tecnocratas, alterando os costumes e o saber secular, é muito mais do que uma ditadura legislativa, é um fumo ardiloso que invade tudo o que é de mais íntimo.
Uma sociedade com tanta imposição penalizante será uma sociedade livre? Responda quem souber.
Até quando? Perguntará você leitor. Provavelmente até ao dia em que individualmente, cada um de nós, se preocupemos menos com os nossos direitos e cumpramos responsavelmente as nossas obrigações.

domingo, 13 de julho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (25): UM SÉCULO DE VIDA



             

  Corria o mês de Setembro do ano de 1908 quando a aldeia de Barrô, entre a Mealhada e o Luso, foi acordada por um grito estridente de um recém-nascido. Perante um pai inquieto, de olhos com brilho de anseio e um rosto alagado em suores que lhe escorriam em bica pelo rosto abaixo, a parteira, com as mãos ensanguentadas, gritou para o progenitor do novo ser nascente: “é menina, é menina!”
 Acabava de vir ao mundo uma criança que nascera no mesmo ano, em que se dera o Regicídio, em Fevereiro, com a morte do Rei D. Carlos e o Príncipe Luís Filipe, constituindo este atentado o estertor de um sistema fragilizado e caduco pela ostentação de uma classe burguesa insensível e em desfavorecimento maioritário de um povo triste e sofredor. Cairia decrépito, dois anos depois, em 5 de Outubro de 1910 com a implantação da República.
  Esta nova mulher, concebida nos planos da morte do Rei e no fim da Monarquia, seria baptizada com o nome de Lucília Dias. Atravessou a 1ª Grande Guerra, de 1914 a 1918. Sofreu na pele, através da fome e da carência de bens elementares ao seu desenvolvimento, as primeiras turbulências do novo regime político republicano.
  No ano de 1929, com o mundo financeiro a abanar, através do “crash”, da queda, das bolsas mundiais e que daria origem à “grande depressão”, na igreja de Luso, com convicção firme, dava o “sim” a José Morais, “o homem mais pobre que havia na Vacariça”, uma aldeia muito próxima.
Em 1939, quando estala a 2ª Guerra Mundial, Lucília já tinha três filhos, duas raparigas e um rapaz. Uma delas morreu precocemente de uma doença rara e nunca diagnosticada.
 A senhora de quem falo foi sempre uma mulher de “armas”, feita pela sua vontade férrea e indomável cuja personalidade é formada em cenários duros de guerra. Não tinha vergonha de mergulhar as mãos na “massa”, como sói dizer-se. Colocava a mesma vontade no trabalho como qualquer um ao lazer. Tanto labutava no campo rijo e árido como em limpezas em várias casas. Mas havia um talento que viria a marcar muitos habitantes da freguesia de Luso: Lucília era uma excelente cozinheira.
Conversando comigo, lembra-se que cozinhou em muitas casas ricas até ao horizonte onde o sol se perde de vista. Fez muitas festas, muitos casamentos, e até chegou a ir, durante muitos anos, no verão, em colónias de férias do doutor Artur Navega, da Mealhada. O contrato era através de uma outra senhora de boa vontade –que um dia destes falarei-, também de Barrô, que levava as crianças mais pobres do concelho para a praia da Figueira da Foz. Esta mulher de bom coração, tantas vezes incompreendida, e que tanto bem fez aos mais carenciados, era, e é, a senhora Preciosa.
  Quando estalou a Revolução de Abril em Portugal, em 1974, Lucília estava, juntamente com a sua filha Natália, a empalhar garrafas e garrafões para várias grandes empresas vinícolas da região bairradina, como por exemplo as Caves Messias. Trabalhavam na sua oficina cerca de 24 pessoas. Hoje, num tempo que não tem tempo para memórias, só a sua Natália continua, como ícone, a mostrar uma arte em total desaparecimento.
 Se por um lado guarda saudades dessa época, por outro prefere os nossos dias. “isto hoje é uma maravilha, nem vocês sabem quanto!”, atira-me à “queima-roupa”, no meio de um sorriso escancarado de matreirice e com um brilhozinho nos olhos, intervalado com uma palavra obscena, tão apropriada e ditas com a mesma naturalidade com que se diz “bom-dia!”.
 Mas lembrando os tempos passados, endurecendo as linhas do rosto, referindo-se ao povo da aldeia, exclama: “é uma gente mesquinha. Bem podiam ser melhores do que são. Mas, paciência, é o que temos! Vê lá bem, continua a minha querida conterrânea Lucília, com a voz embargada pela dor, que há mais de 30 anos, quando eu mudei da religião Católica para os Evangélicos, praticamente toda aldeia deixou de me falar. Desprezaram-me completamente. Passavam por mim na rua e era como se eu fosse uma cadela. Lembro-me -já o meu querido “Zé” Morais tinha morrido, o meu homem, o meu querido homem!-, um dia, para matar a fome aos meus filhos, fui a casa de um grande lavrador para me vender meio alqueire de milho e sabes o que me respondeu a mulher do ricaço? Que fosse comprá-lo aos da minha religião. Somíticos de uma figa!” Exclama no meio de uma imprecação.
Continua a senhora Lucília, “mas olha, Deus não dorme –apontando com o dedo em riste para cima-, o tempo tudo cura. Acabaram todos por me vir pedir ajuda. Fui eu, sem vinganças ressabiadas, que lhes matei a fome. Acredita, dou-te a minha palavra”, profere esta frase, novamente, já no meio de um sorriso rasgado de orelha a orelha.
 Pois é! Como já viram estas palavras são de uma anciã muito querida que fez no último 19 de Novembro 102 anos. Se vissem a pele do seu rosto, parecia que tinha sete décadas. A sua lucidez era impressionante. Era impossível não gostar desta mulher simples.
Infelizmente a natureza, ou Deus para quem acreditar, levou-nos há dias a nossa humilde Lucília Dias. Onde quer que se encontre, acredito que esteja a sorrir. Teve um século de vida cheia de tudo. De coisas boas e más.
À família enlutada, nesta hora de perda, os nossos sentimentos profundos. Barrô para além de ver partir a pessoa mais idosa do lugar, perdeu uma grande mulher.


sábado, 12 de julho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (24): O BÍGAMO

(Uma bonita casa de Barrô, muito bem recuperada)

Naturalmente, por volta dos fins da década de 1940, em consequência da 2ª Guerra, com o racionamento de víveres, Portugal vivia tempos de uma infinita miséria. Salazar, quer por força do seu princípio moral de que mais valia só que mal acompanhado, o “honrosamente só”, quer porque não entrara directamente no grande conflito bélico mundial, mantendo-se numa neutralidade duvidosa –se tivermos em conta a exportação de Volfrâmio para a Alemanha- não aceitara a ajuda no âmbito do Plano Marshal –este programa de recuperação Europeia, instituído pelos Estados Unidos da América (EUA) em 1947, consistia em ajudar a recuperar os países Europeus aliados, afectados pela grande guerra. Também conhecido pela doutrina Truman, presidente dos EUA, viria no entanto a tomar o nome do Secretário de Estado, George Marshal.
Então, se em todo o país a pobreza alastrava, é evidente que na minha aldeia, em Barrô, entre a Mealhada e o Luso, a situação não seria melhor. Embora houvesse uma meia dúzia de lavradores abastados, a maioria, trabalhando por conta de outrem, vivia no limiar da indigência. Era natural que muitos tivessem desejos de emigrar mas poucos teriam possibilidades financeiras e a coragem para partir rumo ao desconhecido, em busca de uma vida melhor.
Mas houve um homem que arriscou em deixar aquela terra de carências de tudo. Embora não estivesse no escalão dos mais pobretãos, estava apenas um pouco acima, tinha uma casa razoável, mas não deixava de fazer parte do mesmo clube de esfarrapados. Certamente, ou porque estava farto de tanta miséria, ou porque terá pensado que os seus descendentes mereceriam um amanhã mais sorridente e mais igual aos mais ricos da terra, decidiu partir. Não se sabe se o fez por aventureirismo, se por necessidade de um futuro a que julgava ter direito. jamais saberemos o que iria naquela cabeça com chapéu.
Chamava-se Manuel Rodrigues Vieira. A 19 de Março de 1950, depois de hipotecar a casa e ter contraído um empréstimo a um onzeiro (espécie de agiota que emprestava dinheiro a juros de 11%) de Vila Nova de Monsarros, juntou uns trapos numa pequena mala de cartão e planeou ir para África. Naquele dia solarengo, 19 de Março, hoje dia do pai, naquela casa junto à capela da aldeia, os gritos eram cortantes. Quem passava não ficava imune aos choros lancinantes da Arminda, mulher do Vieira, de quase trinta anos, entrecortados pela fome, misturada com lágrimas, dos seus cinco filhos, a maioria todos crianças. O mais novo tinha 3 anos: “paizinho, não nos deixes! Não nos abandones pai!”
Mas, se cada um de nós tem um destino marcado, acredite-se ou não, o Manuel Vieira achava que tinha de cumprir o seu e partiu para terras africanas de Angola.
A Arminda, com toda esta prole, ficou numa situação desesperada. Do seu marido nunca mais ouvira falar. Quase todos dias, olhando para o carteiro da aldeia, o Daniel, Arminda pensava para com os seus botões: “é hoje que vou receber uma carta!”. Mas essa missiva nunca chegou. Entretanto a sua filha mais velha, a Augusta, começou a namorar e casou com um rapaz que se viria a revelar o salvador daquela casa que era o refúgio de tanta gente. Um grande trabalhador e pessoa muito respeitada, ainda hoje, o José Maria, o Barbeiro, que em apontamento anterior já falei dele. Como o onzeiro, o agiota, ameaçava arrestar a casa por falta de pagamento, o meu amigo “Zé”, como é conhecido pelos amigos, pediu um empréstimo em seu nome, foi a Vila Nova de Monsarros e liquidou a hipoteca e juros num total de 526 contos. Com muita luta braçal, na labuta da agricultura, e nos tempos mortos a escanhoar barbas e a cortar cabelos, a vida foi-se encarregando de recompensar o “Zé” Maria Barbeiro e, aos poucos, a paz de espírito e o desafogo financeiro regressaram aquela casa da Arminda.
Num dia de Março, de 1976, a notícia correu célere em Barrô: “O Vieira, o Angolano, regressara a casa”. Mas, se este facto já por si só era notícia, calcule-se o que não diriam as “cuscas” do lugarejo ao saberem que ele trouxera uma mulher “cabrita” e apresentara-se à Arminda para que ela desse guarida aos dois. “Um escândalo, vejam bem ao que chegámos!”, vociferavam indignadas as mulheres do soalheiro, assim conhecidas na aldeia, por cortarem na casaca de qualquer um.
Como se deve calcular o Vieira viera com o mesmo com que partira, se exceptuarmos a mulher que vinha com ele, ou seja, uma maleta com meia dúzia de trapos. Como não estava divorciado da Arminda, ainda que moralmente ali não tivesse nada, nem sequer uma boa lembrança, legalmente a casa também lhe pertencia. E aí é que estava o problema. Como fazer a coabitação no meio deste ódio, adultério e bigamia? Mas lá se resolveu. O Vieira e a sua "segunda" ficaram a morar noutra casa, a dois passos daquela. Não se sabe muito bem como foram suportáveis os dois anos em que todos viveram na casa, inclusive a Isaura, a “cabrita” extra-matrimónio, mas a verdade é que até ao divórcio ser deliberado pelo tribunal foi assim.
Mesmo perante o meritíssimo, como o Vieira não tinha onde cair morto, o “Zé” Maria prometeu alimentá-lo até à morte. Este meu amigo barbeiro, com tristeza, ainda recorda o sogro, mesmo depois de tanto ser ajudado, a dizer ao juiz: “o meu maior prazer era não deixar cinco tostões a ninguém!”
Como quem não dá não recebe, o Vieira, depois do divórcio, partiu com a sua amante Isaura para Viseu e lá veio a morrer na mais completa indigência.

RIR POR RIR, FAZENDO QUE RI, SEM SORRIR



Estes dois personagens sobejamente conhecidos da nossa praça, José Simão, proprietário e director do Jornal “A Folha de Santa Clara” e presidente da junta de freguesia da outra banda de lá do rio Mondego–a propósito será eticamente correcto que um director de um jornal seja autarca? A mim parece-me incorrecto. Um poder, o chamado quarto, por si só, já é imenso, quanto mais juntá-lo a outro de gerir uma freguesia ou um concelho. Que deve dar jeito, não tenho dúvidas. É assim uma espécie de junção de médico e doente ao mesmo tempo- e Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, foram apanhados neste “boneco” pelo fotografo do Jornal As Beiras, aquando da inauguração da Feira Popular.
Quais serão os motivos para estarem tão sorridentes? Seria apenas um sorriso de circunstância para o “boneco"?
Quanto ao segundo, Carlos Encarnação, até poderemos adivinhar a razão daquele sorriso, entre a matreirice e o contentamento. Afinal foi recebido nas “palminhas” e sendo o convidado de honra do presidente da freguesia de Santa Clara, que ainda há pouco tempo dizia cobras e lagartos desta coligação. Além disso, depois de apresentada a sua recandidatura, tudo corre sobre rodas. Na câmara, a oposição, preocupada em curar as suas chagas, nem se nota que existe. Bem brada João Silva aos cinco Continentes, ex-edil do PS, disparando contra tudo o que mexe, em todos os jornais da cidade contra os seus próprios correligionários, mas, está bem abelha!, ninguém lhe liga.
Ao que tudo parece indicar o seu opositor, na disputa da cadeira autárquica, vai ser mesmo Henrique Fernandes, actual Governador Civil e vice-presidente da autarquia no tempo de Manuel Machado (anteriormente a 2002). Por parte da CDU, certamente será o seu amigo Gouveia Monteiro. Só falta saber quem vai ser o preferido dos bloquistas.
Quanto ao sorriso de José Simão, aí é que está!, de que rirá ele? Não deveria ter feito uma “cara de pau”? Quanto a mim, teria motivos mais que suficientes. Quem é que entende que a Feira Popular se realize após o término da CIC, feira Comercial e Industrial de Coimbra? Fará algum sentido? Para além de engrandecer o certame comercial e industrial, que por motivos vários é sempre uma amostra do que é Coimbra, melhor dizendo, é sempre muito fraco, juntava os dois públicos. E não vale a pena apontar unicamente setas à ACIC, Associação Comercial de Coimbra, que a responsabilidade do fracasso daquele certame deverá ser repartido por vários: conimbricenses em geral, comerciantes e industriais e à própria autarquia que nunca olhou para este certame como espectáculo da cidade. E continua. Como prémio da sã convivência bipartida e partidária, a câmara Coimbrã, ao ceder um terreno junto à rotunda das Lages, para que a ACIC construa um pequeno pavilhão, que para além de não servir para albergar toda a feira, muito menos servirá para realizar grandes espectáculos e todos os eventos temáticos que são feitas na cidade e debaixo de uma grande tenda alugada que, segundo informações correntes, custam aos cofres da autarquia mais de 15.000 Euros por cada evento. Mais uma vez, sem planeamento financeiro futuro, neste pequeno desenrasca, vai ser mandado dinheiro às urtigas.
Enfim! Eles, José Simão e Carlos Encarnação, lá saberão as linhas com que se cozem. Em política partidária a submissão, envolvida num largo sorriso de bonomia, sem reivindicação efectiva, numa espécie de sanduíche, traz sempre resultados futuros para os sorridentes.
Já agora, a talhe de foice, porque será que o povo ri tão pouco? Será porque é demasiado sério? Ou será porque o sorriso, seguindo as linhas económicas, se tornou num bem escasso e só se dá a quem o merece? Ou então o povo, na sua extensa sabedoria, certamente intuiu que, na obsessiva fúria taxativa do governo, o melhor é rir pouco, caso contrário, também apanha pela medida grande e já pouco falta para pagar imposto?
Se por acaso um dia destes uns fulanos bem engravatados lhe perguntarem sobre a sua vida sexual, referindo que é para estudos de mercado, não acredite. Responda que, apesar de, mentalmente, lhe fazer uma falta danada, fisicamente, há mais de um ano que não tem nada com a sua Maria. Homem prevenido, pretensamente assexuado, vale por muitos portugueses.

PROVEDOR DE JUSTIÇA PEDE...JUSTIÇA



"A verdade é que, tendo-me deparado com quatro Governos - Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e Sócrates - este último ganha aos pontos na "lenga-lenga". É preciso paciência...". É assim que Nascimento Rodrigues faz o balanço dos seus oito anos de mandato como Provedor de Justiça, que terminou na passada terça-feira.
O Provedor - que já por diversas vezes fez saber que está interessado em sair - ainda não tem substituto à vista. O Parlamento fecha na próxima sexta-feira para férias e não é certo que os deputados venham a discutir o assunto antes de deixarem São Bento.
Segundo o Expresso apurou, PS e PSD não chegaram a acordo sobre qual dos partidos tem primazia para indicar o nome do próximo Provedor. Assim, é bem provável que Nascimento Rodrigues venha a prolongar o seu mandato, pelo menos até meados de Setembro."
(in Semanário Expresso,de 12 de Julho de 2008)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

LUSO: O SEGUNDO ASSALTO AOS CORREIOS

(FOTO DO BLOGUE "ADELOS.BLOGSPOT.COM")

Segundo o Jornal da Mealhada (JM), de ontem, 9 de Julho, pela segunda vez a estação dos CTT do Luso voltou a ser assaltada.
“Cerca das 12 horas, um indivíduo, de óculos escuros e de chapéu, que lhe tapava metade do rosto, segundo disse a funcionária, e munido de uma arma de fogo, entrou no posto de correios e ameaçou a funcionária que lhe deu todo o dinheiro que tinha em caixa, não se sabendo ao certo quanto dinheiro era”, refere o JM.
Aquela serenidade e bucolismo, tão encantadores, que o luso nos habituou está a desaparecer. E, sendo assim, não fará sentido aumentar a vigilância por parte da GNR? São os tempos que correm. A propriedade só presta para pagar impostos ao Estado. Este, que deveria defendê-la, não o faz, e mais: ai de quem passar à acção directa. Todos, placidamente, numa de calma, devemos deixar roubar ou furtar E até é tão fácil o gamanço. Não paga impostos. Não há problemas de números clausus. Não precisa de se ser sindicalizado ou estar inscrito na Ordem. É uma actividade segura, lucrativa e que dá para todos. A censura social já foi. Hoje o que importa é o ter. O ser, no sentido de onde advém esse ter, é despiciendo. A punição coerciva também não amedronta, desde que não se seja apanhado em “flagras” não há mesmo problema nenhum.
E você, que pode ser um “artista” do gamanço em potencial, nunca pensou em entrar nesta actividade? Vá lá, confesse! Não seja tímido! Claro que já! Está a pensar se, na minha cabeça, já andaram esses pensamentos? Claro! Só que ainda não descobri o golpe perfeito. Esse é o meu problema. Magico, magico e…nada!
Só perde quem tem.

terça-feira, 8 de julho de 2008

ELEGIA À VILA DE LUSO

(Esta imagem, que me deixou apreensivo, está na origem do poema abaixo -foto do blogue "Adelo.blogspot.com")



Ó Luso gosto de ti,
desde os tempos de menino,
dava voltas no teu ventre,
ainda era pequenino;
Mal comecei a amar,
meu amor, foste a razão,
mal podia te chamar,
entrei no teu coração;
À sombra do castanheiro,
repousava do calor,
cantava o melro matreiro,
as minhas trovas de amor;
Na fonte enchia a alma,
nas bicas água beijei,
no teu sorriso a calma,
de um amor que conquistei;
Na fonte de São João,
não respeitam a idade,
tocam na recordação,
pedra da minha saudade;
Quero o meu amor passado,
Luso da minha paixão,
um bulício tão marcado,
a fogo no coração.

domingo, 6 de julho de 2008

LISBOA É UMA LIÇÃO

(IMAGEM DO BLOGUE "PIOLHO DA SOLUM")

Quem esteve ontem presente no espectáculo da Lisboeta Mariza, no páteo das Escolas, na Universidade de Coimbra, presenciou um grande momento musical.
Na plateia, de um conjunto de milhares de pessoas, naturalmente, toda a fina-flor da cidade. Desde o Governador Civil, presidente da Câmara, até ao chefe de gabinete, todos, entusiasticamente, batiam palmas.
No meio de tanto fado de Lisboa, cantados no coração da Alma Mater, ninguém se apercebeu que a velha torre chorava. O primeiro lamento foi às 22 horas, logo seguido dos acordes de Mariza. Por entre trinados sofridos, envergonhada, a velha “cabra” pensava que estranha ousadia: “vir cantar o fado de Lisboa a Coimbra, mesmo no centro do meu coração. Arre! E todos os detentores de poder da cidade, na primeira fila, entretidos a bater palmas, nem por um momento lembraram a vergonha da Lusa Atenas ter um fado caduco, velho, mal explorado comercialmente, dentro de uma redoma de vidro, que a Academia, num bacoquismo pacóvio não deixa crescer”. Continuava a velha torre a pensar, “alguém se lembra, nos últimos 20 anos, de algum cantor de fado de Coimbra que transpusesse as fronteiras da cidade? Pois não! Se fizerem um esforço, virão os últimos moicanos: o “Zeca Afonso, O Adriano Correia de Oliveira, o Betencourt, o Machado Soares, o Rui Pato, etc. Uns, dos poucos, que apenas resta a memória, outros que embora vivos, já meios caquéticos, são apenas uns ícones de um tempo que passou. Que tristeza! E aquela gente toda entretida a baterem palmas! Todos têm responsabilidades, mas parece que tudo está muito bem. O paradigma do situacionismo foi o momento em que os antigos orfeonistas, juntamente com Mariza, cantaram “Coimbra é uma lição”. Essa é boa! Deveriam, antes, ter cantado Lisboa é uma lição”, continuava a pensar a velha torre, intervalada por uma lágrima furtiva. “E mais, continuava ela, após as 23 badaladas, se por acaso estivesse a chover e fosse preciso transferir o espectáculo para outro lado, para onde iria? Coimbra não tem uma sala de espectáculos em condições. Mas todos batiam palmas alegremente, tudo numa nice!” Continuava a pensar a torre cimeira da Alta de Coimbra, “ora bolas, é um desrespeito pela minha idade, afinal tenho muitos séculos. São lanças a mais, é Lisboa a espetar-me uma bem no centro do meu coração. Até aquele rapaz, do boné, o Tito Pariz, que por acaso até gostei de o ouvir, vem de Cabo Verde e espeta-me também uma lança de África, aqui no corpo do velho colonizador. Porra, para isto! Eu sei que estou melancólica, que querem?, se calhar é da idade!”
À meia-noite, mesmo contrariada, a velha torre, numa badalada sofrida e desenfreada, saudou a Mariza na despedida. Tinha sido um grande espectáculo. É uma pena Coimbra não aprender com Lisboa, “é uma pena não é?”, parecia interrogar-me. Então e eu sei lá? Eu nem sou de cá!