quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

BAIXA: CONVERSA DE BARBEIRO

(O senhor José Coelho numa imagem captada à cerca de cinco anos) 



Sabe, amigo Carlos, gosto muito da Baixa,
e até do vosso serviço... Foram muitos anos,
mas aqui na zona tenho tudo, até uma barbearia,
que comecei a ir e acabei por me adaptar.
A minha vida agora é feita aqui. Vou fazer o quê
à Baixa? Só para ir cortar o cabelo?
E quanto me custa o estacionamento do carro?”

Como faço habitualmente há várias décadas, hoje, por volta do meio-dia, fui cortar o cabelo à “minha barbearia” -os ricos são mesmo assim, todos têm: o “meu advogado”, o “meu contabilista”, o “meu conselheiro espiritual”, o “meu terapeuta”, o “meu gestor de conta”. “A minha barbearia” fica na entrada da Rua Martins de Carvalho -antiga Figueirinhas-, em homenagem ao fundador do jornal Conimbricense, e distingue-se de outras pelo nome de Santa Cruz.
Comigo acontece um fenómeno giro, quando estou sentado na cadeira de barbeiro -no caso uma réplica das clássicas António Pessoa-, enquanto do desbaste do cabelo, ou mantenho-me a conversar com o oficial de cabelos, a ler o jornal ou adormeço num longo sono dos (in)justos. Se não estiver ocupado é matemático: o torpor invade-me completamente. Hoje comecei a ler o jornal e, por um lado, como já tinha lido tudo, por outro, o corte ainda estava a meio, meti conversa com o técnico de Barbearia -creio que hoje são assim conhecidos estes profissionais.
Quando entrei no salão, reparei que o espaço estava muito vazio de clientes. Mentalmente recordei o tempo de há cerca de uma década, quando cinco trabalhadores, quatro homens e uma mulher, exerciam ali o seu ofício. Agora só duas pessoas se ocupam da clientela, o dono da barbearia, o senhor José Coelho, e o empregado, o senhor Carlos. Para fazer conversa, embora de certo modo já conhecesse a resposta, atirei: lembrando-me que até há cerca de uma década já aqui desempenharam a função cinco pessoas e agora, aparentemente, dois serão de mais, que premissas contribuíram para esta diminuição?
Respondeu o senhor Carlos: Como sabe, haverá vários factores, mas o principal é a saída progressiva e acentuada nos últimos tempos de pessoas da Baixa. Veja o sector bancário -por exemplo, pense aqui no antigo BES, que agora está fechado, nas largas dezenas de funcionários que ali trabalhavam. Aqui na Baixa, só nos bancos, laboravam milhares de pessoas. Agora, se calhar, uma escassa centena exerce nas dependências bancárias que ainda estão abertas. Sempre que sai daqui alguém, seja por perder o emprego ou porque foi morar para outro lado, é um sujeito que não volta mais. Para onde vai tem lá tudo, não precisa de vir cá. Nos primeiros tempos, pelo saudosismo, até pode visitar-nos, mas é sol de pouca dura. Depois desaparece de vez para nunca mais aparecer. Há dias, na zona do Alma shopping (antigo Dolce Vita) encontrei um nosso cliente que trabalhava por aqui, foi despedido e nunca mais o vi. Cumprimentámo-nos e, depois de “faladura” de circunstância, interroguei: então nunca mais pareceu por lá? E ele respondeu: “Sabe, amigo Carlos, gosto muito da Baixa, e até do vosso serviço... Foram muitos anos, mas aqui na zona tenho tudo, até uma barbearia, que comecei a ir e acabei por me adaptar. A minha vida agora é feita aqui. Vou fazer o quê à Baixa? Só para ir cortar o cabelo? E quanto me custa o estacionamento do carro? Tudo isso são factores a ponderar, entende, senhor Carlos?

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