quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

BAIXA: PROCURA-SE A MAGIA DO NATAL





Apesar dos dias solarengos e sem chuva -era tão normal nesta época cair morrinha-, com o Sol a irromper por nesgas e betesgas e a beijar descaradamente as ruas largas, Visconde da Luz e Ferreira Borges, e largos e praças como a 8 de Maio e a Portagem, a verdade é que, pela proximidade do Natal, se nota uma ausência de essência, de qualquer coisa que falta na Baixa. Como se o circundante estivesse petrificado em pedras milenares e lhe faltasse o encantamento, a magia, desta época, “pressente-se” uma tristeza no ar, uma certa carência do espírito de outros tempos e tão envolvente nesta quadra. É como se os adultos se apresentassem mais velhos, não amolecessem, se mostrassem de rostos duros e fechados, e não ganhassem aquele brilho nos olhos que os transforma e faz parecer crianças crescidas.
A pergunta que emerge é: porquê? Claro que não sei, nem procuro dar resposta objectiva. No máximo posso especular sobre o perceptível -aos meus olhos- esmorecimento sorumbático que se abateu sobre a maioria -digo eu- de pessoas que transitam pelo “bairro baixo” -a título de curiosidade, em meados do século XIX a Baixa era tratada como o “bairro baixo” e a Alta como o “bairro alto”. Como a tristeza é contagiosa, como se adivinha, passou também para os turistas, que nos visitam, e para os comerciantes.
Prosseguindo, por um lado, tenho para mim que a acelerada mudança de costumes está enterrar a alma do Natal em campa rasa. As crianças ainda acreditam no Menino Jesus? Ainda projectam no Pai Natal o mítico fornecedor de brinquedos especiais? Sem pretender ser conclusivo, creio que não. Pela materialização, pela necessidade de saber e mostrar tudo e fazendo cair os mitos, pela desvalorização das coisas, o feitiço desapareceu. Salvo pequenas parcelas da população portuguesa, os nossos infantes de hoje não têm dogmas, não crêem em entidades sobrenaturais, são seres pragmáticos gerados num tempo de informação com acesso rápido a todas as perguntas, são extensões computorizados. O dogma, enquanto materialização do pensamento assente na convicção de existência, no acreditar sem ver, assenta sobretudo na necessidade; na noção de incompletude, e finitude, do homem, na dúvida em, com ajuda de algo que o transcende, fazer acontecer. Portanto, se as crianças, por um lado, são ainda muito tenras para pensar nestas questões metafísicas, por outro, também é certo que é desde pequenino que se semeia a crença. Ora, enquanto adultos, enquanto pais, digo eu, estamos a construir pequenas máquinas que, aparentemente, sabem tudo sobre a geografia do mundo mas não têm experiência real de nada. E julgam ser auto-suficientes. O pior é que, por culpa nossa em tanto pretender a sua protecção, são melindres de fragilidade e, obsessivamente, são tomados pelo medo em pânico continuado.
E os adultos? Por que já pouco ligam ao Natal? Se calhar, pelas crises que a sociedade está a atravessar, da dissolução da família, da instabilidade económica, do desiquilíbrio social, na descrença da política. Pela falência de um sistema económico que prometeu de mais e agora, depois da poeira assentar, nos pede dividendos com muitos juros que mal conseguimos saldar. Por outro lado, estou convencido que as tragédias que se abateram sobre Portugal em Junho e Outubro espalhou no país uma neurose colectiva. Ver centenas e centenas de pessoas na miséria, psicologicamente, acabou por nos tocar a todos. Fez-nos ver que a linha que divide o bem-estar hoje e o mal-estar amanhã é muito ténue.
Por outro lado, ainda no tocante à Baixa, o desinvestimento que a Câmara Municipal de Coimbra fez este ano nas iluminações natalícias, nas ruas, acentua e sublinha ainda mais a diferença com os tempos áureos e, mesmo sem o querermos, a nostalgia entra dentro de nós, deprime, angustia, e gera ansiedade. Se a aposta na felicidade colectiva deveria ser uma preocupação constante dos líderes que nos governam, este procedimento do presidente do executivo deixa muito a desejar. Será esta a sua manifestação de carinho por Coimbra? Na sua valorização? Meu caro Manuel Machado, enquanto parte dos conimbricenses, fico com a impressão que ainda vamos acabar todos subnutridos de amor. 

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