quarta-feira, 15 de novembro de 2017

EDITORIAL: PARA QUE SERVIU E SERVE A APBC? (4)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





Em jeito de contar histórias, seguindo a mesma linha de anteriores apontamentos, vou continuar a escrever sobre a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra.
Como ressalva, saliento que não se trata de qualquer obstinação, intenção obsessiva de perseguir seja quem for. A pretender alguma coisa, no máximo será fazer pensar se valerá a pena continuar a derreter milhares de euros de verbas públicas num projecto destinado à revitalização comercial e que na última década, para além da animação das ruas, não trouxe qualquer acrescento à Baixa. A mostrar isso mesmo, basta olhar em redor e verificar que o sector, num marasmo aflitivo, continuou e continua a empobrecer e as lojas mais antigas, paulatinamente, têm encerrado umas atrás de outras.

Rebobinando a cassete, estamos então em 2010. É interessante verificar, pelas remissões para textos escritos nessa altura, que os problemas eram os mesmos de hoje. Então, surge a pergunta: agora, passados sete anos, estamos melhor, igual, ou pior?

A Baixa, apresentava uma série de edifícios em ruína. A Polícia Municipal (PM), pela sua não actuação, pelo deixa-correr, era alvo de reparo pela Junta de Freguesia de São Bartolomeu. Outro novo comandante da PM, Euclides Santos, foi empossado em Janeiro.
A Câmara Municipal continuava a apertar os comerciantes até ao último suspiro. A Ourivesaria Costa foi esbulhada de todo o seu recheio, e eu a perorar sobre a insustentável leveza de ser comerciante. A minha tia Aida partiu para não mais voltar. Para onde caminhamos? Aflorava a questão.
Coimbra era uma cidade de ilhotas -pelo menos sob o meu olhar. Hoje estará diferente? O Sol andava nublado. O prédio decrépito do Largo da Freiria desafiava as leis da gravidade. Adivinhem se alguma coisa se alterou nestes sete anos. A Baixa morria perante os nossos olhos. No entanto, como a contrariar um marasmo implantado numa zona decrépita e a dar início a uma recuperação vertiginosa na zona das Escadas de Quebra Costas, abria o Fangas, Mercearia & Bar.
Chamava a atenção para os jardins suspensos, como quem diz, para o esquecimento da nossa história recente. O lixo na Baixa era um problema. O remoer da loucura na vida social foi e será sempre uma eterna e pertinente questão. Decorria na urbe uma importante peça teatral: a farsa de Dona Vitália. Era um ver e não ver. O que nos valia era a menina Francelina. Em todo o lado há sempre uma mulher misteriosa.
O Centro Histórico teve sempre presidentes de câmara que, fossem de direita ou de esquerda, sempre castigaram o comércio com taxas do absurdo. Claro que, por vezes, são obrigados a recuar -mas, para isso acontecer, terá de haver uma forte oposição dos lesados. Em contraponto, a sorte grande, de vez em quando, sai em Coimbra.
Como tolinho, em editorial, eu interrogava: o que querem “elesfazer da Baixa? É óbvio que ninguém respondia, e a miserável discriminação continuava: os velhos lobos do comércio, sem dó nem piedade, estavam condenados ao desaparecimento. Mesmo assim, nessa altura de 2010, os portugueses eram muito caridosos. O que nunca muda é a autarquia ao considerar os homens do comércio uma espécie de burro espanhol.
Uma infeliz certeza para a Baixa. O lojista era (e é) um cepo sujeito a todas as pancadas. Mas havia sempre tolos de vaidade. Surgiam imagens que não eram por acaso. Há dias, de dias, que deveriam acontecer todos os dias. Como o dia da tremoceira, por exemplo. Há sempre “Invictus” que nos marcam. Por outro lado, para nossa desconsolação, com a nuvem a obliterar o nosso olhar, os políticos, como é costume, fazem pouco dos “pequeninos”... e também dos “maiorzinhos”.
Dizia eu que, nessa época de 2010, a Baixa estava em morte clínica. Um exagero, claro está!

O que parecia estar em coma era o(a) nosso(a) Império. Mas havia sempre umas ofertas para esquecer a crise e embalar o consumidor. Era o começo das promoções em série “XXL”. Mas a Baixa, a desgraçada, continuava a cair aos olhos de todos. Um ouvido indiscreto apanhava sempre uma conversa aqui e ali. E podia até voar-se sobre um ninho de cucos.
Como já escrevi até à exaustão, o que sempre feriu mais quem trabalha nesta área velha foram os critérios pouco equitativos da edilidade. Foi sempre uma insensibilidade assustadora para esta amada terra de ninguém. Os comerciantes da Baixa até tinham descontos na morte. Os mendigos viam-se a dormir no patim de muitas entradas de prédios. E até havia quem colocasse bicos contra a indolência. Os Outlet's estavam a romper tentando contornar a crise da procura.
Algumas lojas desapareciam na noite. O comércio independente era já uma espécie em vias de extinção. Mas os velhos também morriam sozinhos. Debater o futuro? Sei lá?! Reivindicar o quê? E fez-se um jantar para falar da instabilidade económica que tocava todos. Sabia-se o que se queria, o problema era chegar lá. O pessoal resistia, resistia. Até se apelava a Deus para buscar forças. Mas, mesmo assim, a loja tradicional continuava a encerrar sem apelo nem agravo. Era o óbvio de La Palisse.
A direcção da ACIC, havia pouco tempo depois de empossada, realizava uma conferência de imprensa para falar da instabilidade que assolava o comércio. Mas a vetusta associação seguia o seu caminho. Há sempre quem procure o seu menino. Havia também os loucos das vielas manhosas. E interrogavam-se as estrelas.
A Perfumaria Pétala, a setenta metros da 2.ª Esquadra da PSP, foi assaltada. Para que serviam as câmaras de video-vigilância? Interrogava eu. E até fui à Assembleia Municipal. Chamava-lhe câmaras de ilusão. Até proclamava que precisava de uma câmara de inteligência. Eu sabia lá o que era uma revolução? E houve um desabamento anunciado. E quem era o proprietário? A autarquia, “off course”.

OAspirante” era o rei das ruas estreitas. A cidade se, por um lado, continua boazinha com os diferentes, por outro, sempre foi muito pudica. E quando se mija fora do penico lá vêm os puristas. Mas há sempre os últimos fingidores. E também os perdidos. O tempo também nos trocava as voltas. A Dona Altina, uma senhora muito conhecida, desapareceu sem deixar rasto. A ACIC dava conversa para boi dormir.

Às vezes, perante a miséria alheia, era impossível conter as lágrimas. A Polícia Municipal até multava ao amanhecer. No comércio era o alho e o reviralho.
Na política partidária, numa desilusão continuada que nos há-de levar à tumba, nunca mais aparecia o Dom Sebastião. Nem na crónica da semana passada. E escrevia sobre o Panteão Nacional, o nosso esquecido, mesmo à frente dos nossos olhos.
As fogueiras do Romal eram um espectáculo! Não há dúvida que só há bons líderes quando estão na oposição. Quando vão para o poder desaparecem no éter. 
A Avenida Central continuava embruxada. E já caiu a maldição?
O “forró” na Baixa persistia no descontrolo. O pão e circo sempre alimentou a alma do povo.
E, nesta crónica em que se remete para outras, conta-se a história dos primeiros seis meses de 2010.





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