terça-feira, 10 de outubro de 2017

EDITORIAL: ESTE PSD ESTÁ ASSIM PORQUÊ?

Resultado de imagem para psd
(Imagem da Web)




O Partido Social Democrata (PSD), com a anunciada não recandidatura de Passos Coelho, está à deriva. Se é certo que, nesta agremiação política social-democrata, o desnorte já vem de longe e esta não-inscrição de Passos é apenas mais um episódio num percurso de pouco mais de quatro décadas, é também correcto afirmar que se está perante uma oportunidade de renovação e não uma fatalidade, um percalço num longo caminho cheio de clientelas.
Antes de prosseguir, apresento uma ressalva, vou escrever na primeira pessoa. Não é que este modo verbal altere ou dê alguma importância de maior, mas somente por uma questão de facilitar a minha exposição de cidadão comum.
Embora me sinta independente de todas as forças partidárias, é com o PPD-PSD que, desde a primeira eleição nacional, em 1976, para o Parlamento, me sinto mais identificado ideologicamente. Curiosamente, depois da morte de Sá Carneiro, em Dezembro de1980, progressivamente fui-me afastando e só esporadicamente votei nas suas listas para as legislativas.
Depois do desaparecimento de Sá Carneiro foi eleito Pinto Balsemão, reinando entre 1981-83. A seguir foi Nuno Rodrigues dos Santos em 1983-84; depois Carlos Mota Pinto entre 1984-85. Destes presidentes, que ocuparam o cargo por curto espaço de tempo, para além de figurarem na história do partido, nenhum deles marcou profundamente a sua passagem.
Em 1985, depois da célebre viagem até ao congresso da Figueira da Foz, entrou em cena Cavaco Silva. Durante vários mandatos, até 1995, foi o que foi, ou seja, um conservador cinzentão à frente de um partido que nasceu como reação contra o corporativismo de estado; uma linha Social-Liberal, ligada à Social-Democracia defensora da democratização do Estado Novo e ligada ideologicamente à ‘ala liberal’ e, finalmente, uma linha Tecnocrática-Social, com preocupações mais ligadas ao desenvolvimento económico, privilegiando mudanças sociais e culturais como meio determinante de promover e alargar a democracia”.
Talvez se deva a Cavaco o que Portugal é hoje, ou seja um país periférico, improdutivo na agricultura e dependente em cerca de oitenta por cento das importações, que só agora, embora com dificuldade e com políticas envergonhadas, está renascer e a fazer recuperar o primeiro sector.
A seguir, em 1995, na mesma linha de Cavaco, foi eleito Fernando Nogueira que se manteve no cargo até ao ano seguinte. Em 1996 foi eleito Marcelo Rebelo de Sousa (actual Presidente da República) e manteve-se no cargo até 1999. Neste ano tomou assento Durão Barroso, que, depois de ganhar as eleições legislativas e ser nomeado primeiro-ministro em 2001, se manteve até 2004. Após três anos à frente do governo, trocando a chefia do executivo por um ordenado de 25 mil euros à frente da Comissão Europeia, entregou o partido e o comando do governo a Pedro Santana Lopes. Num acto muito duvidoso, este seria demitido do governo por Jorge Sampaio, mas manter-se-ia ao leme do PSD até 2005. Entrou Luís Marques Mendes e liderou o partido até 2007, ano em que seria substituído por Luís Filipe Menezes, que esteve até 2008. Manuela Ferreira Leite, a “dama de ferro”, tornando-se na única mulher-presidente esteve até 2010. Para além de sustentadas teses económicas a indicar o caminho do descalabro nacional liderado por José Sócrates, pouco ou nada acrescentou ao PSD. No fundo, na linha programática de Cavaco Silva, foi mais um timoneiro a contribuir para envelhecer ainda mais um agrupamento político que estava cada vez mais afastado das suas bases populares, que assentavam “numa adesão a um conjunto de valores e opções fundamentais, cuja consagração e respeito considera indispensáveis para a construção e consolidação de uma sociedade mais justa e mais livre.
Depois de várias tentativas falhadas para aceder ao poder, em 2011, entrou como presidente do partido Pedro Passos Coelho. Por demissão de José Sócrates, viria a assumir o cargo de primeiro-ministro até 2015.
Se até este ano de 2011 o PSD era já uma manta de retalhos onde, na mesma onda sucessória de outros partidos políticos, a “grande família” ocupava lugares e bons empregos na função pública, com a eleição de Passos Coelho os verdadeiros sociais-democratas ficaram com um líder que, desprezando a social-democracia, apenas buscava o poder a qualquer custo. Ao actuar no âmbito do ultra-liberalismo, no radical, mas sempre em nome do liberalismo, destruiu completamente a bondade de uma tese social de convivência humana e a matriz de um partido que outrora fez parte do seu programa.
A meu ver, Passos foi talvez o comandante laranja que mais mal fez à super-estrutura ideológica do partido.
Quem vier a seguir -imagino que Rui Rio- vai ter um trabalho dobrado. Se quiser recuperar muitos dos antigos apoiantes, o cidadão comum, o trabalhador assalariado, o pequeno e pequeníssimo empresário, vai ter de começar por fumigar e expulsar o “caruncho” que corrói o vigamento da estrutura há décadas. O PSD precisa de se reinventar. Necessita de um líder acima de tudo sério, que seja um exemplo para a sociedade -lembremo-nos por momentos o escândalo da Tecnoforma e da Segurança Social, de Passos. Que seja justo, quer com os fracos, quer com os fortes. Quem for eleito em Janeiro próximo, para além de ter de ser um homem desvinculado do aparelho, sem rabos-de-palha, terá de mostrar que é um político de verdade, não de circunstância mas para o futuro.

O QUE FOI O LIBERALISMO?

Sabemos todos que o liberalismo germinou na Revolução Francesa, em 1789, na tal trilogia “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. Ganhou personalidade logo no princípio do século XIX –por cá, no sobe e desce, implantou-se em 1820. Com as premissas revolucionárias de “eleições democráticas”, “liberdade de religião”, “liberdade de imprensa”, “livre comércio” –com mais iniciativa privada e menos Estado-, “direitos civis” -o cidadão como centro do universo, com direitos e prerrogativas sociais- e defesa intrínseca da “propriedade privada” –descentralização da terra e respeito absoluto pela pertença individual- desenvolveu-se e atingiu a celebridade por volta de 1850 e arrastou-se até finais do mesmo século XIX.

A SOCIAL-DEMOCRACIA

A social-democracia, enquanto ideologia política, surgiu no final do século XIX. De certo modo como evolução do liberalismo mas para suavizar a filosofia Marxista. No fundo pretendia combater a ortodoxia Marxista. Esta, denegando a acção política, entendia a supremacia económica num determinismo planeado. Por outro lado, Marx defendia que a mudança social só era possível em corte horizontal, com uma revolução. O conceito de social-democracia, embora sendo de esquerda, preconizava que, através do reformismo, era possível a transição para o Socialismo gradualmente, tornando a sociedade mais igualitária, sem golpes transversais.
Com a Primeira Grande Guerra a decorrer, após a revolução bolchevique, em 1917, com milhares de mortos, que derrubou a autocracia russa e elevou ao poder Lenine, estava criado o vírus pandémico de temor para a Europa e para a necessidade de um novo conceito de social-democracia. A crise de 1929 veio mostrar a indispensabilidade de criar o Estado de bem-estar Social para proteger e defender a população de grandes cataclismos naturais, sociais, e económicos garantindo o mínimo de dignidade social, desde o nascimento até à sua morte. Com o sucesso da Social-Democracia nos países do Norte da Europa logo a seguir ao final da 2ª Guerra Mundial, após a queda dos regimes ditatoriais e autoritários, os países do Sul, incluindo Portugal, por alturas de 1970, adoptando a Democracia, transformando-se em estados de Direito, aplicaram a mesma fórmula de Estados Providência dos países nórdicos. Porém, com enormes diferenças. Lá, nas nações escandinavas, retirando os pilares estruturantes como educação, saúde e justiça, só é distribuído pelo Estado o que cada um, proporcionalmente, contribui ao longo da sua vida. No Sul da Europa, mais essencialmente em Portugal, fez-se o contrário. Num igualitarismo exacerbado, entendeu-se que, pelo simples facto de serem cidadãos, todos tinham direito a receber, mesmo sem contra-prestação. Para piorar, os directores-gerais, outros e políticos de carreira, com as suas subvenções e reformas milionárias e outras benesses que chamaram para si e para as suas famílias, para além de erros crassos na administração (sobretudo com a crise bancária) elevando até ao infinito a dívida pública, fizeram com que, em consequência, o que resta hoje da matriz social-democrata seja um esqueleto.

O ULTRALIBERALISMO

O ultraliberalismo, também chamado de neoliberalismo, embora absolutista, é inspirado na corrente social-democrata da segunda metade do século XX no Norte da Europa mas com diferenças radicais e autoritárias. O liberalismo/social-democracia defendia a livre concorrência e a livre iniciativa mas sempre com o Estado a regular a economia, evitando as assimetrias económicas, acautelando que o grande capital mundial, pela sua força aglutinadora, não submergisse a pequena economia. Por outro lado, garantindo os direitos dos trabalhadores, regulando as leis do trabalho, e, ainda e sobretudo, que as grandes empresas nacionais estruturantes se mantivessem na sua posse. O ultraliberalismo veio derrubar todas estas antigas premissas de equilíbrio entre o Estado e cidadão e entregar de bandeja as nações, o seu povo, ao grande capital, selvagem e sem pátria.
Pode afirmar-se sem possibilidade de erro que em Portugal começou com José Sócrates, em 2005. Com o “crash” de 2008, tornou-se viral e com a motivação substantivada na razão para o endurecimento de medidas cada vez mais cerceadoras dos direitos e aflitivas para o cidadão. Com Passos Coelho a usar e a abusar da mesma fórmula baseada na crise, desvalorizando o valor do trabalho no custo da produção e com a quebra de direitos levando-nos ao empobrecimento colectivo, aproximamo-nos cada vez mais dos países emergentes. O que resta hoje da Social-Democracia versus Liberalismo é uma mera sombra. É um projecto inscrito num livro empoeirado que repousa no sótão da nossa esperança.

Sem comentários: