sábado, 24 de junho de 2017

EDITORIAL: SERÁ COIMBRA RASTEIRA E MANEIRINHA? É OU NÃO?





Na última quarta-feira, com organização do  Lions Clube de Coimbra e com a colaboração dos Rotários de Coimbra, por volta das 18h00, realizou-se uma tertúlia  no Café Santa Cruz para, em balanço, debater os quatro anos da declaração de Património Mundial da Alta/Sofia.
Na mesa de painel esteve Celeste Amaro, a representar a Direcção Geral da Cultura, Clara Almeida Santos, pela Universidade de Coimbra, Carina Alves, vereadora da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) com o pelouro da cultura, e Pedro Machado, presidente do Turismo Centro de Portugal. Todos doutores, obviamente e como manda a cartilha.
Com a sala do vetusto café repleta por interessados cuja maioria era constituída por membros do Lions e dos Rotários, o moderador, Hélder Rodrigues, com um elogio aos oradores, convidados especiais e à Universidade de Coimbra, dizendo que a palavra seria dada primeiramente à mesa, aos convidados especiais e depois à assistência, a quem quisesse falar, entre sorrisos de pivot que tentava concentrar toda a atenção, deu início à cerimónia.
Como é normal em eventos sérios deste género de debate, a primeira hora é dedicada ao painel, em que cada um, depois de interpelado por um moderador, vai discursando em defesa do lugar que ocupa e das medidas que tomou, e a segunda hora é para o público assistente que, inscrevendo-se por ordem, através de braço no ar, vai colocando as suas questões a cada um dos representados ou a todos em conjunto.
Esta primeira hora de explanação passou depressa com os ilustres mandatários a exporem e a justificarem o seu trabalho à frente das entidades a que eram adstritos e responsáveis máximos. Ainda que envoltos num manto de largo espectro de divindade, aparentemente, pela simplicidade como se apresentavam, o ambiente era leve como uma pluma e prometia uma troca de ideias em família sem grandes constrangimentos.
Veio a segunda hora. O público atento, minado pela ansiedade à espera de intervir, começou a agitar-se. Na sala começou a ver-se braços no ar erguidos ao Céu. Aparentemente sem notar o que se estava a passar, o moderador, como um jogador de futebol a driblar no meio-campo, manobrava e prendia a conversa entre os membros da painel. Vieram as 19h05 e, com um enaltecimento, o moderador entregou o microfone ao médico Fernando Regateiro, presidente do Centro Hospitalar de Coimbra, que se encontrava sentado na primeira fila da assistência e que fazia parte dos quatro “convidados especiais” a que aludira Hélder Rodrigues na apresentação inicial. Tudo indicava que, finalmente, a palavra iria passar para quem assistia. Regateiro, professor universitário mas que conhece bem os problemas da cidade, fez uma boa intervenção, curta e concisa: “será que Coimbra está a capitalizar a classificação com que foi contemplada?”, interrogou. As pessoas que queriam intervir suspiraram e mais uma vez ergueram o braço. “Será que é desta que vamos tomar a palavra?”, pareciam perguntar em silêncio. Como se o moderador tivesse percebido e estivesse ali para contrariar, mais uma vez com teatralização e a demorar demasiado tempo na explanação das perguntas, elencando os problemas de Coimbra, passou a palavra a José Manuel Silva, ex-bastonário da Ordem dos Médicos e candidato às eleições para a CMC em Outubro. Silva, que não deixa créditos por mãos alheias, durante cerca de quinze minutos, como se estivesse em campanha, espalhando ali a sua carta de princípios, foi dizendo que há duas Coimbras com algum conflito entre si, sendo uma cidade de tricas e que nem sempre conviveu bem, e que faz com que, numa psicose maníaco-depressiva ainda não aprendeu a conviver pacificamente. Ao meu lado, uma velhinha comentou em surdina: “porque está cá este candidato e não os outros?”.
Com o relógio a marcar 19h35, já desesperadas e com pouca fé de tomarem a palavra, uma ou outra pessoa, sem reclamar porque, valha-nos Deus, parecia mal, lá levantava o braço para passados minutos, cansada, o baixar. Comigo acontecia o mesmo: ora o levantava, ora o baixava. Eu fora ali com o intuito de, olhos-nos-olhos, interpelar o painel e sobretudo Pedro Machado, o dirigente do Turismo do Centro de Portugal. Começou a germinar em mim uma enorme revolta contra a o que estava a acontecer ali. Prometi a mim mesmo erguer o braço e não mais o baixar até que me fosse dada a palavra. Alheio ao meu teimoso gesto, mais uma vez com um “muito obrigado senhor doutor”, agradecendo a José Manuel Silva, pegando novamente no micro o moderador passou para Fernanda Cravidão, professora universitária. Durante cerca de um quarto-de-hora esta doutora, docente de letras, fez uma viagem pelos efeitos que o turismo estava a causar na cidade. Disse, nomeadamente, que com a distinção da UNESCO é preciso pensar a cidade. Que as viagens organizadas começam na rua larga, vão à Universidade e duas horas depois vão embora. Terminou com a frase: o turista é da cidade mas a cidade também é do turista”.
Faltava intervir a estrela polar da cidade: Miguel Júdice, advogado e dono da Quinta das Lágrimas. Hélder Rodrigues, o moderador, estendendo-lhe a passadeira vermelha de louvação, cheio de sorrisos rasgados perante o causídico que, disse, é um cidadão do mundo, que veio de Lisboa de propósito para estar ali. E entregou o micro a Júdice. Contrariando o moderador, Júdice afirmou que não era um cidadão do mundo mas sim um emigrante. E todos os emigrantes gostam da sua pátria e o que é que fazem? Todo o dinheirinho que ganham investem-no na terra onde nasceram. E que gostava mais da crítica frontal do que do elogio. Enquanto micro-pequeno empresário teve sempre uma excelente colaboração com as quatro entidades ali representadas, Podia garantir que há muitos anos que isso acontecia, disse. Este “convidado especial”, falou de Coimbra, falou, falou e voltou a falar. E sem que o gestor dos tempos de antena tivesse um gesto para lhe fazer encurtar o discurso. Disse ainda Miguel que não sabia o que era o Centro. “O Centro? Que é isso de Centro?” E terminou com a frase: “Desculpem eu ser desmancha-prazeres: eu acho que se está a trabalhar bem. Desculpem lá! É a minha forma provocatória de ver as coisas”. E o povo presente bateu muitas palmas, tantas que até ali ao lado, na igreja, Dom Afonso Henriques estremeceu com tanta lamechice. Apesar do tempo escassear, ainda houve tempo para o moderador lhe atirar que andaram os dois na mesma escola. E o dono da quinta das Lágrimas a dizer que era mais velho do que Hélder.
E eram praticamente 20h00, e sem que alguém da assistência desse uma palavra. Indiferente ao meu braço no ar e ao desejo de outros se exprimirem, o moderador, em acto de contrição, tentando mostrar a sua mais humilde mea-culpa, atirou: “bem, meus amigos, isto está a acabar! Eu tenho imensa pena!...
Foi então que me insurgi com que estava a acontecer ali. Seguindo o meu exemplo mais duas pessoas pediram a palavra.

É PRECISO DIZER: BASTA!

O que se passou no Café Santa Cruz, no fundo, no fundo, para mim não foi uma completa surpresa. Estes eventos começaram em Maio de 2012, no restaurante “Be Fado”. A seguir no Café Santa Cruz. E repetiu. Depois no restauranteA Brasileira”. Foi uma vaga de tertúlias patrocinadas pelo Lions Clube de Coimbra e com Hélder Rodrigues como moderador. Surgiram como cogumelos em terra fértil. Foram sempre em circuito fechado. Eram as tertúlias de Coimbra. Deu para ficar (en)tertulia(do). Talvez porque foram sempre encontros dirigidos a uma elite, a sociedade civil nunca aderiu as estas iniciativas Nessa altura, em 2012, escrevi assim: “a pretensa “tertúlia” de ontem, sem pretender ofender alguém, foi algo de timorato. Foi uma feira de vaidades já recorrente nestes encontros do Lions Clube de Coimbra, onde a bajulice pindérica impera. De tertúlia teve pouco e muito menos debate com o público assistente. Curioso verificar que se esteve presente em face de um paradigma de uma “certa outra cidade elitista” e separada dos “futricas”.
Chegou a recomeçar a iniciativa em 2013 mas foi sol de pouca dura.
Em 9 de Abril do ano passado gerou-se nova partida, mas ficou-se apenas por dois ensaios.
Em todos estes encontros a que assisti, foi um esparramar de melaço onde o elogio fácil e barato aos “doutores” foi uma constante. Era como se estas tertúlias fossem um modelo de serventualismo do regime, uma bajulação de egos, um certo espírito coimbrinha que tanto se fala em exorcizar, mas que ali, num renascimento incomodativo de lesa-cidadania, teimava em vir ao de cimo.
Tal como aconteceu nesta tertúlia do Café Santa Cruz, em todos estes eventos o moderador Hélder Rodrigues funcionou sempre ao sabor da maré. Isto é, sem organização, sem gestão de uma parcela de tempo destinada aos oradores e outra ao público presente. Houve sempre complacência para o senhor doutor e muita exigência para o futrica.
(Graças ao serviço público prestado por Fernando Moura, no site Notícias de Coimbra, pode visionar aqui tudo o que se passou no Café Santa Cruz. Clique aqui em cima)

E A UNIVERSIDADE PATROCINA ISTO?

O que se lamenta é que a Universidade de Coimbra, num amadorismo que não se entende, dê cobertura a um evento que deveria ser bem organizado e decorrer, por exemplo, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Coimbra. O que assisti foi a uma coisa desqualificada, sem jeito, comezinha.
Quem mais saem prejudicadas são as entidades ali representadas. Não se pense que o munícipe se importa com alguma coisa. Há muito tempo que o cidadão foge destas palhaçadas como o diabo da cruz. Não participa porque, por um lado, não percebe o que ali se diz e, por outro, não quer ser humilhado.
Para quem esteve no Café Santa Cruz, deu impressão que havia ali um acordo tácito entre o painel e o moderador para que não houvesse interpelação por parte da assistência -confesso que, no imediato, foi esta a minha interpretação. Pensei que aqueles representantes estavam ali para debitar opiniões sem quererem ser questionados e contestados pelo cidadão-comum. Depois, tendo em conta o antecedente, cheguei à conclusão de que a pretensa construção da barreira invisível de protecção foi somente o resultado de um evento medíocre e sem ordem organizativa. Mas, mesmo assim aos meus olhos, não deixou de representar uma vergonha. A Universidade de Coimbra, mesmo por omissão, enquanto centro de universalidade, não pode contribuir ainda mais para o aumento de um divórcio litigioso entre a sociedade civil e as instituições.

Sem comentários: