quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

TEXTOS ANTIGOS QUE, PELA SUA ACTUALIDADE, NUNCA PASSAM DE MODA

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





"Letorneau, affirmando que “desde que há homens sobre a terra nunca tiveram mais terriveis inimigos que os seus proprios semelhantes”, expoz uma triste verdade categoricamente confirmada pela história da cooperação social.
Filha dos laços do sangue, como quer Maine, dos confflictos entre differentes grupos sociaes, como opina Spencer, ou da conquista da natureza, como, talvez mais avisadamente, pretendem outros, o que é certo é que a cooperação social se tem realisado sempre no meio do mais profundo antagonismo de interesses e paixões. A par da lucta do homem contra a natureza, que constitue a mais grandiosa epopêa da humanidade, surge e desenvolve-se, determinada por aquelle antagonismo, a lucta horrivel do homem contra o homem.
A transição da vida selvagem para a pastoril, da vida pastoril para a agricola e d'esta para a industrial, que representa as brilhantes victorias alcançadas pelo homem na conquista da natureza, é tristemente assignalada pela luta das hordas, tribus, povos e raças entre si, e das classes e individuos no proprio seio dos differentes agrupamentos políticos. Ao mesmo tempo que o homem affirma e desenvolve a prodigiosa força da sua inteligência e a fecunda energia da sua vontade chegando a fazer collaborar com ele, na propria lucta contra a natureza, as forças naturaes d'esta, revela e expande o seu atroz egoismo na lucta contra o seu semelhante, em que o forte ou extermina o fraco, livrando-se d'um concorrente, ou o subjuga e domina, utilisando-o. Ao lado do animal domestico apparece-nos o escravo; a par do arado o servo da gleba e juncto da machina o operário.
As necessidades e paixões que incitam o homem á lucta pela vida, pelo poder e pela riqueza, levam-no a apoderar-se de todos os meios que conduzem a qualquer d'esses fins. Não se empregam maiores esforços na lucta contra a natureza do que na lucta do homem contra o homem; quando por meio d'esta mais facilmente se pode conseguir o que se deseja, é para ahi que se dirigem as actividades. A força tende sempre para o lado que menos resistência offerece.
Os que julgavam que as progressivas conquistas realisadas pelo homem nos dominios da natureza, augmentando com a productividade do trabalho o bem estar social, teriam como resultado natural a successiva mitigação da lucta pela existencia entre individuos, têm soffrido uma cruel desillusão. É exactamente n'este seculo em que a iniciativa e o engenho do homem dão um desenvolvimento extraordinario á produccão e circulação das riquezas; em que só a Europa occidental conquista para a humanidade mais invenções do que ella havia conseguido durante vinte seculos, que a lucta social se torna mais intensa. É que as desegualdades sociaes que se vão formando e acumulando pela accão lenta e insensivel d'essa lucta, os abysmos enormes e insuperáveis que se vão cavando entre os vencedores e os vencidos, levam comsigo o germen da discordia, que os interesse e as paixões humanas desenvolvem d'um modo prodigioso.
E, uma vez estabelecidas essas desegualdades, parece que o resultado da lucta social se pode reduzir a esta simples formula: sempre mais para quem mais possue e cada vez menos para os desherdados. É com uma rapidez prodigiosa que a felicidade, o poder, a riqueza e a consideração se vão engrandecendo d'um lado; a desgraça, a debilidade e a miseria augmentando do outro. Parece que as leis inexoraveis da produção, circulação e distribuição das riquezas promovem e secundam essas desegualdades, e que o direito, a moral e a religião são impotentes para contrariar a sua accão.
Alteram-se as instituições economicas, soffrem uma constante evolução os principios da moral e da justiça, e a lucta do homem contra o homem, com o seu enorme cortejo de desegualdades, persiste.

(“O lucro e a questão economica”, por Guilherme Alves Moreira, 1891)


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