sábado, 5 de novembro de 2016

A BAIXA VISTA DA MINHA JANELA





TEXTO ESCRITO A QUATRO MÃOS.
POR MÁRCIO RAMOS E LUÍS FERNANDES


Coimbra tem na sua zona mais antiga o titulo de Património Mundial atribuído pela UNESCO. Uma distinção merecida. Basta visitar a Alta e a Baixa para visualizar o vasto património histórico, cultural, paisagístico e arquitectónico -sem esquecer que Santa Clara também faz parte da zona baixa. Mas há outros locais da cidade que merecem uma visita demorada, nomeadamente, Celas, Olivais, o Penedo da Saudade, miradouro inesquecível e recanto de poetas, São José e os jardins paradisíacos Botânico e Sereia.
Devido à sua riqueza monumental, para bem de todos, Coimbra está a modificar o seu “modus vivendi”. Tal como outras urbes do país, Lisboa, Porto e outras, está a transformar-se num polo turístico mundial. Em consequência desta “invasão” pacífica, já há na cidade empresas viradas para este sector e, é de supor, muitas outras surgirão.
Mas há um pormenor que, a meu ver, não é muito justo para os turistas e até para os citadinos. Ou seja, muito do vasto património da cidade ou está encerrado e vedado ao público ou paga-se caro para entrar. Por exemplo, e volto novamente a carregar na mesma tecla, a Rua da Sofia -que, a par da Universidade, foi objecto principal de classificação pela UNESCO- tem vasto património e está tudo fechado –não passou muito tempo, requalificaram uma igreja e chegou a estar aberta, depois, em mimética, seguindo a linha das demais, trancaram portas até hoje. Muitos monumentos destes dois grupos está em degradação.
Antes de prosseguir, gostava de dizer que para residentes na cidade deveria haver um preço de ingresso diferenciado. Claro que não falo de museus, cuja entrada sempre foi onerada, mas sim dos claustros de algumas igrejas.
Continuando, dizem que para visitar, o pagamento é necessário e a receita é aplicada em melhoramentos. Não sei se é. Embora pense que se não é deturpa completamente e torna injustificável a obrigação.
Por outro lado, sendo os monumentos um gerador de receita, como é que se entende que o Estado os deixe apodrecer no mais gritante abandono, sobretudo quando, em complemento, podem ter verbas elencadas no Orçamento?
Outro exemplo, embora de contornos diferenciados, é o Convento de Santa Clara-a-velha. Gastaram-se milhões na sua recuperação, no entanto, tal não impediu que nas últimas cheias do Mondego alagasse tudo e, segundo a imprensa, apresentasse um prejuízo incalculável -já que afectou achados arqueológicos. De quem é a responsabilidade? Não há? A culpa morre solteira? E, já agora, junto também o projecto mal-concebido do Parque Verde, no âmbito do Programa Polís. Foram uns milhões por água-abaixo. Bem sabemos que o orçamento camarário, aligeirando a aselhice do projectista, vai recuperar os danos. Mas de onde vem o dinheiro? E, mesmo que se regularize o leito do rio, com o prometido desassoreamento, durante quantos anos se garante que se mantém a obra incólume e o espaço sem destruição? Num vício sem erradicação à vista, caímos nisto. Nunca há culpados. Até se entende por que a teta do mamar, aparentemente, é grande e nunca seca. Para preencher incompetências sobem-se impostos e o “”, burro de carga, humilde, simpático e que raramente se revolta contra os governos predadores, locais e nacionais, que, para alimentarem clientelas, sofregamente chupam o Estado até ao tutano.
Ainda no caso do Mosteiro de Santa Clara, com um investimento de requalificação tão vultuoso, admite-se que a entrada seja feita em labirinto e pelas traseiras?
Com estas críticas ao edificado histórico, surgiu-me um pensamento de uma ideia aplicada em Lisboa, em 2014. Refiro a polémica taxa de um euro aplicada a turistas -curiosamente, por António Costa, actual Primeiro-ministro e na altura presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Em 2015 aplicou-se às chegadas de passageiros e a partir de Janeiro de 2016 a todas as dormidas, sejam da hotelaria ou do alojamento local.
Como ressalva, a título de honestidade intelectual, manifestei-me contra esta medida.
Li há pouco na imprensa que, com o resultado desta taxa, vai ser reconstruido um palácio na zona da capital.
Pergunto: por que não fazer o mesmo em Coimbra? Isto é, pretendendo ser Coimbra uma cidade turística de excelência mundial, por que não aplicar a mesma taxa a quem nos visita? E, repetindo, que as verbas resultantes, em percentagem, fossem distribuídas para a recuperação de vários monumentos. Quero dizer que, com regras claras e sem saco azul, uma fatia desta riqueza deveria ser sempre empregue no monumento que mais receita gera e lhe dá origem.
Não chega afirmar que a Universidade de Coimbra está a fazer um bom trabalho -como recentemente foi afirmado num debate. Em nome do bom-senso, em balanço de três anos de classificação pela UNESCO, é preciso inventariar o que foi feito até agora e que deve ser melhorado -sabe-se que a Câmara Municipal de Coimbra, proximamente, vai publicar o resultado de um questionário feito aos turistas que nos visitam. É acertado e um primeiro passo. Aguardemos. 
Sobretudo no turismo, por ser internamente uma área dinâmica mas sempre dependente de factores externos, está subordinado à instabilidade securitária de países concorrentes, por conseguinte, é importante que esteja permanentemente a ser observada a sua evolução. Para isso mesmo existe no Governo a pasta de Secretária de Estado, no caso, da responsabilidade de Ana Mendes.
Com muita pena por não ser politicamente correcto, não embarco na tradicional frase feita de que tudo está bem e recomenda-se. Coimbra, apesar de melhor, continua a sofrer de raquitismo e merece mais. E quando escrevo que merece mais, englobo também os operadores, incluindo comerciantes e hoteleiros, que, em nome de um transcendente serviço social para a comunidade, têm de perder o egoísmo que se traduz no “se não tenho movimento ao Sábado de tarde estou encerrado”. Olhando para a Natureza, primeiro é preciso semear e só depois vem a colheita. Se queremos construir uma cidade melhor, cabe a cada um de nós exigir mas também contribuir com um pequeno esforço. Temos, todos, de deixar de acreditar que a solução dos nossos problemas reside unicamente na entidade que superintende.

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