sexta-feira, 21 de outubro de 2016

UMA VISITA PESSOAL AO (NOVO) TERREIRO DA ERVA





Depois das profundas obras de requalificação, hoje fiz uma visita demorada ao novo Terreiro da Erva. A intenção examinadora não era apenas conseguir avaliar as modificações que o restauro acrescentou a um espaço profundamente degradado no coração da cidade. Era também tentar entrar no âmago do largo, apreender uma hipotética leitura que sai de dentro do chão e do casario em redor, penetrar no seu “espírito” da mesma forma que, pausadamente, se olha uma pintura antiga sobre diversos ângulos e se adivinham recortes que a maioria não vê, ou, com o mesmo sentimento, se degusta um bom vinho, sentado, no silêncio de uma sala carregada com história.
Como bom cidadão coloquei de lado o facto de não ter sido convidado pelo meu colega Manuel Machado, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, para o corte da fita -se é que já foi. Afinal, um bom munícipe não deve guardar rancores avulsos ou ressabiamentos prostáticos. Por isso mesmo, como ressalva, declaro já que não vou escrever mal, gratuitamente, apenas só por dizer. Escreverei o que penso.
Caminhei pela Rua Direita. Erecta sobre o Céu e a mostrar que as forças políticas estão atentas às próximas eleições autárquicas, como “big sentinel” a vigiar os meus movimentos estava a enorme grua que ontem foi inaugurada por um elemento governamental.
Entrei no vetusto espaço agora com solas novas, como quem diz com o chão todo bem-atapetado, e fiz analogia com um provável último “lifting” de Lili Caneças, recentemente mandado realizar no maior cirurgião plástico lisboeta. Isto é, a pele do rosto está esticadinha mas as orelhas e o pescoço, pelas engelhas umas em cima das outras, conservam o peso do tempo.
No moderno Terreiro da Erva o chão está magnífico com a mistura geométrica entre a calçada portuguesa e a pedra branca calcária. O problema é a envolvente de degradação que nos invade ao pisar a primeira laje. Bem sei que, sendo prédios de propriedade particular, pouco se poderá fazer mas, mesmo assim, na pouquíssima manobra, alguma coisa terá de se inventar para alterar a decrepitude que nos fere e toma de assalto. Sei lá, nem que, com autorização dos donos dos edifícios, se recorra a pinturas murais, vulgo grafites. Assim carregado de escombros, a sensação que dá é a de um oásis no meio de um deserto.
Por outro lado, o magnífico espaço térreo conquistado aos outrora carros estacionados, mesmo com bancos, surge-nos demasiado despido, vazio de decoração figurativa, sem elementos de contorno paisagístico. Naquela área central falta qualquer coisa que lhe dê mais vida. Pode parecer ironia mas não é mesmo, poderia até ser uma fonte com repuxo. Ou, na impossibilidade de alterar o projecto inicial, por exemplo, poderia ser equipamento movível para as crianças se divertirem -lembro que a poucos metros funciona há cerca de quatro décadas o Centro Social e Cultural 25 de Abril. Com cerca de 120 crianças, este jardim de infância e tempos livres não detém instalações devidas para o recreio dos miúdos. Ainda que pareça paradoxal, aliás, nesta zona do Terreiro da Erva, socialmente degradada e parcialmente abandonada, fará todo o sentido atrair crianças para brincar, é uma forma subtil, sem grande esforço, de se afastar do largo muitos dos toxicodependentes e outro pessoal que ninguém quer por perto.
É também certo que as esplanadas dos estabelecimentos hoteleiros em redor, o Reis, a Casa das Bifanas e outros, ainda não estão a funcionar, e quando forem repostas darão outro colorido ao espaço. Assim como as árvores ainda estão em fase de crescimento e, por enquanto, pouco contribuem para embelezar o vazio terreiro.
Em resumo, salvo os pormenores apontados, que facilmente serão remediáveis, estão de parabéns o coordenador do projecto, salvo erro, o engenheiro Sidónio Simões, do Gabinete para o Centro Histórico, e o executivo da Câmara Municipal de Coimbra. Diga-se o que se disser, saem com elevada nota positiva nesta requalificação. Ganhou a Baixa, ganhou a cidade.

Sem comentários: