sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O GRITO, A INDIGÊNCIA DO SEM-ABRIGO E A BAIXA VISTA DA MINHA JANELA

(Imagem retirada, com a devida vénia, da página de António Madeira)




Ontem, António Madeira, um reconhecido e considerado industrial de hotelaria com estabelecimento de alojamento local certificado há várias décadas na Rua da Moeda -a Hospedaria Moeda-, insurgia-se na sua página do Facebook, com texto e fotos, contra o estacionamento de uma carrinha da Associação integrar e, presumidamente retirado da sua crónica, o “espectáculo” proporcionado pelos sem-abrigo próximo da sua pensão.
Começo com três ressalvas, a primeira, é que não me identifico com a linguagem empregue por António Madeira -que reconheço como pessoa de bem- contra a Associação Integrar. A segunda, conheço relativamente o trabalho da Associação Integrar -por que já lhe pedi ajuda para terceiros e respondeu positivamente ao apelo. Com esta emenda, quero dizer que, conhecendo os dois intervenientes um pouco, homem e instituição, procurarei ser justo, isto é, escrevendo o que penso sobre este assunto com independência.
Depois de tentar garantir alguma objectividade, sem me outorgar de superioridade moral, digo até que até já escrevi um texto pouco abonatório sobre as associações em Coimbra sobre a ajuda prestada aos mais desfavorecidos. Tenho uma opinião bem clara sobre como se deve lutar contra a pobreza.
E agora sim, vamos lá opinar sobre este grito lançado por António Madeira. Como o conheço, repito, e algumas vezes falo também com alguns seus colegas com estabelecimentos de dormidas nas proximidades, sei das suas enormes dificuldades em mostrarem um cenário visual limpo para que os seus clientes, sobretudo turistas, possam, sem ficarem mal-impressionados pela agressiva paisagem, aceder e ficarem hospedados nas suas casas de alojamento. Durante a noite, e sobretudo ao fim-de-semana, o estacionamento é de tal maneira caótico que chegam a bloquear as suas entradas com carros -já presenciei isto mesmo várias vezes. Como se não chegasse, o meio-envolvente da zona do Bota Abaixo, durante a semana, quer durante o dia, quer durante a noite, para quem não o frequenta e pensa o pior, pelo caos instalado, nomeadamente a venda ambulante anárquica e a toxicodependência associada ao largo, são diminuidores que prejudicam quem quer trabalhar e a desordem não permite. Dai até compreender o grito de ajuda de António Madeira e, de certo modo, desvalorize o fraseado empregue.
E agora vamos então à questão, em concreto, dos sem-abrigo apoiados pela Associação Integrar. Vamos por partes. O problema não é de substância mas de forma. Vou explicar melhor. Linearmente, pela substância, não se pode estar contra a ajuda prestada aos desabrigados da sorte. Estou em crer que se este trabalho, de distribuir comida, não fosse apoiado como é, mais que certo, haveria muitos mais assaltos na Baixa. A busílis reside na forma, ou seja, como os alimentos são distribuídos na rua. E como é que é feita esta distribuição? Pode interrogar-se. Por volta das 21h00, por exemplo, junto à Loja do Cidadão começa a juntar-se um aglomerado de pessoas -algumas delas que nos cruzamos diariamente nas ruas e nem imaginamos que estão a viver um período conturbado das suas vidas. Mais quarto-de-hora menos coisa depois, vem então a carrinha da Integrar -já foram outras mais associações. Forma-se uma fila de pessoas e os técnicos desta associação de solidariedade, tratando todos pelo nome próprio, começam a distribuir, em alguns casos, se calhar, a primeira refeição do dia para muitos dos enfileirados. Nesta acção solidária, está errado o que fazem? Pode-lhes ser assacada alguma culpa formada? Creio que não. Então o que está mal?
Às vezes várias dezenas, a imagem mostrada de pessoas em fila indiana em espera de alimentos, salvo melhor análise, transporta-nos para filmes sobre o Holocausto, na Segunda Guerra Mundial. Não sendo ilegal, é ofensiva para os mais sensíveis. No fundo, sem o ser juridicamente -pelo choque ou indiferença- é discriminatório, de facto, para quem se apresta a receber alimentos, ou outras dádivas. Porém, saliento, esta interpretação não cabe ser avaliada por quem dá um passo importante para alimentar corpos -primeiro salva-se o corpo e depois a alma. Ninguém se recupera socialmente de estômago vazio.
Então, chegados aqui, já podemos apontar baterias a quem deve cuidar desta imagem desgraçada da nossa sociedade. E o que deveria ser feito para não mostrar este quadro? Por exemplo, a autarquia disponibilizar um dos seus alguns prédios encerrados na Baixa e a distribuição de géneros passar a ser feita fora de olhos públicos, acusadores ou indiferentes, tanto faz.
E a quem cabe desenvolver esforços? À Câmara Municipal, através do pelouro da Educação, Acção Social e Família, na pessoa do vereador Jorge Alves -que, para além de ser um homem sensível às causas sociais e, parece-me, ser o indicado no lugar certo, curiosamente, foi presidente da Associação Integrar durante muitos anos.
Vale a pena pensar nisto?

1 comentário:

Anónimo disse...

Nunca vi uma coisa assim. Não falo da ação da Integrar, mas sim das palavras e ameaças do senhor António Madeira. Espero então pelos novos episódios.
Já agora o que faz a Integrar e a forma que o faz, é o mesmo que fazem organizações congéneres pelo mundo todo. Apetecia-me dizer mais coisas, mas poupo palavras, porque não estou em minha casa.