quarta-feira, 17 de agosto de 2016

"O DEVER DA CRÍTICA"

Luiz Cabral de Moncada

(TEXTO E FOTO DE LUIZ CABRAL DE MONCADA - RETIRADOS DO ECONÓMICO)



"Os cidadãos portugueses não devem deixar passar nada de censurável pelo que toca à conduta da classe política. E isto nada tem que ver com a preferência partidária de cada um. A pertença a um partido político é simplesmente um meio de participação na vida política e não o pretexto para ignorar o que não pode ser ignorado ou para desculpar o que não é desculpável.

Os cidadãos, nestas condições, não devem fidelidades aos partidos. Devem é a eles próprios e aos outros. Não devem deixar de manifestar a sua opinião mesmo que tal não convenha ao partido em que militam ou com que simpatizam. Ao criticar o cidadão está a prestar um favor a ele próprio e aos outros e, em última análise, a melhorar a qualidade democrática.
O dever de criticar compreende-se muito claramente no contexto actual. Vejamos; desde sempre que o pensamento político enfatizou que o governo devia caber aos mais aptos e aos mais sérios em suma, a uma aristocracia do mérito integrada por homens devotos à causa pública e dispostos aos sacrifícios necessários ou seja, contando antecipadamente com as inevitáveis incompreeensões, contrariedades e até insultos. Ora, nada disto se pode esperar no nosso país nos dias de hoje. Como os partidos dispõem do monopólio do acesso à vida política que lhes é dado pela própria Constituição os políticos são tudo menos aquilo. Trata-se de indivíduos que na sua maioria fora da política não singraram em nada, sem profissão definida, muitos deles destituídos de qualquer cultura, com estudos feitos mal e à pressa, que necessitam da presença na política para sobreviverem no presente e garantirem a velhice. Como é que se lhes pode pedir o exercício da prudência e do discernimento qualidades necessárias à construção do bem comum? Não possuem a auctoritas que seria exigível. Daí à falta de qualidade, à incompetência, à prepotência, à saloiada e às vezes até à corrupção vai pouca distância. Só a crítica feroz da Sociedade Civil os fará recuar. Acresce em desfavor da qualidade democrática que o nosso poder político institucionalizado não tem interesse nenhum numa Sociedade Civil activa. Logo tenta desde a escola infantilizar o cidadão, não lhe cria hábitos de trabalho e de esforço, distrai-o com frivolidades, convence-o que a cultura é distracção gratuita, desabitua-o de pensar por si próprio e, por fim, tira alcance a intervenções referendárias e participativas.
É preciso, portanto, compreender que o regime constitucional português requer uma Sociedade Civil atenta, impiedosa para com a má conduta dos políticos, crítica, em suma, e para tal devidamente preparada. O monopólio partidário e a fuga à política da maior parte dos mais capazes a isso obrigam. Tudo se tem de esperar, portanto, do cidadão comum. A imprensa tem aqui um papel poderosíssimo. É mais do que nunca o quarto poder. Se a democracia portuguesa funcionasse melhor o papel da imprensa e do activismo democrático do cidadão comum não seria tão importante.
E, note-se, os cidadãos não se devem ficar pela crítica aos assuntos puramente político-partidários. Numa sociedade em que o Estado é fortemente intervencionista tudo é política desde a fraude fiscal ao atentado ao ambiente, ao património e ao urbanismo, à violência doméstica e ao desrespeito pelas diferenças. Ser cidadão é ser crítico e hoje em dia em Portugal só não exerce a cidadania quem não quer. E os meios de intervenção não são apenas políticos mas também são judiciais. Neste último aspecto o nosso país está até ao nível dos mais avançados na protecção dos valores colectivos. Denunciar os atentados aos valores colectivos não é meter o nariz na vida alheia; é defender os valores que a todos importam. O cidadão português não é o cubano membro dos «comités de defesa da revolução», nem o guarda vermelho da malfadada revolução «cultural» chinesa, nem o camarada informador da Stasi. Aí os cidadãos não eram defensores dos valores comuns eram os polícias do regime.
Quando os políticos são maus a Sociedade Civil tem obrigação de ser boa. Valete, frates."

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