sábado, 6 de fevereiro de 2016

EDITORIAL: A BAIXA E A "PENAIXADA" DE CINCO EUROS

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Há dias, porque necessitava de duas “coisitas”, fui a uma antiga loja de ferragens aqui na Baixa –praticamente, estas vendas tão pitorescas desapareceram e as que resistem já se contam pelos dedos de uma mão. Algumas delas, poucas, antecipando o futuro e adivinhando que se continuassem por aqui só restava o fecho de portas, transferiram-se para a periferia da cidade e, naturalmente, com a sua saída contribuíram para a desertificação da Baixa. Os motivos porque abalaram daqui são vários, não vou elencá-los todos. O principal, diria eu na minha ignorância, foi o pagamento de estacionamento público, caro e insuficiente. Mas passemos à frente. Entrei no velho estabelecimento –que agora, pela falta de cheiros a tintas e vernizes, a cal, a cimento, se tornou novo, moderno e estandardizado- e reparei que só o dono, já idoso, estava a atender –já teve vários empregados. Paulatinamente, foram diminuindo, diminuindo, até que hoje só restam o proprietário e um funcionário. Mais que certo e por não ser rentável, ao sábado já não abre. Lembro-me com muita saudade –mas a saudade não alimenta estômagos- que, noutros tempos, ali havia tudo. Era uma grande superfície implantada numa pequena área.
À minha frente havia umas quatro pessoas –todas de meia-idade para cima. O dono da loja estava a atender um casal de velhotes, de cerca de setenta anos. O homem, o cliente, queria uma coisa, a mulher emendava e queria outra. O lojista, onde só as rugas na sua fronte denunciavam a impaciência de que estava tomado, pacientemente andava de um lado para outro até à decisão final. Neste “queremos aquele queremos outro” passaram dez minutos. No fim, na apresentação da conta, reparei que pagaram seis euros. Os clientes que se seguiram fizeram uma despesa de dois, três euros cada um. Quando chegou a minha vez, já tinham passado vinte e cinco minutos, fui atendido e paguei cinco euros. Para quem não estiver entronizado no comércio, provavelmente, dirá que o velho negociante, por estar sempre a facturar, estará de boa saúde. Nada de mais errado. O montante que apura no fim do dia não chega para se manter aberto muito tempo.
Em metáfora, a Baixa, no comércio em geral e na indústria hoteleira, está transformada numa puta que leva cinco euros por cada “penaixada” –se você pensou em foda, o problema é seu. Eu sou bem criadinho, graças ao altíssimo.
Atente-se na generalidade das montras de roupas nesta zona velha: cinco euros, seis euros, sete e meio. Nas sapatarias idem aspas, aspas. Nos restaurantes, veja-se o preço das diárias, o preço comum é de cerca de seis euros.
O Centro Histórico, gradualmente, foi envelhecendo e consigo foi sendo acompanhado por uma clientela antiga e com pouco poder económico. As lojas tradicionais, nos nossos dias, ora servem para remediar a incapacidade de se transportarem até às grandes áreas comerciais –por não possuírem automóvel e no retorno carregarem sacos de compras- ora como consultórios de psicanálise. Estes pontos de venda comunitários estão transformados numa espécie de encontro de velhotes onde, catarticamente e sem pagar, é possível falar das suas vidas.
Passemos para a grande superfície, novamente em figurativo, é uma acompanhante de luxo. Só um simples beijinho custa dez euros. Entrar dentro dela e tocar-lhe tem de se pagar bem. Quem é o “montador”, o cliente, desta “prostituta”? Que tipo de poder financeiro possui?
É óbvio. É novo, bem-parecido, ricaço –nem que seja à custa dos pais-, e gosta de ostentar poder económico. Quer é ser servido, usufruir do prazer de ter, de possuir. E para o ser e ter, paga o que for preciso.
Contrariando o que se pensa, nada na grande superfície é barato. Para exemplo, coma-se uma simples sandes e beba-se um sumo e tome-se atenção à conta.

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