segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

UMA PICADA NA BAIXA DA CIDADE






Os comerciantes e industriais de hotelaria sediados na Rua Sargento-mor estão indignados com a falta de respeito dos responsáveis da empresa Águas de Coimbra. Metade daquela artéria está calcetada às três pancadas –mais à frente explica-se melhor a adjectivação-, com lençóis de água e as pedrinhas da calçada a levantar, e outra metade, por detrás da agência do Banco de Portugal, a rivalizar com uma rota do Paris-Dakar. Os buracos cobertos de água e a areia em desalinho travam meças com a popular prova automobilística mundial realizada entre a Europa e o Norte de África. Carrinhas de carga e automóveis ligeiros, devagar, devagarinho, num sobe e desce a evitar que um monte de pedras lhes danifique o cárter das viaturas, vão lançando lama e líquido amarelado arenoso para as paredes e montras em redor.
Como a natureza foi pródiga em despejar chuva a potes ontem e hoje, nesta segunda-feira a popular ruela que faz transversal com a da Sota fervilha de actividade. Patrões e empregados, com baldes na mão, numa irmandade de interesses saliente, limpam os estabelecimentos a toda a pressa para logo a seguir passar um carro e salpicar tudo novamente. Nesta azáfama, tentar obter uma declaração para este estádio de abandono e decrepitude é um pouco difícil e só consigo pelo conhecimento comum. As vozes saem-lhe entarameladas em azedume. Noto uma revolta acentuada na verbalização. Há queixumes que já entraram na alma. Especulando, imagino que se apanhassem ali o responsável pela situação, se fosse homem, apertavam-lhe os testículos enquanto o mergulhavam num dos muitos lagos de água barrenta.

PROMESSAS DE POLÍTICOS

Segundo Maria do Patrocínio, funcionária do Restaurante 007, com um balde a apanhar água do chão, “em Junho do ano passado, de 2015, as Águas de Coimbra, apelando à nossa paciência, fizeram distribuir aqui uns panfletos a anunciar o começo das obras de substituição de tubagem de saneamento e a terminar em Setembro. De facto iniciaram, porém, numa modorra incomodativa parece que não há pressa na sua conclusão. Já calcetaram meia-rua, um trabalho muito mal feito, diga-se a propósito. Basta verificar! É certo que sou empregada, mas temo pelo meu posto de trabalho. Ainda hoje, logo de manhã, telefonei para as Águas de Coimbra a dar conta da situação do piso e sabe o que me responderam? Deram-me o e-mail da empresa e que fizesse uma exposição por escrito. Valha-me Deus, senhor! Isto é resposta? Eu sou cozinheira e mal sei mexer num computador. Diga-me, isto não é gozar com as pessoas?”
Ao seu lado, Manuel Júlio de Almeida, proprietário do reconhecido restaurante, acompanha as queixas da sua colaboradora, “estou desolado com as Águas de Coimbra! Tenho de estar a trabalhar de porta fechada. Os vidros das montras, para além de estarem todos picados pelas areias provenientes dos automóveis, estão sempre enlameados. Não percebo quem orienta estas obras. A rua deveria estar interdita ao trânsito. É uma vergonha! É um escândalo! Uma falta de respeito! Nem tenho palavras! Faça do seu escrito a exteriorização, o lamento,  da minha dor! Dê-lhes forte, senhor Luís Fernandes!”


CALCETEIROS À FORÇA

Mário António, dono do Talho Sargento-mor, trocou a faca de desmanche por uma pá para tentar alinhar o chão e evitar poças de água precavendo assim levar mais um banho dentro do seu estabelecimento. “Estou tão enfurecido que até me falta o raciocínio! Andamos nisto desde Setembro e nunca mais acaba. Parecem as obras de Santa Engrácia! Propriamente em frente à minha loja está assim há cerca de dois meses. Por que não fecharam a rua ao trânsito? Entendo que são melhoramentos necessários e não contesto, reclamo, isso sim, pela falta de consideração por quem aqui labuta e tenta ganhar o seu pão. Para a sua conclusão, os trabalhos deveriam ser feitos noite e dia. Se fosse uma obra do Continente, de Belmiro de Azevedo, já estava tudo concluído há muito tempo!”

LIMPAR, LIMPAR, LIMPAR

Temos de estar sempre a limpar tudo várias vezes ao dia”, assim resume Fernanda Cunha, dos Armazéns Tonex, de malhas e miudezas, da firma Joaquim Antunes & Filhos, Lª, “o atraso destas obras está a causar-nos muita diferença. Sobretudo pelo fim e princípio de novo ano, em que saem e entram novas colecções. Temos as mercadorias cheias de pó –e mostra uma caixa retirada da prateleira onde uma fina camada é visível a olho nu. Para além disso, sublinho o estado em que os calceteiros deixaram o serviço feito em metade da rua. Com lombas cheias de água, parece impossível deixarem o piso assim! É uma desconsideração!”
Luís Brito, da sapataria Low Cost, afina pelo mesmo diapasão, “tenho tido muito prejuízo, causado pelo pó e lama. Tenho os sapatos sempre cobertos por uma fina película. Para além disto, a calçada foi feita à marretada! O que está, está mal realizada. A rua devia ter sido encerrada aos automóveis!”
Helena Gomes, a embaixadora de boa-vontade desta peculiar rua da Baixa de Coimbra, em resultado do que está a acontecer, só a custo mantém o inefável sorriso diplomático. “Não percebo nada de obras, mas entendo um pouco de lógica. Ou seja, não faz sentido andar a fazer uma calçada e a seguir, sem dar tempo para solidificar, os automóveis passarem por cima em contínuo. O trânsito, numa evidência sem contestação, devia ter sido cortado. Em metáfora, é como exigirem a um doente recentemente intervencionado por cirurgia que levante pesos e alteres. Repare como estão as pedras –e levanta uma sem esforço. Olhe ali as tampas de saneamento! As lombas de encharco multiplicam-se. A lama está constantemente a entrar dentro da minha loja. A empresa Águas de Coimbra, no mínimo, está a usar de uma negligência grosseira para com todos nós. Aquela gente, com este alheamento, parece um senhorio no seu castelo e que não desce ao povoado para ver o sofrimento do povo. Estou indignada!”



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