sexta-feira, 19 de junho de 2015

TRÊS CEGOS À ESQUINA


Há décadas que o Eduardo, um invisual nosso conhecido, tomou posse administrativa, por usucapião, da esquina que liga a Rua Eduardo Coelho com o Largo da Freiria e frente para a Rua das Padeiras e ali, diariamente e quando lhe apetece, exerce o seu metier. Sem respeito pelo título de propriedade, volta e meia, lá vem ora cigano romeno, ora mulher-pedinte de perna aberta e o Eduardo, cego de ver, ofuscado pela invasão e irritado com estes gajos que não respeitam nem colega de profissão, sem poder recorrer às autoridades, lá tem de gramar o abuso e tentar reaver o seu quinhão esquinado tão arduamente conquistado aos invasores bárbaros.
Hoje calhou-lhe na rifa um colega de profissão, de pedincha, obviamente, e ainda por cima cego de ver as realidades materiais a não ser pelo apalpar, o António, que ganhou parcela junto à igreja de São Bartolomeu e adquiriu umas quotas próximo de Santa Cruz. Então foi uma discussão que só não meteu pancada porque cego não vê e, por isso mesmo, se não vê também não sente. Mas ressentiu-se da presença do António porque lhe estava a estragar completamente o negócio. E o Eduardo até se irritou deveras e exclamou: “meu filho da mãe! Estás farto de me fazer isto! A tua sorte é que eu não tenho aqui nenhuma navalha… se tivesse, cortava-te às postas!”- Foi então que o Luís, outro cego como eles os dois e menos cego do que eu porque faço de conta que não vejo, agarrou o Eduardo por um braço e o levou para longe daquela esquina, meia esquinada e que um dia destes há-de dar molho grosso.


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