quarta-feira, 3 de junho de 2015

MAIS FUMO QUE FOGO NA RUA DO ALMOXARIFE





Pouco faltava para o bater das cinco badaladas no entardecer pachorrento da Baixa quando a quietude de modorra foi cortada pelo som estridente das sirenes dos bombeiros. Três carros, um deles com cisterna, ficaram estacionados no Largo do Paço do Conde. Um outro, um jipe dos mais estreitos, impossibilitado de avançar pela ocupação parcial da via, ficou retido na Rua das Padeiras. Vários bombeiros seguiram a pé e entraram num prédio na Rua do Almoxarife, por cima da alfaiataria Montenegro. Segundo um dos elementos dos soldados da paz, “tratou-se de um foco de fumo intenso dentro de um micro-ondas”, num andar cujo proprietário, alegadamente, não estaria presente. O alarme foi dado por duas estudantes residentes no piso inferior e que se teriam apercebido do cheiro intenso.

O CONTRASTE ENTRE OS MEIOS E A ACESSIBILIDADE

Como se este pequeno rebate fosse um exercício dos métodos de combate a incêndios, deu para ver que, por um lado, a Baixa é uma preocupação constante para os socorristas, por outro, os meios satisfazem melhor do que os acessos. As ruas estreitas e até algumas praças, num abuso dos comerciantes que já vem de longe, estão a ser invadidas e ocupadas muito para além do que o regulamento camarário permite. Pode até parecer que culpo a fiscalização municipal por não actuar. Não é isso que pretendo. Até porque adivinho que, muitas vezes, se não intervém é para não causar mais feridas no comércio tradicional. Não tenho dúvida de que quem manda sabe muito bem que o comércio tradicional, mesmo sem chama visível, há muito que arde em fogo lento e se vai consumindo sem se ver. E esta passividade, a meu ver, deve ser relevada. Escrevo bastante sobre o que se passa nesta zona velha e, talvez por isso sendo tantas vezes injusto, adivinho o que é levar pancada por agir e levar na mesma por não intervir. O problema é que as pessoas abusam. Está-lhes na massa do sangue –eu também faço parte dos transgressores. Ao procurarem desenrascar-se, de qualquer modo e jeito, olhando apenas para o seu umbigo, começam por prejudicar o vizinho, obliterando todo o espaço visual do seu negócio, e acabam a ser presumíveis concorrentes de uma tragédia anunciada.

DEUS QUEIRA QUE NÃO HAJA NADA

O problema é se um dia destes um qualquer incêndio, mal formado, sem contemplações e sem fumo, começa num destes prédios velhos e lhe dá na veneta de querer mandar tudo para o Inferno. Esperemos que Deus não durma e, lá do alto, olhe por nós. Mas, pelo sim, pelo não, vale mais não confiar na sorte e deixar de Lhe colocar tudo sobre a sua alçada.
Basta dar uma volta pelas ruas estreitas para verificar o que se está a passar. Claro que esta invasão também chegou às praças, largos e ruas mais largas. Embora não impliquem a obstrução que se adivinha nas outras ruelas, se calhar, em equidade e respeito por todos, também precisam de uma medida disciplinadora. Acho que não devemos ser radicais. O costume de colocar artigos em frente ao estabelecimento, por ventura, virá de séculos recuados –há quem diga que somos herdeiros do hábito dos países do Norte de África- e, por isso mesmo, não se deve varrer tudo de qualquer maneira e feitio. Em nome de uma tradição, pelo menos que cada loja possa expor os seus artigos junto à fachada e desde que não perturbe a circulação.
Para terminar, e como ressalva, gostava de deixar aqui plasmado o quanto me custa escrever sobre isto. Era bom que não fosse necessário e cada um chamasse a si a responsabilidade que lhe cabe. Mas, por valores que se levantam, tenho mesmo de o fazer.

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