terça-feira, 19 de maio de 2015

ENSAIO PARA PERCEBER A QUEDA DA ECONOMIA NACIONAL (1)





Há dias fomos todos surpreendidos pelo anúncio da falência da empresa proprietária de vários centros comerciais e ligada ao grupo espanhol Chamartín. No caso, trata-se do shopping’s Dolce Vita do Porto, Vila real e Coimbra. Recorda-se que o de Braga, que foi entregue à banca, também se encontra encerrado.
Até aqui perpassava a ideia de que os centros comerciais apresentavam um crescimento sem precedentes e estavam imunes à crise. Esta morte anunciada destes monstros de consumo vem mostrar que, afinal, a austeridade veio afectar todos, grandes e pequenos. Daí, talvez valesse a pena reflectir sobre o que está acontecer. Este declínio na economia nacional e consequente aperto na compra e venda é dos últimos anos? Começou em 2008, com a falência do banco americano Leman’s Brothers? Ou, por muito que custe a alguns, começou no dia 25 de Abril de 1974?

TENTANDO COMPREENDER AS OSCILAÇÕES DO PIB

Comecemos pelo PIB, Produto Interno Bruto, apontado para este ano, de 2015: 0,9%.
Agora recuemos até ao período de 1968 até 1974. Crescimento em relação ao ano anterior, em 1968: 10%; 1969: 10%: 1970: 14%; 1971: 13%; 1972: 22%; 1973: 34%: 1974: 16%. Nesta época de ouro da economia portuguesa a taxa média de inflação foi de 3%.
Convém lembrar que estávamos a alimentar uma guerra colonial, que começou em 1961. A primeira pergunta que poderemos formular poderá ser o que esteve por trás deste crescimento económico sem precedentes –e até superior à média europeia? E a resposta, parece-me, está no forte investimento público, por parte do Estado, nos diversos sectores de actividade. No período de 1968 a 1972, entre vários:
Na Agricultura: houve um acréscimo de subsídios à reconversão agrária de mais de 62%. Os apoios concedidos para a motomecanização agrícola e florestal aumentaram cerca de 300%.
Na Indústria: o PIB industrial teve um incremento, em milhares de contos, de 50,3% em 1968 para 71,2% em 1972. Nas indústrias transformadoras o investimento estatal aumentou cerca de 60% -englobando os têxteis, o calçado, matérias de transporte, químicas e minerais não metálicos, metalúrgica, máquinas e aparelhos eléctricos e outras indústrias, como a siderurgia, cimentos, celulose e produção de energia eléctrica.
Nas Obras Públicas: entre muitas, construção de hospitais, um Palácio da Justiça, várias estações dos CTT em diversas localidades do País, vários liceus e um total de 150.381 fogos para habitação.
Na Saúde: um investimento com um aumento de cerca de 102%. Construção de dois hospitais Centrais e ampliação de cerca de 22 distritais –dados retirados do semanário O Diabo.

O PIB DEPOIS DE ABRIL

Um ano depois da revolução de Abril de 1974, cujo PIB foi de 16%, em 1975 tivemos um crescimento de 10%; em 1976: 5%; em 1977: 5%; em 1978: 9%; em 1980: 23% -tentei encontrar explicação para este recorde mas não consegui. Porque vivi este período, estou em crer que foi um ano de muita esperança, de grande procura interna e desenvolvimento económico que fez disparar a riqueza nacional. Em 1981: PIB negativo de 3%; 1982: negativo de 5%; 1983: negativo de 11% -entre 1973 e 1982 a inflação média foi 18%.

O POVO UNIDO, EM 1983

É interessante ver o que dizia o jornal Povo Unido, de Abril de 1983, da APU, Aliança Povo Unido, coligação entre o PCP e o MDP. Por entender a importância histórica do que está escrito neste jornal, por isso mesmo, dei-me ao trabalho de transcrever algumas passagens. Aconselho deveras esta leitura:

Custo de vida: Se os portugueses enchessem a barriga com as imagens e as palavras que vêem e ouvem na TV, bem iam as coisas. Estávamos todos tão bem tratados como João Salgueiro, Balsemão, Mota Pinto, Lucas Pires, Mário Soares. Mas a vida é bem diferente. É assim: Em Dezembro de 1976, 1 kg de carne de vaca de primeira custava 100 escudos (50 cêntimos). Agora custa 530 escudos (2,65€). A pescada estava a 190 escudos (95 cêntimos), hoje está a 520 escudos (2,60€). O pão de primeira subiu de 12 para 46 escudos (23 cêntimos) e o queijo flamengo aumentou de 75 para 372 escudos (186 cêntimos). Um litro de gasolina super custava 17$50, hoje custa 74$00 (37 cêntimos) e o gasóleo passou de 4 para 40 escudos (20 cêntimos).
Aumentou tudo desta maneira? Não. Para os salários inventaram eles o tecto e os contratos a prazo. (…) Quem chega hoje às rendas de casa? E quem pode comprar casa depois do PSD e do CDS terem cortado os créditos? Mário Soares diz que é inevitável a mesma política e ainda mais sacrifícios dos portugueses. (….) A política do PS, do PSD e do CDS já mostrou o que vale. É necessário acabar com esta política. É necessário mudar.”

PS E MÁRIO SOARES: APAGAR O FOGO COM GASOLINA

“(…) Nas propostas de Soares, duas coisas estão perfeitamente claras: o PS quer continuar a mesma política que provocou e agudizou a crise e quer aliar-se no governo com o PS e o CDS. E o perigo que existe é que o PSD e o CDS –mesmo derrotados- continuem no governo, pela mão do PS. Numa palavra: o PS e Mário Soares querem transformar o fogo num pavoroso incêndio.”

“PROPOSTA DA APU: AUMENTO DA PRODUÇÃO”

“Os portugueses consomem mais do que produzem. É uma verdade. Para solucionar o problema há duas receitas possíveis. PS, PSD e CDS propõem como receita consumir menos, isto é, comer menos, vestir pior, não ter assistência, nem casa, nem conforto. Apertar o cinto, como temos feito desde que aqueles partidos foram para o governo. A APU propõe como solução o aumento da produção nacional, para substituição gradual de importações por produtos nacionais, uma política de melhoria das condições de vida, de aumento dos consumos e alargamento do comércio interno. PS, PSD e CDS propõem uma política de estagnação, com aumento da inflação, do desemprego e das taxas de juro. A APU propõe a dinamização da produção industrial e agrícola e das pescas, a mobilização das riquezas e recursos do país e do trabalho dos portugueses. PS, PSD e CDS propõem a política da crise. (…) A APU propõe a mudança.”

“LEMBRA-SE DISTO?”

“Desempregados: De 1975 a 1982 o número de desempregados aumentou de 222 mil para mais de 400 mil.
“Repressão: Comemorou-se no passado dia 27 de Março o sexto aniversário da criação da Polícia de Intervenção, criada pelo governo PS.”
“FMI: Impôs a Portugal e aos portugueses, através dos governos PS. PSD e CDS, a famigerada política dos “pacotes”. Algumas das “receitas” que continuam: desvalorização do escudo e aumento das taxas de juro.”
“Dívida ao estrangeiro: De 1975 a 1982 a dívida externa aumentou de 34,5 para 1200 milhões de contos. Este ano, só de amortizações e juros, vamos ter que pagar 210 milhões de contos.”
“Trigo: De 1975 a 1982 a produção baixou de 601 mil para 228 mil toneladas.”
“Promessas: O governo PS prometeu salários para as donas de casa e a “AD” (Aliança Democrática) uma cada (casa?) para cada família.”
“Saúde: Quem a quer –pague-a, foi o slogan do PSD e do CDS no governo e… vieram as taxas.”

“COMERCIANTES: PELAS RUAS DA AMARGURA”

“O comércio está pelas ruas da amargura.
Os comerciantes vendem cada vez menos, porque a população tem cada vez menos disponibilidades para comprar.
(…) A nova legislação imposta pela “AD” sobre arrendamentos comerciais, que ameaça a sobrevivência de milhares de pequenos comerciantes.
(…) A APU propõe a imediata anulação da lei sobre as rendas dos estabelecimentos comerciais.”

“AGRICULTORES: QUEM SE IMPORTA COM ELES?”

“Portugal importou em 1981 mais de 73 milhões de contos de produtos agrícolas –cereais, oleaginosas e açúcar. O governo do PSD e do CDS importou 72 mil toneladas de batata de semente, quando o país só precisava de metade. A batata nacional ficou a apodrecer. Como podem os agricultores portugueses, muitos dos quais vivem nas maiores aflições, compreender e aceitar uma coisa destas? (…) Os agricultores compram tudo cada vez mais caro e vendem o que produzem cada vez mais barato. O gasóleo subiu de 4 para 40 escudos desde 1976. Os adubos aumentaram 300%, os pesticidas e as rações 200%. E os agricultores continuam sem preços garantidos e sem escoamento para o que produzem. (…) A APU importa-se com os agricultores.”

“REFORMADOS: VELHA É A MISÉRIA”

“O PS, PSD E CDS só se lembram dos reformados quando há eleições. Então fazem-lhes promessas, para lhes caçar os votos. Mas na Assembleia da República só a APU tomou a iniciativa de propor o aumento das pensões e do 13º mês. A política seguida no governo pelo PS e depois pelo PSD e CDS liquidou por completo o que os reformados tinham conquistado com o 25 de Abril. Hoje, metade dos reformados recebe 3400 escudos de pensão e 99 em cada 100 recebem pensões inferiores ao salário mínimo nacional (geral 13.000$00 - Rural 10.900$00 - Doméstico 10.300$00). (…). Com a APU uma vida nova.”

“GRANDES PROJECTOS DE INTERESSE NACIONAL”

“A APU propõe o relançamento de grandes projectos económicos de interesse nacional. Todos os outros partidos, aberta ou veladamente, os rejeitam, porque são essas as ordens que recebem do FMI e da CEE. Os grandes monopolistas estrangeiros –e com eles o PS, o PSD e o CDS- não estão interessados em que Portugal invista e produza. Estão interessados em que Portugal lhes peça dinheiro emprestado… para lhes comprar a eles os seus produtos.
Entre outros, a APU defende os seguintes projectos:
-Plano Siderúrgico Nacional, para que já foram investidos vinte milhões de contos e que se encontra travado por ordem da CEE.
-Plano do Alqueva, que nos permite poupar na importação de energia e de petróleo, regar 200 mil hectares de terra e abastecer de água as cidades e localidades da região.
-Projecto de beterraba sacarina, que nos permite diminuir as importações de açúcar –no que gastámos 9 milhões de contos em 1981- criar postos de trabalho e aumentar o rendimento de áreas cultivadas.
-Projecto de aproveitamento integrado das pirites, que nos permite aumentar a exploração das reservas de minério de cobre de Aljustrel e de Neves-Corvo e a construção de fábrivas de metalurgia do cobre.”

“SOLUÇÕES E PROPOSTAS DA APU PARA A SAÍDA DA CRISE”

(…) Ao contrário do que se fez nestes anos, o que o país precisa é de responder à crise e às dificuldades com o aumento da produção interna, com a mobilização dos nossos recursos e energias, com o empenhamento criador dos trabalhadores, dos sectores produtivos do País! Para aumentar a produção nacional, é necessário apoiar os sectores produtivos, através de medidas de dinamização da economia.”
“A APU propõe: utilização das nossas capacidades para a produção de produtos actualmente importados; apoio aos pequenos e médios agricultores; corte das importações desnecessárias: apoio ao sector pesqueiro nacional; baixa geral das taxas de juro; revogação da lei das rendas comerciais.”
“Legalidade e tranquilidade pública: os governos do PSD e CDS tornaram-se responsáveis pela agudização dos conflitos e tensões na sociedade portuguesa.”

(EXTRACTO DO JORNAL POVO UNIDO, DE ABRIL DE 1983)

CONTINUA AMANHÃ.







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