sexta-feira, 13 de março de 2015

"PARABÉNS A MIM. OBRIGADO!"

“Começo por me apresentar: O Despertar, o mais antigo semanário de Coimbra às ordens de Vossas Excelências. Nasci como bissemanário -saía às terças e sextas-feiras- em 2 de Março de 1917 para ser parlamentar independente e plural e tendo como missão defender os valores da Liberdade, Igualdade, Fraternidade e pugnar pela Justiça Social.Modesto jornal de província, despretencioso e humilde, procurará seguir uma só norma, a da correcção, independente, alheio às facções partidárias, tudo quanto entenda merecer louvor será louvado nas suas colunas, o que lhe pareça merecer reprovação reprová-lo-á com altivez”, escreveu-se isto mesmo, a meu respeito, no primeiro número.
Portanto, com 98 anos feitos há dias. Quando dei o primeiro grito estava o Sidónio Pais a fazer oposição ao Partido Democrático Republicano e a preparar-se para liderar a Junta Revolucionária e, já com 9 anos, andava o cinéfilo Manuel de Oliveira, na Cedofeita, no Porto, a pensar o que haveria de ser na vida. Como se fosse hoje, também na minha primeira edição, de 1917, se escrevia assim: Deixem-se de política, arreiem as bandeiras partidárias, supeiem os ódios e os rancores, ponham de parte os interesses das clientelas, lembrando-se apenas de que o país precisa da dedicação de todos os seus filhos. Deixem esse papel degradante de perturbadores da ordem a essa meia dúzia de germanófilos, a esses maus portugueses “que pedem com fervor a victoria da Alemanha” e que neste período grave para para a integridade da Pátria, só estão dispostos a servi-la sobre condições vergonhosas, o cognome de Traidores, a chancela de vendidos, e nós todos os que amamos este lindo e abençoado torrão, vamos para onde nos chamar o dever, porque acima dos interesses, dos ódios e mal querenças, está a defeza da Pátria, o prestígio da República e a independência de Portugal”.
Assisti ao armistício da Primeira Grande Guerra, continuei a crescer e já adulto, com Salazar, atravessei a Segunda Guerra Mundial e presenciei a derrota da troica, Alemanha, Itália e Japão. Vi a fome passar por esta parte da cidade e beiras, pelo país. Observei o estalar da guerra nas ex-colónias e testemunhei a partida do soldadinho embalado em lágrimas e tantas vezes, tantos deles, a regressar emoldurado em quatro tábuas.
Com 58 anos de idade e ainda pleno da minha pujança física, certifiquei a revolução de Abril e elevei o cravo vermelho à altura da minha esperança. Acreditei que o futuro estava na democracia, do povo e para o povo, e o autoritarismo de Estado, como ferrete, estava enterrado nas catacumbas de quase cinco décadas e, através do voto, a política tinha de sair do armário. Em 1986, já com 69 primaveras, abonei que fazer parte, de facto, de uma Europa unida era uma medida a favor do desenvolvimento e, mais uma vez, confiei nos políticos. Vieram milhões, deixei de contar os tostões e até me julguei novo-rico. Em 1992, no meu aniversário dos 75 anos, no editorial da minha capa, escrevia-se assim:Esta tribuna livre e plural, impregnada dos valores da Liberdade, Igualdade e Justiça Social, está hoje em condições de vencer os desafios que os tempos lhe colocam: tem as instalações remodeladas e equipadas com material apropriado à completa feitura do jornal, desde fotocomposição à impressão; o aspecto gráfico renovado; equipa redactorial rejuvenescida; e o conteúdo mais rico, actual e diversificado; e a Redacção, a Administração e o Sector Comercial distribuídos por um amplo e recuperado primeiro-andar contiguo às nossas oficinas”.
Ora, com muita humildade escrevo, passados 23 anos como estou? Como todos os portugueses, mais pobre, velho e cansado de levar tantos pontapés no traseiro. Larguei a casa onde nasci, na Rua Pedro Rocha, deixei uma vida bela onde tinha várias mulheres e dediquei-me completamente a uma nova –à minha Zilda, que me acompanha para todo o lado e leva-me consigo no coração. Confesso, se não fossem os meus amigos, a que pomposamente alguns chamam colaboradores, a minha vida seria bem mais difícil. Eu continuaria a erguer a minha voz? Claro que sim mas, admitamos, não seria a mesma coisa. Tenho muitos leitores –um enorme agradecimento para eles. Tenho muitos assinantes e anunciantes. Sem eles, que me aturam e ajudam semanalmente, nunca seria o que procuro ser. Sou lido até onde o vento me leva, mas tenho um desgosto: ninguém me escreve. Gostava de receber uma carta a criticar, ou a enaltecer, a minha postura. Mas ninguém me liga! Sinto-me um daqueles velhos a debitar histórias mas nunca contraditadas onde começam sempre pelo mesmo tema: “No meu tempo…”. Por que não enviam um postalito de parabéns, ao menos? Pode ser?”

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