quinta-feira, 19 de março de 2015

LEIA O CAMPEÃO DAS PROVÍNCIAS...



Leia aqui o CAMPEÃO DAS PROVÍNCIAS desta semana.

Na página "OLHARES... POR COIMBRA E PELO PAÍS", na rubrica "NÓS POR CÁ..."  leia  o texto "INCÊNDIO NA BAIXA" e "COMÉRCIO: OS NOVOS GARIMPEIROS".



INCÊNDIO NA BAIXA

Cerca das 06h30 da manhã da última sexta-feira deflagrou um incêndio num pequeno armazém de géneros alimentares e bebidas que dava apoio ao estabelecimento de restauração “O Manel”, mais conhecido por “Manel do Bota-abaixo”, no Largo das Olarias, em frente à Loja do Cidadão. As chamas passaram para a oficina de Delfim Taborda, electricista de automóveis, e, levando também o seu depósito onde estavam arrumadas baterias, destruíram completamente todo o seu ganha-pão. Por contágio, o fogo alastrou também a um prédio contíguo desabitado.
Segundo o porta-voz dos bombeiros, João Patriarca, “vinte minutos depois o incêndio estava terminado. Foi retirada uma senhora de um outro edifício vizinho devido à envolvência e inalação de fumos. Foi fácil de combater devido à hora a que ocorreu e também pelos acessos facilitados.”
A combustão foi combatida pelas corporações de Bombeiros Sapadores de Coimbra, Bombeiros Voluntários de Coimbra e Bombeiros de Voluntários de Brasfemes.

A BAIXA É UM GIGANTE COM PÉS DE BARRO

Quando tentamos fazer perguntas aos chefes de bombeiros sobre a área envolvente da Baixa e maioritariamente com edificado em mau estado e a notória predisposição para a ignição, em corte, respondem: “não vá por aí! Não vale a pena falar nisso. Temos de continuar a rezar para que, um destes, não haja uma tragédia de lastro incomensurável”. Até agora, talvez devido à prontidão dos soldados da paz, todos temos tido sorte e ainda não aconteceu a repetição do fogo do Chiado, em 1988, em Lisboa.
Numa zona histórica com prédios centenários, com muitas paredes interiores em enxaimel –técnica ancestral de tábuas cruzadas e cal-, pisos em madeira e sem seguro de garantia patrimonial futura, a questão é: o que se poderia fazer para minimizar o previsível?
Primeiro, como as seguradoras fogem, como o diabo da cruz, de segurar estes edifícios –o normal é não apresentarem propostas ou, se o fizerem, os custos do prémio são tão absurdos que nunca se realizam- poderia a autarquia desenvolver esforços para negociar um seguro global e colectivo para esta zona de risco. Com o envolvimento dos proprietários particulares, estes pagando valores razoáveis, deveria tentar negociar uma cobertura para todos os edifícios. Pelo menos com um valor mínimo que, em caso de sinistro, garantisse que os proprietários recuperariam uma parte do perdido e que lhes permitisse avançar para o restauro.
Por outro lado, sem o estigma da posse administrativa e, como até há poucos anos, usada com espada de Dâmocles, de ameaça aos possuidores, a parte frágil e sem defesa, deveria a edilidade, através do pelouro da habitação, sentar à mesa todos os interessados em resolver esta dificuldade que urge e é, a cada dia que passa, mais um barril de pólvora. Não há problemas irresolúveis, pelo contrário, há incapacidade dos intervenientes em resolvê-los. Até aqui temos tido dois blocos inamovíveis. Um, representado pelos donos das edificações, sem dinheiro para alterar seja o que for e presos a um imobilismo incapacitante, não arrendam os locados porque estes não possuem os requisitos mínimos de habitabilidade e, por isso, as casas permanecem abandonadas há décadas. Outro, desempenhado pela autarquia, está o poder iluminado do “quero, posso e mando”. Com o Novo Regime de Arrendamento Urbano erguido em riste, pronto a fazer da lei um esquadro aplicável a todos por igual e sem levar em conta que cada caso é um caso, que na sua especificidade não se pode tratar por igual o que é intrinsecamente diferente, e que o mérito de uma solução reside na aplicação da legislação a contento das partes em confronto e não na sua facilitista imposição pura e dura. Do meu ponto de vista, saliento que desde que Francisco Queirós é vereador da habitação a sua actuação tem sido mais tolerante e humanista para os senhorios do que o anterior responsável pelo pelouro. Numa visão estalinista e anacrónica, por parte da Câmara Municipal, até há poucos anos qualquer dono de um qualquer barracão era tratado como um grande capitalista.
Por outro lado ainda, e à espera de uma resolução adiada, há dezenas de prédios na Baixa em que o único espaço que está activo é o rés-do-chão com estabelecimento comercial e cuja entrada para os pisos superiores é através da loja. Muitos dos andares, para além de decrépitos e cheios de lixo e a constituir um foco de perigosidade, estão a ser um ónus pesado para os comerciantes já que o valor tributável em sede de EMI, Imposto Municipal sobre Imóveis, e atribuído pelas Finanças engloba o prédio por inteiro e o senhorio, naturalmente, faz repercutir a sua incidência ao arrendatário. Servindo a edilidade como mediadora, é urgente criar uma entrada comum para dois prédios contíguos e dar utilidade a estes espaços habitacionais vazios e sem prestabilidade social. É que, para além disso, se a letargia continuar, vamos assistir a mais algumas falências nos próximos tempos.
É preciso flexibilizar ainda mais o licenciamento das obras particulares nesta área de antanho. É necessário ter a sensibilidade de sentir que comerciantes e proprietários estão esgotados e na berma do precipício. Basta, por exemplo, uma intimação da fiscalização camarária para fazer transbordar o copo. Há vidas humanas em jogo. Para além das obrigações materiais há cidadãos que querem participar se lhe forem dados meios acessíveis para continuarem a viver. Guiados pela generosidade, todos, temos de ser audazes e capazes de criar soluções possíveis para casos impossíveis e sempre que esteja em jogo o bem comum. Se assim não for, se não dermos um pouco de nós para derrubar barreiras, as zonas velhas das cidades, tais como as conhecemos, inevitavelmente vão desaparecer como centros de memória e convivência humana.
Segundo, numa altura em que a construção civil, como motor da economia, atravessa a sua maior crise de identidade, não se entende que o Governo continue a assobiar para o lado e não desenvolva um programa de crédito a custo zero para as zonas velhas –mas com contrapartida de rendas condicionadas com tecto máximo pré-negociado. A maioria dos proprietários de muitas destas casas são herdeiros sem dinheiro para mudar uma telha –em alguns casos chega à dezena de mandatários para o mesmo locado- e cuja transmissão foi um ónus e não uma benesse. Sem meios financeiros e completamente impossibilitados de recuperar seja o que for sentem-se perdidos num labirinto sem saída.
Se nada for feito, como dizem os bombeiros, um dia destes assistimos a uma tragédia e um quarteirão pode explodir como um paiol de dinamite. O melhor é mesmo continuar a orar a todos os santinhos para que a deflagração seja minimizada. O problema é se eles se distraem e há uma catástrofe. Nessa altura, como já é normal, vai fazer-se tudo a correr. É triste, não é?


COMÉRCIO: OS NOVOS GARIMPEIROS

O que pode mover alguém a abrir uma loja depois de, há cerca de uma década, ter estado estabelecido na Baixa e ter perdido milhares de euros? Pela experiência vivida, sabendo melhor do que ninguém que a arte de negociar, em compra e venda no comércio tradicional, não é mais a nobre competência de um ser humano e é antes de mais uma profissão de risco elevadíssimo, o que pode levar esta pessoa de meia-idade a repetir?
O que pode incentivar um empregado de meia-idade, recentemente mandado para o desemprego por a loja onde trabalhou décadas ter encerrado, a estabelecer-se por conta-própria? Sabendo ele, melhor do que ninguém, que a procura está em baixo e a deflação –com o embaratecimento contínuo dos produtos- é cada vez maior, porque persiste?
Não há respostas objetivas para as perguntas que formulei. Poderemos especular as razões. Com o abandono provocado e continuado, desde há trinta anos, do sector primário, na agricultura, nas pescas, na caça e na pecuária –de corte, na criação de rebanhos, e leiteira, produção de leite e seus derivados; com a deslocalização do sector secundário para a China e países emergentes do fabrico de roupas e têxteis, máquinas, ferramentas, alimentos industrializados, segmentos eletrônicos, com a crise que se abateu na construção civil, o que fica para quem quer e necessita de trabalhar? Naturalmente que, como estuário de embarcamento, só fica o sector terciário, constituído pelo comércio e serviços. Estando os serviços também em crise profunda, pela necessidade de conhecimentos –com a formação em escolas técnicas a ser abandonada pelo Estado nas últimas décadas- e míngua de rendimentos das famílias, o que resta? Como atividade que, em princípio, parece não requerer elevados conhecimentos, sobra o comércio como eldorado último e esperança de uma pepita de ouro. Então, se este raciocínio estiver certo, está explicada a razão de continuar a haver uma procura exacerbada de espaços comerciais numa área que todos sabem estar esgotada e adivinham antecipadamente que, provavelmente, o que os espera é o desastre. Então, a ser assim, também se entende que os proprietários continuem a abusar dos preços praticados nas rendas.

MAS AFINAL COMO É?

Começo por declarar que as duas rendas contratualizadas para os dois casos que ilustro ao abrir desta crónica foram aumentadas exponencialmente, mesmo sendo já de valores desproporcionados e que levaram os anteriores arrendatários a claudicar.
Se o Estado, ao tributar em 25 por cento os rendimentos prediais, está a provocar um aumento incomensurável no mercado de arrendamento e a contribuir para mandar para a miséria quem precisa do trabalho como símbolo de dignidade, contudo, não podemos continuar a ignorar o abuso crescente de certos senhorios sobre a parte mais frágil, que são os locatários –aqui, confesso, tenho de parar para me rir de mim. É que na última década não fiz outra coisa senão bater nas rendas congeladas e condicionadas, pugnar a liberalização, e defender que o mercado livre, entre a oferta e a procura, se encarregaria de nivelar os preços. Erro crasso para um inocente que não percebe nada de economia.
Com o tempo, e depois das alterações ao Novo Regime de Arrendamento Urbano, assistimos ao completo desvirtuar dos princípios económicos. Ou seja, apesar da oferta de espaços comerciais ser desmesurada –basta atentarmos no universo de lojas encerradas na Baixa- e a procura, em resultado da crise económica, ser menor e rarefeita, verificamos que, contrariando  a lógica, os preços das rendas continuam a subir. O que explica este desvio? Por um lado, porque o proprietário, sendo a parte mais forte, pedindo valores absurdos, pode dar-se ao luxo de manter um espaço encerrado durante décadas. Por outro, porque falta uma lei que obrigue qualquer unidade comercial a poder manter-se fechada somente seis meses sem atividade. Se fosse alterado, inevitavelmente, os preços desceriam para valores comportáveis. A continuar assim, é como se os proprietários de lojas fantasmas só tenham direitos e nenhum dever social. Os inativos, ao não contribuírem com impostos sobre as rendas, estão a ser discriminados positivamente em relação aos seus pares e a fomentar o desemprego. Com esta inércia, para além de o Estado estar a esbulhar quem cumpre e frouxo com quem contorna e parasita o sistema, estamos a favorecer o extermínio da empresa empregadora no comércio tradicional. Hoje, cada vez mais a pequena e média loja é mono-funcional, apenas funciona com uma única pessoa. Por que razão se continua a olhar as estrelas?




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