sábado, 17 de janeiro de 2015

O QUE SE PODE FAZER COM ISTO? QUE JUSTIÇA É ESTA?


(Imagens da Web)




“Maria”, filha única, é uma moçoila linda que ainda não soprou as quarenta velas. Os seus olhos eloquentes, para onde quer que se fixem, expressam luz e espiritualidade. Mora numa terra próxima do mar há cerca de uma dúzia de anos e, depois de um casamento falhado, desde quando se prendeu de amores pelo seu actual companheiro. Desta paixão nasceram dois rebentos que são o âmago da sua existência, a projecção de si mesma, um agora com 12 anos e outro com metade.
Com o passar dos anos Maria depressa se apercebeu que o reservatório do seu amor tinha um fundo duvidoso. Ora a trocava por outra, ora o afecto, tão presente nos primeiros anos, desaparecia como nuvem em quente verão. Para além disso, trabalhar para custear as despesas da casa era um esforço impossível para a sua débil vontade. Sendo as relações um universo entrelaçado que só subsiste pelo apoio contínuo, naturalmente que aquela ligação passou a ser tudo menos de firmamento. E as primeiras cominações do homem para a mulher, como ervas daninhas a emergirem de um pântano de águas turvas, começaram a surgir a todo o momento. Da verbalização à prática foi um pulo e Maria começou a sentir na pele as pancadas que lhe esmagavam o corpo e dilaceravam a alma. A ameaça de abandonar aquela vida de martírio começou a germinar na sua cabeça e a tomar forma na sua boca. A resposta do opressor foi afogar-se em álcool e recorrer a chantagem, na advertência de lhe retirar os filhos. E Maria foi aguentando aquela tortura física e mental. Mas toda a atrocidade para quem a recebe tem um limite. Com o tempo, mesmo bebendo diariamente o veneno que a torna quebradiça, sem nada fazer por isso, a vítima vai fortalecendo, deixa de sentir a dor, e vai criando uma revolta que a há-de fazer sair do círculo que a mantém prisioneira.
Sendo a casa de sua propriedade e fruto do anterior enlace, há cerca de dois meses mudou para outro quarto e passou a dormir com o filho mais novo. Foi o desencadear de novas acções violentas. Há três semanas, pouco depois do Natal, a meio da noite e toldado pelo etílico, o companheiro irrompeu pelo quarto e, à frente do filho mais novo, violou e pela força obrigou a mulher a manter relações sexuais. Foi o clique que faltava para acender um rastilho de uma bomba que se adiava em explodir. E Maria foi apresentar queixa na PSP. O dominador foi contactado e sinalizado pela polícia e em resposta aumentou a pressão sobre a companheira, retirando-lhe os cartões de crédito e o telemóvel. Entretanto submeteu a mulher e os filhos a entrar no automóvel e, sobre ameaça de morte, obrigou-os a acompanharem-no a uma vidente numa localidade com praia e ali próximo. Em desespero de causa, a “raptada” conseguiu contactar a mãe e contar-lhe o perigo e a aflição que juntamente com os seus filhos estavam a correr. A progenitora contactou a PSP e foi montado um cerco na sua vinda. Para além do inquérito aberto, foi imediatamente aconselhada a sair com os filhos da casa familiar –lembra-se que a habitação está em seu nome. Enquanto o tirano se mantém em casa, foram morar para junto de uma família amiga. Durante duas semanas esta prole desfeita viveu um calvário sem precedentes, sobretudo pela liberdade de movimentos do déspota que, para além de tentar resgatar os filhos na escola, continuou a intervalar com a mulher juras de amor e ameaças de morte. Pergunta-se, como estará a mãe, avó dos miúdos, a viver toda esta situação? Como estarão as duas crianças a passar por tudo isto?
Esta semana, sobre o âmbito da APAV, Associação de Apoio à Vítima, secretamente, abandonou a cidade onde viveu os últimos anos e partiu para local desconhecido para todos e mesmo para a sua própria mãe. Interroga-se outra vez: perante esta partida como fica a mulher que pariu esta mártir? Que sentimento de revolta será tomada esta mãe para com este sistema que pouco faz para neutralizar o dominador e impõe demasiados sacrifícios a quem apanha por tabela este padecimento? Que justiça é esta? Que deixa o opressor em liberdade, na casa que não é sua, e penaliza a vítima a transferir-se de mochila às costas e a desmanchar tudo desde laços familiares até largar o seu emprego de funcionária pública?
Só para lembrar e segundo o último relatório do Observatório de Mulheres Assassinadas da União Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), na última década morreram 398 mulheres vítimas de violência doméstica. Dizem os relatórios que é causado pelo ciúme e dificuldade em aceitar a separação, mas também por falta de intervenção imediata por parte das autoridades.


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