quarta-feira, 19 de novembro de 2014

UM PAÍS DE CONTRASTE ABSOLUTO

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Somos um povo bipolar, não há dúvida. Talvez por isso se entenda que, desde o ouro do Brasil, desde Passos Coelho ao António Costa, balançamos entre o terramoto e a euforia.
Tão depressa andamos décadas sem entrar numa igreja, desde o crisma do nosso menino, como passamos a enfileirar a causa última de preferir o pároco sem barbas e cabelo comprido, como em Canelas, Vila Nova de Gaia. Tão rapidamente se corrompe altos funcionários do Estado, que ganham milhões, com uns milhares de euros como, na outra ponta, uns funcionários da Câmara Municipal da Póvoa do Varzim, que ganham uns míseros 500 euros, devolvem uns milhares encontrados no lixo. Tão a correr é empossado um ministro de olhos esbugalhados, que parece hipnotizar todos à sua volta, como logo a seguir se coloca no seu lugar uma mulher bela, que por acaso até se pode chamar Anabela. Tão silenciosamente se atinge um estado de superbilionário como, num ápice, se perde tudo e volta à estaca zero. Tão no acaso de uma cidade esquisita, como Coimbra por exemplo, se estoiram milhões num Convento velho com nome de santo Francisco, como, no outro extremo, um velho teatro, com o nome de Gil Vicente, para conseguir mudar as cadeiras do anfiteatro tem de estender a mão à caridade pública. Tão em “vitesse” se altera um projecto de fontanário repuxeiro e se manda para o lixo uma bomba de água que poucos meses antes custou mais de 4000 euros como, no oposto, se adia a construção uma ponte em betão armado, na localidade de Torres do Mondego, e se continua a apostar em travessias de madeira cujo custo é de cerca de 6000 euros e todos anos são arrastadas pelas águas do bazófias. Tão, tão, tão, se jura amar uma mulher na fortuna e na desgraça como, num virar de lua cheia, se mata um amor que, afinal, tudo indica, nunca foi. Tão embandeirado se aplaude um novo governo, dito de direita, do PSD para, quatro anos depois, se escolher o PS, dito de esquerda, e que quatro anos antes foi excomungado por todos os bispos e ostracizado pelo povo. Tão, assim assado, se formam manifestações à porta da Inditex para reivindicar que a música ambiente nas lojas diminua de volume como, facilmente, se esquece que o tratado Transatlântico, a ser negociado entre a Comunidade Europeia e os Estados Unidos vão eliminar 90 mil postos de trabalho em Portugal. Tão urgente se torna a salvação de um gato e se convocam as polícias e os bombeiros como, num desrespeito total pela vida humana, não se liga nenhuma a um sem-abrigo a dormir num cartão numa entrada de um prédio perto de nós.
Que povo é este? Que povo é este, que, vivendo nos pólos, teima em baralhar tudo?

2 comentários:

Unknown disse...

Retrato perfeito deste povo que nasceu neste recanto do mundo e que tinha tudo para ser feliz .Mas ha sempre um mas!!!! Ana

Super-febras disse...

Amigo:

Já dizia um tal com nome de coisa rara hoje no nosso país, pois foram todos cegamente substituídos por alta e esguia raça Australiana: o povo é sereno, é só fumaça, o povo é sereno!
E tem sido assim com palavras mansas, trapaças e peçonhosas que nos têm mantido com as mãos nos bolsos, cabisbaixos, olhando a penumbra do nosso esqueleto na calçada lisa, arredondada por nove séculos a tropeçar constantemente, escorregando nos escarros de uma minoria ignóbil.
Mas o povo em si é bom! É o que diz quem nos visita. Continua a haver pão e vinho sobre a mesa, hospitalidade notada, especialmente nas nossas aldeias e nas camadas mais pobres. O mesmo posso afirmar eu, não porque conheça o nosso pais de lés a lés pois a maioria das viagens que fiz foram de vinte e oito tostões entre a paragem de autocarro ao fim da minha rua e a Portagem - não contando as vezes que as prolongava encavalitado na ré de um ou outro chiador eléctrico - mas porque fui criado na bondosa, e bairrista Ribeira de Frades, aldeia que como ela acredito eram as demais, no Corvo, na Terceira, em Santa Maria, na Madeira e Porto Santo, no Alentejo, no Minho, nas Beiras e até nos Algarves. Ao emigrar encontro-o com a mesma postura, lutando diariamente em ofícios árduos, pois à trinta e seis anos os que emigravam não traziam canudos na cova do braço, como penosamente acontece hoje em dia, mas, as calejadas pelo cabo da enxada, mãos prontas para o que desse e viesse, e que juntando à boa vontade o orgulho de ser Luso com o mesmo pão e o mesmo vinho marcam a diferença entre a vizinhança , esta que por aqui vem dos quatro habitados Continentes.
Então, porquê, como o diz um amigo meu de raça firme Transmontana, somos uma "cambada de patos bravos"? Para mim e a minha opinião só será válida se assim pensarem outros, a razão para a tal bipolaridade na nossa nação está na leitura ou melhor dizendo na falta dela. Ler é viajar, comungar dos acontecimentos e descobertas que nesta pequena esfera, rodopiando e a velocidades vertiginosas nos transporta através do nada, vão acontecendo. Ler é minar luz, luz mais valiosa que ouro, quente como a do Sol e aprazível como a da Lua. Ler é adquirir liberdade e a força necessária para a manter. Ler foi aquilo que me fez prometer o meu professor da escola primária, grande Mestre Pires lá do alto de Bragança, um ou dois dias antes de, com fato novo, ir à cidade para fazer exame.
O Estado Novo alfabetizou-nos mas talvez pela dureza como o fez não despertou em nós a leitura.
E isto com futebol e novelas não vai lá. Garanto-lhe.

Um abraço agradecido por, o ler me deixar.
Álvaro José da Silva Pratas Leitão