segunda-feira, 20 de outubro de 2014

EDITORIAL: QUE ADULTOS ESPERAMOS DESTAS CRIANÇAS?



Em notícia da semana passada, pelo Diário de Coimbra (DC) ficámos a saber que sob o mote “Não lixes o Mondego! Deixa os carrinhos nos pontos de recolha” é o nome da campanha lançada ontem, e que decorre até domingo, para sensibilizar todos os estudantes de Coimbra a acabarem com a “moda”, iniciada há uns anos, de lançarem para o rio Mondego, no final do Cortejo da Latada (e também Queima das Fitas) os carrinhos de compras que vão furtando das grandes superfícies da cidade, essencialmente para transportarem as latas de bebidas que vão consumindo durante o percurso. (…) a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) aceitou criar, este ano, no final do cortejo da Latada, cinco pontos de recolha dos carrinhos de compras utilizados pelos estudantes. (…) No futuro, o que é pretendido é que as centenas de carrinhos de compras deixem de ser furtadas todos os anos das superfícies comerciais da cidade (cada um custa entre 70 a 100 euros, o que significa milhares de euros de prejuízo.”
Hoje, segunda-feira, em título no interior e referente ao Cortejo da Latada, a festa dos estudantes que decorreu ontem, o DC noticiava: “Mais de 800 carros recolhidos
Ora bem, se somos surpreendidos pela primeira transcrição do jornal, na segunda, “mais de 800 carros recolhidos” não ficaremos menos perplexos. No primeiro caso, pela condescendência a raiar o absurdo, a parvoíce e o ridículo são tão grandes que provavelmente temos de bater na fronte para ver se estamos acordados e se isto não será uma brincadeira. Ou seja, o que nos é noticiado pelo DC é que, tentando fazer doutrina, o furto deixou de ser considerado como atentado às regras de conduta para ser incentivado e apoiado pelos serviços públicos. Mesmo quando o procedimento criminal depender de acusação particular –que é preciso ressalvar que um acto ilícito não deixa de o ser pela não apresentação de queixa do lesado. Simplesmente, não há lugar a prossecução, a inquérito e a processo, e não tem consequência penal. Por conseguinte, pela responsabilidade colectiva, a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) está obrigada a saber fazer a destrinça. Isto é, em metáfora, saber que a partir de agora, pelo precedente, deve criar postos de recolha para todos os assaltantes de viaturas na cidade. Sempre que um utilizador clandestino furte um automóvel e pretenda dar umas voltas com a namorada, em vez de o abandonar ou atirar para o Mondego, entrega o veículo nos postos de recolha. Se isto não fosse trágico dava vontade de rir.
O que está em causa por parte da autarquia de Coimbra é que perante um declarado ilícito não criminalizado, mas atentatório aos bons costumes, não responde à obrigação, enquanto reserva moral dos princípios e valores de uma colectividade, e trata os alunos como crianças irresponsáveis ou adultos inimputáveis. Contrariamente ao que deveria fazer, que era cortar o mal pela raiz, a montante, instigando a PSP a agir em conformidade, a CMC, actuando a jusante, para além de estimular a ilegalidade, é conivente na acção “criminosa” por parte dos estudantes. Repare-se que estamos perante um “crime” com dolo, com o autor a agir com intenção e ter consciência da sua ilegitimidade. Mais, a edilidade, perante o CPP, Código Penal Português, pode ser acusada de cumplicidade –art.º 27-1. Claro que poderemos ser levados a pensar na exclusão da ilicitude dos estudantes se a autarquia, ao financiar esta contravenção, nos quer transmitir que este furto é um direito consignado aos universitários. O que, por analogia, nos leva a supor que alguns danos causados em património particular, pelos estudantes, na Baixa e na Alta, também constituem prerrogativa de excepção.
No segundo título do DC salta então o número de carrinhos furtados: oito centenas. Dá para ver que as grandes superfícies, numa apatia de negligência grosseira, estão a fazer intervir as forças policiais para um desmando que, através dos seus seguranças, só a elas, enquanto privados, lhes cabe evitar. Ou pagam pela utilização dos serviços policiais? Não estaremos perante um inqualificável abuso? Será que andamos todos cegos?
No tocante à CMC, pelos vistos, fazendo dos cidadãos parvos, quer transmitir com esta desvalorização que, a partir desta legitimação, em nome da tradição, furtar um qualquer bem, independentemente do seu custo, tem o mesmo valor jurídico de um qualquer nabo “gamado” no Mercado Municipal. Sim, senhor! Coimbra é uma lição!

3 comentários:

Fruta & Hortaliça disse...

Completamente de acordo. A impunidade é total. Qualquer anormal bebado e de capa e batina pode fazer o que quer nesta cidade.

Anónimo disse...

vejo tantas pessoas a falarem mal dos estudantes, mas nunca vi ninguém falar mal dos médicos, esses sim também participam nas latadas, iguais aos outros estudantes...e os médicos que matam ninguém critica, porque são médicos, ninguém faz nada.

Desde do caso do Meco as pessoas tem horrores a estudantes e latadas, se não gostam dos estudantes, tirem os estudantes de Coimbra e vão ver a vossa querida cidade vazia, como acontece em Agosto, e Coimbra será a cidade fantasma.

Enfiar todos os estudantes no mesmo saco não dá...

LUIS FERNANDES disse...

UM COMENTÁRIO RECEBIDO E UMA RESPOSTA DADA

Fruta & Hortaliça deixou um novo comentário na sua mensagem "EDITORIAL: QUE ADULTOS ESPERAMOS DESTAS CRIANÇAS?":


Completamente de acordo. A impunidade é total. Qualquer anormal, bêbado e de capa e batina, pode fazer o que quer nesta cidade.



Anónimo deixou um novo comentário na sua mensagem "EDITORIAL: QUE ADULTOS ESPERAMOS DESTAS CRIANÇAS?":

vejo tantas pessoas a falarem mal dos estudantes, mas nunca vi ninguém falar mal dos médicos, esses sim também participam nas latadas, iguais aos outros estudantes. E os médicos que matam ninguém critica, porque são médicos, e ninguém faz nada.

Desde do caso do Meco as pessoas têm horrores a estudantes e latadas. Se não gostam dos estudantes, tirem os estudantes de Coimbra e vão ver a vossa querida cidade vazia, como acontece em Agosto, e Coimbra será a cidade fantasma.

Enfiar todos os estudantes no mesmo saco não dá!


RESPOSTA DO EDITOR

Começo por agradecer os vossos comentários. Ainda que antagónicos na apreciação não deixam de me merecer o mesmo respeito e consideração. Como o primeiro desabafo se encaminha na linha do meu pensamento não vou tecer considerações. Assim sendo, vou responder ao segundo anónimo, que se insurge contra o tratamento geral.
Então meu caro aluno –desculpe tratá-lo assim, não pretende ser redutor. Inicio a minha refutação para lhe dizer que, na parte que me toca, o desastre do Meco não desencadeou qualquer incentivo à crítica aos estudantes. Já há cerca de 30 anos que escrevo sobre o comportamento estudantil aquando das festas académicas. Mais recentemente, aqui. E mais aqui. Mais, nunca generalizei. Talvez não fosse suficientemente claro, mas não pretendi universalizar. Em todas as profissões, grupos ou áreas há de tudo: gente boa, menos boa e péssima. O problema, a meu ver, é que os exageros nas festas, desde furtos a vandalismo, são de mais e permitidos por uma certa hipócrita ordem social implantada –basta ler a comunicação social ou as redes sociais.
Sinceramente, acredito que, pela sua forma de escrever, é diferente da maioria e, por que se sente ferido, não quer ser englobado no mesmo saco despromocional. Quase que apostava que é senhor de uma autocrítica, de uma consciência, que o torna sensível ao que se passa no seu círculo de amigos mais chegados. Ora, penso, você sabe que o cenário à sua volta não é famoso e há muitos anos que se vem a degradar em declive acentuado. Por que a questão linear é: por que se manifestam as pessoas, sobretudo moradores e comerciantes, contra os desmandos dos estudantes? Será que são queixumes infundados? Ou seja, os universitários estão a ser injustiçados e a serem ponto de origem de uma cabala? Admita de que, de facto, a pouca vergonha, a desordem, existe e com tendência para aumentar.
Quanto ao facto de Coimbra sem estudantes, em Julho e Agosto, ser uma cidade vazia, meu caro, lamento contrariá-lo mas isso é uma falácia, uma não verdade que se cristalizou em mentes menos esclarecidas. Se antes da urbe ser classificada pela Unesco como Património Mundial já era uma inverdade, agora, depois da classificação, com o notório aumento de turistas, ainda precisa menos. Repare, retirando o arrendamento de quartos por particulares, praticamente os seus gastos –já desde o princípio da década de 1990- foram sendo todos canalizados para os SASUC, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra. É óbvio que não pretendo desvalorizar e dizer que não são importantes. São! Todos somos! Não serão é tanto quanto se julgam! Há mais sobranceria do que proveito. O quero dizer é que não discuto números económicos mas sim a idolatria parola, anacrónica –que já vem do Estado Novo- de uma classe política local subserviente, pasmada e pouco preocupada com os valores e princípios que devem nortear uma cidade. Apenas isto, meu caro!