quarta-feira, 10 de setembro de 2014

UM PAÍS CAQUÉTICO

(Imagem da Web)


A menina Ernestina é uma simpática velhota, com 95 anos, que mora próximo do meu largo. Assim do tipo de embalagem da Lili Caneças, não se sabe com que plásticas ela se cose. O que se imagina é que, à noite, quando tira a armadura em ferro por baixo da roupa de cor garrida, as peles mirradas pelo tempo, amarradas e apertadinhas devem cair com fragor e a fazer um barulho ensurdecedor no velho prédio do Centro Histórico. Seja por isso ou não, a verdade é que só ela se mantém no edifício de três andares e mais clássico  que a Lua.
Quando ela passa na nossa rua, de sapatos vermelhos e salto alto, toda maneirinha e cheia de luxúria ambulante, deixa atrás de si uma fragância de perfume que, pelo odor intenso, algumas vezes se confunde com fuga de gás. A verdade é que por mais apetrechos que ela empregue no corpo envelhecido pelo tempo, nunca deixa de ser velha -pelo menos a fazer fé nas declarações do “Toino das solas”, outro nosso vizinho e cuja soma dos “entas” é maior e nunca igual ao Teorema de Pitágoras.
Mas hoje a menina Ernestina está imparável, parece que está com a corda toda. Sei lá se teria tomado de um trago todos os comprimidos para ansiedade? Ela dança à chuva cá na rua do volta atrás. Temo o pior, palavra de honra! Às tantas ainda vamos ser presenteados com um strip-tease e lá vamos levar com aquela carne toda flácida em cima de nós –nem é por mim, juro! Estou é muito inquietado com a saúde da menina Ernestina. Às tantas pode dar-lhe uma solipampa! Na parte que me toca, já estou velhote e agora já só apanho sobras. Sou como o pescador que lança a rede de arrasto, tudo o que lá vem é bem-vindo, por obra e graça do senhor de todos os oceanos. Mas, confesso, ainda sou do tempo em que, mesmo com tudo a cair pela força da lei da gravidade, ainda se olhava duas vezes para uma gaja boa. Mas tudo muda eu sei! O homem é um eterno muda-que-muda porque só a mudança o faz vibrar.
Voltando à minha vizinha, está felicíssima da silva. Não sei o que se passa com a velhota. Ao romper da aurora, quando ouvi os seus gritos estridentes imaginei o pior e o melhor. Ou estava a ter um ataque fulminante ou um orgasmo com meio século de atraso. Afinal, depois de apurar o ouvido, estava a cantar o fado da Severa, do Tony de Matos, no “ó tempo volta p’ra trás, dá-me tudo o que eu perdi, tem pena e dá-me a vida, a vida que eu já vivi”. Mesmo assim, temi o pior e disse cá para os meus botões: tenho de ir falar com a velhinha. Tenho de saber o que se passa. Com a minha conhecida desavergonhice e cara de totó, lá subi as escadas do 31. Conte-me, menina Ernestina, o que se passa consigo? Avariou o seu sistema informático? Passou-se dos carretos? A olhar para mim com comiseração, como se olha para uma criança, enfantizou assim:
“Ora, ora, rapazinho! Não se faça de chico-esperto, pode ser? Aliás, não se chegue muito a mim para eu não ser acusada de pedofilia! A partir de agora quem me quiser possuir tem mesmo de me conquistar. Está a ouvir? O usado está na moda, o velho é que está dar, rapazinho! Então o vizinho não vê as declarações de amor do Paulo Portas e do Nuno Melo à Cristine Lagarde, a actual gerente do lupanário FMI, Fodemos Morcões e Inadaptados?”

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