quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O ESTADO EXTERMINADOR



Paguei o imposto de circulação de uma carrinha de trabalho três dias depois do prazo limite. O mês de matrícula é Abril e saldei a 3 de Maio –lembro que, de há dois anos para cá este imposto duplicou. Mais, a coima no ano passado era de 15 euros e este ano passou para 25.
Na hora em que liquidei o imposto propus-me juntar a coima. A funcionária denegou a pretensão alegando que esta liquidação teria de ser a posteriori e só após a elaboração do processo. Nunca mais me lembrei deste assunto, até há três dias em que, numa visita ao portal da Direcção Geral de Contribuições e Impostos (DGCI) e no referente à minha situação tributária, enquanto contribuinte, descobri que era devedor da quantia de 88,25 euros e já estava em vias de se transformar em execução. Verifiquei então que uma coima de 25€, que foi exarada para a minha caixa de correio electrónico fiscal e cuja obrigação de liquidação seria quinze dias após a notificação deu origem a uma triplicação do montante. Isto tudo no tempo de seis meses e sem que, de facto, tivesse conhecimento da intimação de dívida. Ou seja, a DGCI emana a participação electrónica e logo presume e dá por concluído que o contribuinte toma conhecimento e, perante a falta de liquidação, sem tomar mais qualquer outra iniciativa deixa correr o processo. Deliberadamente, com esta inacção de alerta, causa empobrecimento do contribuinte e, sem qualquer contraprestação e apenas no seu imobilismo, produz enriquecimento sem causa em seu benefício. Por que razão estará a Autoridade Tributária (AT) isenta de, através de notificação simples e por carta, dar conhecimento escrito ao faltoso? Mais, nos últimos tempos, a AT está a enviar avisos de alerta para o e-mail particular. Por que não o faz quando verifica o não cumprimento do pagamento de uma coima, como é o caso?
Mais ainda, como é que o devedor faz prova do desconhecimento da citação perante a acrescida presunção de culpabilidade dos serviços tributários? Não estaremos perante um abuso de posição dominante? Como é que fica a defesa do cidadão? Não é o meu caso, mas todos os contribuintes têm de ser obrigados a ter computador e a saber trabalhar com ele? Acho que estamos a entrar no campo do surreal. O absurdo totalitário tomou conta das nossas vidas. O contribuinte é tratado como uma besta, uma coisa que não pensa e, simplesmente por ser pessoa e descuidando o princípio da defesa pelo desconhecimento, apenas serve para produzir efeitos continuados na violação da norma e remuneratório em cadeia.
Ainda fui à Repartição de Finanças da minha área –que agora, pelo silêncio do vazio físico de contribuintes, mais parecia uma catedral- apresentar o problema. Mas a resposta foi assim taxativa: “se quiser conteste! Faça uma exposição ao Chefe da Repartição mas se não lhe for dada razão custa-lhe muito mais”. E uma pessoa –foi o que eu senti- julga-se insignificante, impotente perante o elevado poder arbitrário da máquina fiscal e só lhe resta pagar e não bufar. O que podemos fazer em face deste escandaloso confisco? Desistirmos de criar riqueza e passarmos a estender a mão à caridade? Fugir do País e deste sistema opressor? Desistirmos de viver?
O Estado está transformado no pior inimigo do cidadão. Acho graça quando a Polícia de Segurança Pública, PSP, distribui recomendações aos cidadãos em que, entre outros alertas, transcreve o seguinte: “Sê uma prioridade para ti próprio/a: não permitas que ninguém te humilhe ou te trate mal.”
Recuámos ao século XVI, ao tempo da política sem recurso à ética ou à jurisprudência, em que os fins justificam sempre os meios. O que importa é o calculismo político, aliando a força da lei à força física, conquistar e manter o poder e a autoridade. Tudo o que não contribua é despiciente, desprezível. Está de ver, todos os nossos políticos actuais leram O Príncipe, de Maquiavel.

2 comentários:

Anónimo disse...


Meu caro Luís. Numa coisa não estou de acordo consigo. O cidadão (ainda) tem formas de reivindicar os seus direitos. Pessoalmente, gosto muito de uma coisa chamada Provedor de Justiça. Experimente. Pode ser que resulte. Comigo já resultou!

Um abraço!

LUIS FERNANDES disse...

RESPOSTA DO EDITOR
Começo por lhe agradecer o comentário e também a sugestão. Gostaria de lhe dizer que amiúde vezes recorro ao Provedor de Justiça para, sobre a sua apreciação equidistante e sobre o que considero ilegítimo ou ilegal, pedir a sua intervenção. Na maioria dos casos –e já foram vários- a sua intervenção foi eficaz. Lembro aqui um caso passado há cerca de dois anos.
Embora não o referisse no texto, gostaria de o tranquilizar dizendo-lhe que este meu caso também seguiu para apreciação do Provedor através de participação online. Não o fiz a pensar em reaver a verba cobrada pela Autoridade Tributária e por mim considerada abusiva. Fi-lo sobretudo por entender que o procedimento está errado e, para além de enriquecer sem causa o demandante, é preciso abreviar caminho e respeitar o cidadão. Ora, como sabemos todos, se nos calarmos tudo continua igual. Tal como neste caso, estou convencido que na maioria das vezes os próprios funcionários dos serviços de finanças, tão embrenhados que estão em cumprir a lei quase cegamente, nem se apercebem que estão a calcar direitos e garantias dos contribuintes. É sempre com este sentido, na esperança de que consigo sensibilizar, que escrevo. Esta crónica segue também esse azimute.
Espero sinceramente que este tempo sem classificação nos valores, que arrasta a nossa felicidade e varre a nossa sociedade hodierna, como vento de suão que sopra e acalma, desapareça e nos traga a paz necessária e um outro olhar mais positivo e menos degradado entre o Estado e o cidadão, ou vice-versa. Porque os governos que passaram já não interessam, agora a solução está nas políticas deste executivo e dos que hão-de vir. E sobretudo na nossa forma de aceitar ou não as suas decisões sem recalcitrar, enquanto sujeitos a quem essas mesmas medidas podem causar sofrimento e desgraça. Uma coisa tenho a certeza: vão mesmo ter de mudar, caso permaneçam no mesmo limbo não sei o que pode acontecer. O cidadão comum está a viver na “red line”. Era bom que quem detém o poder se apercebesse que está em cima de um barril de pólvora.
Muito obrigado.