quinta-feira, 11 de setembro de 2014

DESPERDÍCIO NÃO RIMA COM POBREZA





Dalila mora na Rua do Almoxarife e está indignada. Veio ter comigo e, num misto de ordem e pedido de ajuda, retorque: “senhor Luís, o senhor tem de vir ver o que está no chão da minha rua! Você tem de escrever sobre esta indecência! Você conhece-me, sabe que já comi o pão que o diabo amassou e não posso presenciar uma coisa daquelas!” – e leva-me com ela na direcção da ruela que liga as Ruas das Padeiras e Eduardo Coelho.
Na estreita e curta artéria está um monte de artigos, mais que certo, provindos de alguém que partiu de uma casa próxima e, talvez em fuga de si mesmo, largou tudo, como se todos aqueles objectos abandonados há muito tivessem perdido a razão que despertava a alma da sua dona. Pelo chão da calçada eram visíveis uma mala de viagem, uns livros, um manequim estropiado, calçado em relativo bom estado e uns bonecos de olhar triste como a mostrar sofrimento por terem sido largados na pedra fria. Mas o que chamava mais a atenção –e foi isto mesmo que provocou a revolta da moradora da Baixa de Coimbra- eram vários bens alimentares, em bom estado, por ali espalhados: massa, arroz, óleo, atum, salsichas e até bolachas. Vamos ouvir os queixumes de Dalila: “já viu isto? Não há direito de se fazer uma coisa destas! Tanta gente a passar fome e colocarem tanta comida fora? Quem fez isto foi uma vizinha que era ajudada por uma instituição de solidariedade! As organizações de bem-fazer têm de saber o destino que os bens doados seguem. Casos como este não se podem repetir. Para quem dá valor às coisas isto é demasiado doloroso. Faz doer o coração!”


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