quinta-feira, 29 de maio de 2014

O VELHO RELÓGIO PARADO DA ESTAÇÃO NOVA



O relógio da Estação Nova permanece parado, morto e sem vida, há muito tempo. Estará em greve de zelo, como que a mostrar que a cidade nem anda para a frente nem para trás? Estará avariado? Quem vai responder a estas questões é Hermínio Freitas Nunes, proprietário da prestigiada firma de concertos de relógios de Campanário e de Torre e com sede na Marinha Grande "TicTac Temporis". Hermínio é um dos poucos especialistas nacionais que operam nesta área de conservação e restauro de relógios mecânicos e preocupado com a memória futura. A sua inquietação vai muito além do artesão reconstrutor; é um restaurador de obras de arte do passado, tentando prevenir o presente, para que a história não se separe dos objectos físicos e os vindouros saibam e tomem consciência de que a modernidade não assenta em cortes horizontais mas sim numa linha de continuidade.
Só se compreende que Freitas Nunes seja mesmo assim, um artesão de rara sensibilidade, sendo ele mesmo a trazer-me a indignação do relógio por ele reconstruído em 2009 permanecer naquela apatia, num desleixo inconcebível, e que se incomoda uma maioria a ele toca muito mais. Vamos ler o lamento pungido de Hermínio Nunes na primeira pessoa:
“Em 2009 foi-me adjudicada pela Refer Telecom a obra de restauro deste relógio, que é um das mais pequenas máquinas de torre do mundo, desenvolvido por Paul Guarnier (1801-1869) exclusivamente para fachadas das grandes gares ferroviárias da época. Além de França, sei que exportou estes marcadores de tempo para os caminho-de-ferro portugueses, ingleses e belgas. Desconheço se além deste, restaurado na minha oficina, existe mais algum similar ainda em funcionamento.
Por contrato, e incluído no preço adjudicado na altura, fiquei responsável pela manutenção e funcionamento deste velho marcador de tempo. Acabei por me apaixonar por este velho engenho de registar horas e sem que nunca fosse solicitado para o efeito, por minha iniciativa, sempre que venho a Coimbra lá vou dar um abraço com os meus olhos ao temporizador. Por coincidência ou não, sempre que vinha à cidade constatava a sua paragem e lá ia eu pedir a chave e dava corda ao meu protegido. Este, como a mostrar-me o seu reconhecimento parecendo sorrir de contentamento lá das alturas, ficava a trabalhar noite e dia. Até que há cerca de dois anos para cá deixei de poder aceder à torre. Ou porque não se sabe quem é o responsável –o anterior já se aposentou-, ou porque não sabem da chave, e sei lá de quê mais, a verdade é que o relógio jaz ali inerte e abandonado. E isto dói-me muito, sabe? No fundo, manter uma obra daquela importância histórica e que passou pela minha oficina naquele estado de desprezado, é um descrédito para o meu bom nome. Repito que, financeiramente, não ganho absolutamente nada em fazer isto. Com muito pesar porque me fere a alma, praticamente já desisti de dar vida àquela velha máquina, de valor incalculável e raro espécime museológico. É triste, não é?”


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"Finalmente Coimbra vai entrar nos carris a horas"
"Uma imagem ao acaso"
"Quem tramou a Estação Nova?"

1 comentário:

Super-febras disse...

Amigo:

Que pena! Mas expectável !
Já lá vai o tempo que o chefes de estação plantavam e tratavam dos jardins das mesmas para que, com grande orgulho, mostrassem o brio que tinham naquilo que lhes era confiado e porque eram responsáveis. Salvo erro até se premiava a mais bonita estação no país.
No tempo da velha senhora quem sabe não ia o chefe acabar por chefiar uma das estações dos nossos lindos Açores! Sim , nos Açores também há estações! Quatro! Primavera , Verão, Outono e Inverno!
Agora pergunto eu, será que o movimento ainda por lá está?

Um abraço
Álvaro José da Silva Pratas Leitao