sábado, 24 de maio de 2014

ABSTENÇÃO I LOVE YOU

(Imagem da Web)


Ao ler a notícia do jornal Público sobre “Cidadãos incapacitados ainda são abstencionistas à força”, em que se escreve, “Relatório europeu sobre participação política das pessoas com deficiência aponta Portugal como um de três países da União que fazem depender exercício da capacidade eleitoral da deslocação a mesas de voto”, sou levado a pensar que a abstenção faz mesmo muito  jeito aos partidos políticos portugueses.
Num tempo em que o telemóvel, a Internet e o multibanco tomaram conta das nossas vidas como é que se pode entender que a participação ao sufrágio exija uma deslocação presencial às mesas de voto? Só se compreende quando a não participação, cada vez maior diga-se a propósito, implica ganhos substanciais aos maiores partidos do chamado arco do poder, nomeadamente, CDS/PP, PSD e PS. Escrevo sem dados que me permita consubstanciar esta tese da conspiração, mas os dados são demasiado relevantes, e até a raiar o escândalo, para se pensar que não andará grossa marosca nesta jogada. Ao olhar para este procedimento arcaico é o mesmo que a lei obrigar os novos automóveis eléctricos, renegando o seu objecto alternativo, a terem de funcionar a gasóleo, gasolina ou gás para salvaguardar a indústria petrolífera –a propósito dos carros, na prática não será assim mas andará lá próximo pela criação de outros obstáculos.
Voltando à abstenção, se assim não fosse, ou seja, se não houvesse intenção deliberada de a provocar, como classificar o facto de o Cartão do Cidadão armazenar todos os dados das pessoas menos o número de eleitor?
Alguém, uma minoria, anda a fazer da maioria uma cambada de estúpidos e atrasados mentais. O que mais dói, pela performance fingida e teatral, vão ser as lágrimas de crocodilo vertidas nesta próxima segunda-feira quando se verificar que a abstenção nestas eleições foi superior a 60 por cento –nas últimas foi de cerca de 63 em cem.
Mais ainda, olhemos, nem que seja ao de leve, para as aberrações debitadas no último mês. Alguns inteligentes, supra-sumos da opinião política, “opinion makers”, como é o caso dos vendedores de política laranjinha Marcelo Rebelo de Sousa e o ministro de todas as ideologias, desde a direita até à esquerda, Diogo Freitas de Amaral querem impingir-nos a obrigação legal de votar. Se isto não fosse tão idiota e tão burro, vindo de quem vem e ditos tão inteligentes e o país não andasse tão sorumbático, dava vontade de rir. Podemos interrogar: alguma vez uma norma persiste no tempo apenas com base na sua obrigatoriedade? Persiste sim! Mas para tal acontecer o cidadão, na sua apreensão de justiça entre o bem e o mal, terá de classificar a medida como justa e essencial à vida em comunidade. Por conseguinte, como num contrato, a necessidade social terá de transcender o interesse individual. Vou explicar melhor, todos os cidadãos são obrigados a estar registados e a ter uma identificação, fiscal e personalizada. Salvo excepções, poucos contestam esta legalidade e não se sentem coagidos pelo facto. Ora compelir alguém pela força coercitiva a cooperar num acto pelo simples motivo de participação pública, tendo acoplado um objectivo dúbio, é o mesmo que se forçar alguém a beber água sem ter sede. Ingere-se o líquido para a boca e expele-se logo a seguir. O seu resultado prático será sempre nulo. Nos humanos, tudo o que é constrangido, sem uma participação mínima de base racional ou emotiva, tem tendência para a libertação. Na natureza a mesma coisa. Pode desviar-se um rio e manter o seu leito durante décadas ou séculos mas virá um dia em que tudo voltará ao seu ponto de retorno inicial.
Por outro lado, não deixam de ser curiosos estes constitucionalistas, Marcelo e Amaral, defensores da democracia e do pluralismo, quererem implantar uma medida, em tese, muito próxima dos regimes ditatoriais. Isto é, sabendo antecipadamente que os vencedores estão sempre num grupo de dois, uma vez que ganham sempre os mesmos na alternância, o acto de participação, obrigacional ou não, perde todo o interesse pelo efeito de não surpresa. É preciso clarificar que o processo eleitoral na actualidade está cada vez mais viciado. Com algumas excepções, quem continua a votar por princípio de cidadania, e sem estarem amarrados a agremiações partidárias, são os mais velhos. Os mais novos, retirando os jotinhas interesseiros e em busca do lugar ao Sol, para além de desconhecerem o que se passa à sua volta, pouco querem saber de política. Ora, sendo assim, quem resta? Os sequestrados de identidade, aqueles cujo domínio ideológico e partidário, prosélitos e seguidistas, há muito tomou conta das suas vidas e perderam a noção de liberdade. Hoje, em Portugal, os resultados das eleições estão dependentes e entregues a estes escravos e frequentadores da urna. Há deslocalização por descontentamento? Há sim! Mas tal como em finais do século XIX, o rotativismo está aí colado, para durar, e não interessa muito mexer no que dá tanto jeito a alguns eleitos.



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