segunda-feira, 12 de maio de 2014

A "MULHER BARBUDA": O ESSENCIAL E O ACESÓRIO





Enquanto animais políticos, que somos todos, semanalmente elegemos, pelo menos, dois temas para discussão pública, um nacional e outro europeu -ou mundial. Por muito que critiquemos esta forma, por vezes acintosa, de análise, todos acabamos a beber na mesma água da fonte contagiosa de mimética.
Não me vou debruçar sobre o tema nacional que, neste momento, andará na boca dos portugueses –se calhar, será a saída da Troika- porque essa não é questão que me interessa aqui focar. Por exclusão de partes, tendo em conta o que escrevi atrás, nesse caso vou referir o assunto internacional. E qual é o desta semana? Interrogará você, leitor? A meu ver, é o Festival Eurovisão da Canção, em que o vencedor -ou a vencedora, nem sei- foi um travesti, de 26 anos que representou a Áustria. Baptizado com o nome de Tom Neuwirth e que, segundo a imprensa, dá corpo à colombiana Conchita Wurts. Antes de prosseguir convém definir um travesti. Embora subdividido em várias categorias pelas ciências da medicina e da psicologia, vou à noção generalista de travestismo. Esta, é uma expressão significante de um travesti que segue um caminho diferente no género que lhe foi designado no acto de nascimento. Ou seja, se germinou homem, renega o seu papel de masculino que a natureza lhe concedeu e opta por viver o sexo oposto, pelo feminino. Não me vou debruçar muito sobre as causas, mas do ponto de vista médico sabe-se que têm a ver com a genética, na parte hormonal, e com o inconsciente. E este fenómeno é de tal modo reconhecido que a OMS, Organização Mundial de Saúde, declara a transsexualidade como um tipo de transtorno de identidade de género. Ao longo da história da humanidade estes iguais no somático, corpo, mas diferentes na psico, mente, sempre foram tratados injustamente como aberrações e abaixo da sua condição inalienável de dignidade de humanos. É bom lembrar que, nas últimas décadas e pela força coercitiva imposta pela lei, a sociedade muito avançou para reconhecer o respeito merecido por quem sofre desta anomalia genética –sim, anomalia, não doença como vulgarmente se diz! Embora escreva sem conhecimento de causa, creio que ninguém é transsexual por gostar de ser. É bom recordar que não se trata de uma escolha alternativa mas sim a opção possível para a felicidade; nasceu-se assim, com corpo de homem/mulher e com mente do oposto.
Depois desta explicação, implicando alguma subjectividade na minha forma de pensar, vamos então ao facto que me levou a escrever esta crónica. Comecemos pelo objecto do Festival da Eurovisão. Qual é? Apurar uma canção entre vários países europeus concorrentes. E foi ou não apurada uma composição vencedora? Foi! Gosta-se da cantiga? Não se gosta? Ou assim, assim? Tudo bem, esta preferência, ou não, entra no campo da individualidade de cada um e, de certo modo, não será discutível. Ora o que está acontecer com este Festival Europeu da Canção? Esqueceu-se o essencial, que é a composição –que para mim, é lindíssima!- e passou-se ao acessório, que é o modo de apresentação do interprete. Ou seja, num preconceito sem classificação admissível, passou a embrulhar-se tudo no mesmo pacote. Como não se gosta do cantor(a), por projecção mental de pré-conceito, também se detesta a canção.
Sem que ninguém me pergunte acabo a responder: choca-me a apresentação da “mulher barbuda”, como depreciativamente tem sido tratada nas redes sociais do mundo inteiro? Choca sim! Não sou muito indiferente à imagem e ao pensamento comum da maioria. Tudo o que é diferente, distinguindo-se do igual, causa apreensão. Porém, sou invadido de uma tolerância humanística e não misturo as coisas. Uma coisa é o fim do festival, que foi apurar uma canção, outra é a forma física de quem a levou ao palco –que apenas a ele lhe diz respeito. É difícil perceber isto?

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