quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: O DILÚVIO ANUNCIADO" e "UMA CIDADE ÀS AVESSAS"; "A MARIAZINHA FEZ ANOS"; "O BOM GIGANTE SOPROU UMA VELA"; e "FALECEU A SENHORA GEORGINA".



REFLEXÃO: O DILÚVIO ANUNCIADO

 Apesar do inverno rigoroso e termos tido ameaças sérias na véspera do ultimo Natal, ainda não foi este ano que a Baixa ficou completamente inundada –em setembro de  2008, num domingo e devido a intensas chuvas, a Praça 8 de Maio ficou com meio-metro de água e com muitas lojas comerciais alagadas. Apesar disso, os avisos estão ao olhar de um relance. O alagamento do Parque Verde várias vezes, este ano e em final do transato, mostra bem o quanto as imagens dos anos de 1960 podem materializar-se novamente e o dilúvio voltar a qualquer momento.
Está de ver que a dragagem do rio deveria ser uma das preocupações para o verão que se aproxima. Mesmo com as ameaças da empresa que gere o Bazófias, o barco turístico que manobra no Mondego, de ir navegar para águas mais profundas por impossibilidade de operar na bacia líquida que se apresenta à cidade, aparentemente, os planos de desassoreamento vão sendo passados para as calendas.
Ler todos os dias na imprensa local, por parte do executivo municipal, e dos partidos que o compõem, uma preocupação com obras megalómanas, como a construção de estradas, metro ligeiro, funiculares, gares, aeroportos, dá que pensar. Os exemplos estão mesmo à mão de semear mas tudo continua igual como até aqui. Ninguém quer saber do endividamento futuro. Empurram todos com a barriga para a frente. Em vez de salvar e manter o que se tem continua-se a apostar no betão. Este domingo ultimo o Diário de Notícias mostrava a nu a situação insolvente da Câmara de Gaia. Alguém leu?


UMA CIDADE ÀS AVESSAS

A semana passada, na quarta-feira, os jornais Diário as Beiras e Diário de Coimbra traziam à estampa a notícia de um prédio camarário, de quatro andares, que está em vias de ruir no Largo do Romal. Devido às intensas chuvas que têm caído nos últimos dias começou a soltar-se caliça para a via pública. Segundo as declarações de um dos vizinhos, com quem falei “Foi há cerca de 13 anos, já no tempo de Encarnação (ex-presidente da Câmara Municipal), que os moradores foram realojados e o edifício ficou vazio e a apodrecer. Ao longo destes anos, eu e outros confinantes, fizemos várias chamadas de atenção para a edilidade e nunca passaram importância ao assunto. Comuniquei para a proteção Civil e a mesma coisa! Foi então que, esta semana, comecei a temer pela minha vida. Peguei no telefone, liguei para o Diário de Coimbra e para o Diário as Beiras e disse para a minha mulher: vais ver se isto agora vai ou não vai! O Machado não tem nada a ver com isto, não quero prejudicá-lo, mas esta situação não pode continuar!”
O Diário de Coimbra, do dia seguinte, de quinta-feira, na primeira página, anunciava: “Prédio no Largo do Romal será demolido”. No interior do caderno, “A Câmara Municipal de Coimbra decidiu demolir “o mais rapidamente possível” o prédio degradado no Largo do Romal (…). (…) Ainda assim, as vistorias técnicas concluíram que não havia risco de ruir.”
Na sexta-feira, dois dias depois da bomba ter rebentado, portanto, era visível a azáfama na montagem de andaimes junto ao monumento da incapacidade e desleixo da coisa pública. De salientar que nas traseiras deste agora anunciado desastre está um outro prédio em igual estado ou pior e também em risco de capitular.
Passando por cima da incúria, da obrigação, e sobretudo o exemplo, da autarquia recuperar o que é seu (nosso) e servir de motor auxiliar para a revitalização da Baixa, vou focar-me essencialmente na decisão de demolir o prédio. Mesmo sem as declarações técnicas de que não oferece perigo elevado de cair –o que, em boa verdade, não é fiável de todo, basta lembrar a queda de dois edifícios na Rua dos Gatos, em 2006, depois de ser assegurado por especialistas da edilidade de que não cairia- há um pormenor que salta à vista: por que razão se vai arrasar um imóvel centenário no Centro Histórico? Em nome do novo tudo é justificável? Mais ainda, sendo esta parte velha qualificada como zona de proteção na classificação de Património Mundial da UNESCO, como é que se pode entender que se opte pela substituição do velho pelo novo? –Aliás, ao que parece, a declaração de interesse mundial obriga a que não se possam fazer demolições nas áreas classificada e protegida. Alguém consegue conceber que, num qualquer museu, se troque um prato “aranhões”, do século XVII, meio esbeiçado e com cabelo, por uma cópia de faiança recente? E ainda mais, do ponto de vista da racionalidade económica, será que fica mais barato demolir e reconstruir de novo ou restaurar o velho e mantendo as traças originais, interiores e exteriores?
Dá que pensar esta quase obsessão pelo camartelo. Será que o espírito de Salazar andará por aqui à solta? Tudo teria começado com a destruição da velha Alta, entre as décadas de 1940 e 1950. A seguir foi aqui na Baixa, através do bota-abaixo, no início de 1960, para dar início à idealizada avenida central. Em nome deste malfadado projeto, agora atrelado ao Metro Ligeiro de Superfície, em 2006 desconstruiu-se mais umas partes importantes de casario habitacional, comercial e de serviços.
Impressiona de sobremaneira a constatação de que não há um plano diretor para a Baixa da cidade. Salvo melhor opinião, ninguém tem ideia nenhuma do que se pretende. Num espaço que deveria ser tão rico em várias áreas, turística, comercial, serviços, hotelaria, o que se apreende? Que não passa, simplesmente, de uma manta de retalhos onde se fazem remendos atamancados, aqui, ali, e outros acolá. É preciso gritar bem alto: o declínio e a tristeza que se apanha às mãos cheias nestas ruas de solidão, sem cor, sem odor, sem brilho, são o resultado aritmético, das últimas décadas, de políticas que nunca tiveram em mente o superior interesse do seu progresso e muito menos o respeito pela história da cidade. O que esteve sempre em causa foi o marear ao sabor do vento e ao alcance de conveniências pessoais e eleitorais de políticos carreiristas. A urbe foi sempre utilizada como extensão das suas ambições desmedidas, onde primou sempre o livre arbítrio do eleito e sem ouvir as partes interessadas.
A Baixa de Coimbra é uma zona de calamidade social eminente. Em prédios a cair de podre –muitos deles propriedade da autarquia-, só por sorte não há vítimas a lamentar. É uma superfície urbana onde por de trás das fachadas decrépitas ou aparentemente consolidadas se movem vidas em apego pela sobrevivência. É uma espécie de microcosmo de seres vivos que, procurando não submergir, se entrelaçam em teias que visam somente a salvação. Tal como se escreve no princípio do texto, só se acorda quando há perigo elevado de se ser soterrado. Nesta altura, esquece-se os amigos políticos, que podem dar um jeito e não convém hostilizá-los, e pede-se a intervenção de todos os santos da terra, da imprensa escrita e falada, e do Céu para que venham todos a correr para nos salvar. Deus, Nosso Senhor, nos acuda para tanta inépcia!


A MARIAZINHA FEZ ANOS

Não haverá ninguém na Baixa que não conheça a botica da Mariazinha. Mesmo assim, e para o caso de haver algum ignorante perdido, vou explicar que o nobel estabelecimento da Mariazinha fica situado na Rua do Almoxarife. Entre outras delícias pantagruélicas, vende uma pomada milagrosa que rivaliza com o melhor placebo do mundo. Como quem diz, cura todas as doenças desde a ansiedade até às disfunções psicossomáticas. Por outras palavras, trata do corpo e da alma de todos os enfermos desta vida.
Mas eu não vim para aqui para fazer publicidade ao seu estaminé. O que me levou a escrever este arrazoado de palavras desconexas foi pelo melhor motivo. A Maria Roseiro Girão, a nossa musa encantada que, fornecendo o elixir da juventude, nos ajuda a caminhar com força nos caminhos tortuosos da existência, fez anos e, como tal, não poderia deixar passar em branco a efeméride. Portanto, em coro, gritem comigo: Parabéns, Mariazinha!


O BOM GIGANTE SOPROU UMA VELA

Do alto dos seus cerca de 1,90 de altura, o Jorge Martins faz-nos lembrar o Bom Gigante Amigo –é o personagem de um conto dedicado às crianças, de Roald Dahl. Não leu? Deixe lá! Eu também não.
Ainda que a brincar, no meio de tanta literatura que vende nos seus quiosques, na Rua da Louça e na Praça 8 de Maio, era mais que natural que o Martins se transformasse em personagem de enredo. Em boa verdade, e sem favor, o Jorge é um bom vizinho que nos acompanha por aqui, pela Baixa, há cerca de uma dúzia de anos. É uma daquelas pessoas que dá gosto ter por perto; um bom camarada, puro e leal, que nos transmite bons fluidos, positivos e energéticos.
Mas eu não vim para aqui para gabar as suas qualidades. O que me motivou a escrever mesmo foi o facto de o nosso “jornaleiro e revisteiro” diário ter feito anos. Como tal, e da praxe –afinal sou a favor da tradição-, cá fica um grande abraço, de todos os colegas da zona histórica e também dos leitores d’O Despertar, e um grito: parabéns e muitas felicidades, Jorge!


FALECEU A SENHORA GEORGINA

Durante anos e anos, a fio, em encontro de vizinhos, passou por mim nestas ruelas estreitas. Sempre que me via, com uma generosidade sem limites, parava e fazia-me uma festa prazenteira de palavras e acompanhada de um cumprimento: “olá, senhor Luís! Como é que está? E a família? Está tudo bem?”. Naturalmente, respondia com agrado à sua tão viva e marcante saudação. Talvez num egoísmo sem sentir, nunca procurei saber nada desta senhora. Nem o seu nome eu conhecia. Sabia apenas que morava numa destas ruas estreitas. Quando falava com ela apreendia o seu lado pachorrento e bom, com a mesma intensidade que se vê e ouve e recebe a mensagem de paz da água límpida a correr no riacho. Dava gosto. Era um contentamento para a alma.
Encontrei a sua foto numa comunicação de necrologia plasmada num mural. Chamava-se Georgina Nunes dos Santos, tinha 69 anos, morava na Rua das Padeiras, e foi a enterrar neste último domingo. Fica aqui a homenagem sentida à pessoa anónima, boa e gentil, que me deixou gratas recordações e passou por nós. À família enlutada, em nome da Baixa, se posso escrever assim, os nossos mais sentidos pêsames.

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