sábado, 11 de janeiro de 2014

A ÚLTIMA CRÓNICA DO MAMEDE


 Conheci-o pela primeira vez no início da década de 1980, quando me estabeleci por conta própria no Largo da Sé Velha, em Coimbra, com o café com o mesmo nome do ancestral largo. Nessa altura, o Eduardo Mamede era ainda um rapaz de vinte e poucos anos e também meu cliente diário.
O Mamede era um cronista de excelência, sobretudo de História de Portugal e então sobre Coimbra sabia tudo, ou, como observador atento, pouco lhe teria escapado. O nosso conhecimento aproximou-se também porque eu, de vez em quando, querendo imitar analistas como ele, mandava uns desabafos para a “Página do Leitor”, do Diário de Coimbra (DC). E algumas vezes, depois da publicação no jornal, de forma directa, sem rodeios –ele falava o que tinha a falar sem pedir licença-, lá vinha o Eduardo, com o DC na mão, rectificar o meu português aprendido nos socalcos da existência: “olhe que esta frase aqui está mal construída. Deveria ter escrito desta maneira!”. E escrevia ao lado.
Durante treze anos que permaneci no Café Sé Velha quase todos os dias trocávamos impressões. Não que fosse fácil, porque o Mamede, com a sua costela monárquica, como se afirmava amiúde, era uma pessoa difícil na aproximação. Na sua idiossincrasia, fazia lembrar um fidalgo brasonado da monarquia. Sempre erecto, de cabeça levantada, no caminhar da vida, não admitia réplica. Era senhor de uma profunda convicção que incomodava, numa quase arrogância implícita, para os simplórios como eu.
Durante muitos anos escreveu para o Diário de Coimbra onde, se a memória não me atraiçoa, chegou a ter uma coluna semanal. Pelo que sei, colaborou em várias revistas sobre história e incluindo heráldica. Sobre a cidade dos estudantes não teria havido nada que não deixasse nota. Desde a guitarra de Coimbra ao fado, desde o Paço de Sub-Ripas passando pelo Jardim Botânico, até à Casa de Domingos Vandelli em Coimbra, pouco da monumentalidade conimbricense lhe teria passado ao lado.
Curiosamente, como professor e aluno, desde há cerca de dois anos, como seu discípulo, vim a emparceirar com ele como colaborador, n’O Despertar –o mais antigo semanário da cidade.
Na semana passada o jornal deu à estampa a sua última crónica, como sempre assinada “Eduardo Proença-Mamede”. O título era já póstumo e impregnado de saudade: “Lembrar a Igreja de São Pedro”. O Eduardo Mamede deixou-nos. Partiu sem avisar. Tal como a sua última narração, este meu texto tem a presunção de o lembrar também como um excepcional historiador, que a cidade perdeu, e um excelente cronista que, creio, a direcção d’O Despertar não substituirá facilmente.
À sua mãe e restante família, nesta hora de luto e dor, os meus sentidos pêsames. Até um dia, Mamede.

3 comentários:

Lapa disse...

Obrigado pelas suas doutas palavras e pela sua modéstia.

Anónimo disse...

Poucos conseguem fazer uma descrição tão precisa do nosso querido amigo Eduardo Proença Mamede, Bem Acha por suas palavras.

Unknown disse...

Fui colega em Mação e ficámos muito amigos tendo trocado correspondência durante alguns anos que ainda guardo...hoje lembrei-me dele, li as suas cartas e os artigos que me mandava com elas e senti saudade até dos conselhos triviais que me dava. Combinámos muitos encontros a que ora um ora outro falhava, por acaso conversámos um dia em Coimbra e nova promessa não cumprida...mas este texto recorda-me bem o Eduardo.