sábado, 18 de janeiro de 2014

A PSP E A TÁCTICA DO ASSALTANTE DE ESTRADA

(Imagem da Web)

Pouco passa das duas e meia da manhã desta noite de já Sábado, dia 18 e a entrar no fim-de-semana, quando cheguei ao cruzamento da Casa do Sal, em Coimbra. A conduzir a minha viatura com 13 anos de idade –se fosse pessoa, diria que está na pré-adolescência e será daqui para a frente que, nos problemas a emergir, me vai pôr os cabelos em pé-, calmamente parei no semáforo que entretanto passou a vermelho. Olhando em redor, reparei que não se via vivalma, aliás, como todos os dias que ali passo por volta desta mesma hora. Enquanto esperava pelo verde, naqueles momentos de introspecção, pensava na minha vida. Naquele bem-estar que já tive e perdi e na existência estúpida, agora, que me atropela e todos os dias me dá rugas de consumição. Com máquina de uma qualquer fábrica da era industrial, quase sem paragem, como tantos portugueses, trabalho durante o dia e, como se não tivesse destino, à noite continuo na labuta para fazer face a compromissos. Antes do semáforo passar para verde, ainda tive um pensamento breve para o meu carro, o companheiro leal que me transporta diariamente: espero que não me deixes mal, que não te dê uma qualquer solipampa, que preciso muito de ti, meu amor!
O verde surgiu no lusco-fusco e eu continuei sozinho. Isto é, sem outros automóveis ao meu lado ou no horizonte visual. Engrenei a primeira velocidade e avancei. Foi então que vi um homem a correr, presumivelmente, saído de um agacho fora de vistas e seguido de outro. Trazia um colete amarelo e um bastão sinalizador e fez-me sinal para entrar para o lado direito, debaixo do aqueduto. Num segundo olhar às suas vestes, verifiquei que envergavam uma farda e seriam agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP). Acatei a ordem e entrei numa espécie de teatro de guerra –num espaço que durante o dia será estacionamento público-, onde eram mais as viaturas policiais e agentes da PSP que viaturas a serem inspecionadas, e senti-me uma espécie de partícula minúscula sem existência física. Era tal o ambiente carregado de tensão –na minha opinião quase a parecer uma caça ao assassino ou terrorista que naquela noite consumara um terrível atentado de consequências trágicas para a comunidade. Não os contei mas, se calhar mais de meia dúzia de carros da força e mais de uma dúzia de agentes masculinos e femininos a verificarem tudo o que diz respeito à condução. Carta, identificação, seguro, inspecção e teste de alcoolemia.
Num tempo, e numa medida que não compreendo, em que a PSP publicita previamente nas redes sociais os locais onde vai instalar os radares fiscalizadores de velocidade –como a dar a entender que se trata de uma medida profilática e que está mais interessada na prevenção social-, como entender que esta força de polícia pública, de Coimbra, utilize a táctica do vulgar assaltante de estrada para fiscalizar quem conduz? A PSP, ao longo da sua história recente e como outros corpos de polícia nacional, desde o Estado Novo passou de um quadro negro onde era um dos braços armados, e arregimentado, do Antigo Regime, onde grassavam cívicos sem formação e, muitas vezes, o álcool corria a jorros, para uma polícia especializada no trato com o cidadão. Nas últimas quatro décadas o respeito pela lei, na igualdade e na equidade, impera aos olhos do homem comum. Mesmo com manchas que borram a pintura, aliás igual a todas as classes profissionais, contrariamente a tempos ainda recentes, salienta-se a elevada estatura moral e formação cívica dos seus agentes que desagua numa competência de nível superior. Sem favor, como cidadão minimamente atento, pelo exemplo de alguns polícias que conheço, considero a PSP uma polícia necessária à comunidade e muito digna.
Ora o que assisti ontem na Casa do Sal, no procedimento do escondidinho, é um acto que diminui o cidadão comum e retira dignidade à PSP. A obrigação desta ordem, mesmo correndo o risco de desvio e fuga de muitos automobilistas, é apresentar-se garbosamente na via pública à vista de todos e não esconder-se atrás de uma moita numa descarada e vergonhosa caça à multa. A meu ver, no que assisti esta noite, foi uma indignidade que retira valor a este corpo de agentes. Não contesto o fim, no caso a fiscalização, mas sim a forma como foi organizada –que, ressalvo, comigo estava tudo bem.
Embora não por culpa da PSP que se limita a cumprir a prerrogativas legais, poderia escrever também que, por força das leis vigentes que não leva em conta as desigualdades crescentes nos utilizadores que conduzem, actualmente assistimos a uma espécie de Eugeniabusca de uma classe social orientada para a depuração física ou mental e onde os mais débeis, pobres ou ineficazes, são arredados e discriminados- e cujos desempregados ou pessoas sem rendimentos sofrem uma escandalosa discriminação negativa. Nesta obsessão igualitária, que atravessa esta nossa sociedade hodierna sem levar em conta as fragilidades de cada um, estamos num regresso ao Positivismo Jurídico que cruzou quase todo o século XX. Num manto de propaganda perniciosa, em que o securatismo assentou arraiais e passou a ser uma religião, se apregoa que todos somos iguais perante a lei, está-se a espezinhar e a trucidar o direito individual à posse e utilização, no caso a ser condutor de um automóvel. Se não fosse cá por coisas, diria que há uma intenção deliberada em empurrar uma parte da nossa população para o transporte de carroça e burro. Um regresso às origens e que nem foi há tanto tempo como isso, acrescentaria. Onde só alguns têm direito a carro com motor.

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