sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

REVER AS MEMÓRIAS



Escrevi este poema em 2008. Gosto muito. Teria sido criado num momento raro de inspiração. Sim raro, porque de inspiração não sou muito farto. Se o escrevesse hoje seria totalmente diferente. Passados cinco anos os rostos estão cada vez mais fechados... apesar de não haver sacos de compras a passar. É feio estar a citar-me, não é? Pois é! Mas não tinha mesmo mais nada para dar. E quem dá o que tem...



UMA FOLHA CAÍDA NO NATAL

É Dezembro…
Uma folha cai… lentamente…
Ziguezagueia por entre a amálgama de gente,
gente apressada, escrava do tempo,
insatisfeita, faces duras sem contento,
pisam a folha, alinhados em parada, com tacões,
ecoam na calçada… como centuriões,
as pedras vibram, com tanta precisão,
uma pedrinha solta-se na multidão,
alguém a pontapeia, ao acaso, em estopada,
e ela rolando, por cá e lá, vai sendo chutada;
O vento sopra, cortante, e a folha voa,
e de cima, olha para baixo, vê à toa,
este exército mal ordenado,
como se estivesse condenado,
a andar, a andar, sem se render,
mesmo sabendo que vai desaparecer,
continua a querer mais, a ambicionar
mesmo que por um metro de terra tenha de matar
e o menino de olhos tristes, cara meiga, faça chorar,
o que importa nesta guerra é o feito, o vencer,
a infelicidade não conta, mesmo sabendo que se vai morrer;
E de novo a folha cai… lentamente…
Um louco ri sozinho… desalmadamente,
pega na folha, com carinho, o anormal,
afaga-a com a mão, como se fosse um pardal,
faz caretas, gesticula, dança ao vento com nobreza,
embala a folha, dá-lhe beijos, filha da natureza,
nem o frio, a refrear o ímpeto, lhe faz mal,
ele sabe que é festa, não sabe que é Natal,
não sente a solidão, não conhece abraços,
não compreende a razão de tantos laços,
E de tantos rostos fechados com ar formal;
Alguns presentes e sacos enfeitados,
tantas almas embrulhadas,
tanto amor materializado,
tanto calor humano… desperdiçado
entre o dever e o ser,
só é gente com… o ter,
e a folha… lentamente,
nos braços de um demente,
sorri… para a turba disforme,
e pensa a folha, se eu falasse… uma frase conforme,
mesmo com a voz do tonto rouco, gritaria em altos berros: 
AFINAL QUEM É O LOUCO??!

1 comentário:

Estudante que traja de negro disse...

Magnífico poema, triste realidade!