sexta-feira, 20 de setembro de 2013

EDITORIAL: OS BENQUISTOS DA CIDADE



 São cerca de 14 horas nesta última quinta-feira. Venho dos lados da Rua da Sofia. Como todos os dias, em frente à Câmara Municipal vou ser barrado pelas jovens utentes da meritória obra da Comunidade São Francisco de Assis, que me vão tentar sensibilizar para ou comprar um objecto ou contribuir com uma moeda. Ainda que compreenda completamente o fim deste peditório –porque contribuí no primeiro dia- sinto-me quase agredido pela forma como é feito –aliás, bem na mesma linha de outros para instituições de solidariedade que se fazem nas ruas largas. Sinto um conflito, porque sei que se não se dirigirem directamente aos transeuntes todos passam ao lado e nem um cêntimo cairá na esperança de vida destas associações de solidariedade. Mas, por outro lado, este género de aproximação, de abalroamento massivo, chateia e, porque caíram na vulgaridade repetida, cria em nós anticorpos, uma má vontade imanente, que faz repelir toda e qualquer solicitação, seja para boas ou más causas. Perante a beleza da garota da Comunidade da Irmã Teresa não posso evitar lançar um olhar ao seu belo colo. Estou velho, eu sei. Quando passamos a "alimentar-nos" e a contentar-nos com imagens, pressinto, estou realmente no epílogo da vida. Paciência! Passemos à frente, que esta parte era perfeitamente desnecessária. Com a bela rapariga ao meu lado, mesmo mirando os atributos que Deus lhe deu –e que tenha compaixão de mim por esta minha fraqueza-, de uma forma cínica, vou dizer-lhe: tenha dó! Não pode ser todos os dias, menina! Também sou pedinte! Ela vai rir-se, pensando que estou a brincar –é interessante verificar que quando falamos sério, dizendo a verdade, por parecer tão inverosímil, quase nunca acreditam no que dizemos. Deixo a miúda de mão estendida. Nos poucos metros que me separam da Praça 8 de Maio vou a pensar nesta triste realidade em que estamos transformados. Uma obra tão meritória e de entrega ao próximo, como sei que é esta da Comunidade de São Francisco de Assis, para sobreviver tem de estar a prostrar a mão há vários dias naquele local. Sinto algum desassossego. Deveria ser mais generoso. Deveria lembrar-me de outras ocasiões em que também já pedi. Mas enfim! Avancemos, que estes desabafos não interessam nada a quem lê.
Percorro uma dezena de metros e estou agora no átrio da Igreja de Santa Cruz. No patim do vetusto templo um homem realiza e apresenta um espectáculo de magia, inserido na 17.ª Edição dos Encontros Mágicos de Coimbra. Em baixo, na pedra clara e plana, e em cima, na esplanada do Café Santa Cruz, cerca de meia centena de pessoas assistem à performance do artista estrangeiro, salvo erro espanhol.
Por momentos, vou parar e pensar. É o circo na cidade. Tento ter uma conversa séria com os meus botões. Ilusoriamente, como se me dividisse em dois heterónimos, começo a admoestar e a interrogar um deles: “lá estás tu com essa mania de criticar tudo! Fosca-se! A animação não faz falta à cidade? Se calhar, se não houvesse nada, às tantas, serias tu o primeiro a criticar, não?”. Imaginariamente a minha outra personalidade vai responder: “pois, bem sei que não é fácil de gerir uma colectividade. Tens razão, mas, comparando com o acto de pedir para a obra de São Francisco de Assis, há qualquer coisa que me coloca os cabelos em pé. Apesar de podermos classificar ambos de espectáculos cénicos, no sentido do desempenho social, cada um deles tem uma moral diferenciada. Um, o da irmã Teresa, de maneira altruísta, salva crianças sem pais, forma pessoas para a vida, tentando evitar que caiam na delinquência, e para o conseguir o que tem de fazer? Estender a mão à caridade. A outra, a mostra de magia, numa linha de entretém, em que o circo substitui o pão, distrai e ilusoriamente alimenta as massas. Mas há uma questão de pormenor, que é demasiado importante para deixar passar em branco: estes shows, que começaram em 1998, inseridos na 17.ª Edição dos Encontros Mágicos de Coimbra, este ano, durante cinco dias, custam ao erário público a módica quantia de 36 mil e 500 euros mais IVA; no ano passado 31 mil e 609 euros mais IVA; em 2007 60 mil euros; em 2006 54 mil euros; em 2001 custaram 26 milhões 240 mil escudos, na nova moeda 130 mil e 1200 euros.”
Lá estás tu! Isso são mesmo pormenores!”

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