terça-feira, 20 de agosto de 2013

O MURRO DUPLO NO DESGRAÇADO




 Ontem ardeu o restaurante Casino da Urca, em Santa Clara, junto ao Portugal dos Pequenitos. Foi um dia triste, de inenarrável memória, trágico de mais para os irmãos Barbosa que dali extraiam o seu pão e davam trabalho a funcionários -e também para um casal residente no primeiro andar que, pelos vistos, perdeu tudo. Ainda me lembro bem do João, irmão dos actuais donos, que faleceu há cerca de 25 anos, e que, na década de 1980, tomou conta deste antigo estabelecimento.
Ontem, foi já tarde quando soube que este marco histórico da hotelaria da cidade, num ápice, tinha desaparecido. É uma coisa incrível como num sopro o fogo tudo consome. O problema é que os centros históricos das cidades estão entregues à sua própria sorte. A maioria do casario, como era o caso deste prédio onde funcionava o Casino da Urca, é centenária e com pisos em madeira. Acontece que as companhias de seguros negam-se a segurar estes edifícios. Ou, no limite, podem até apresentar propostas mas o custo do prémio pretendido é tão desmesuradamente elevado que torna impossível segurar qualquer edifício nestas condições –não estou a escrever por acaso. Sinto na pele este problema todos os dias. Tenho um pequeno edifício na Baixa da cidade. Nos últimos anos tentei que várias companhias de seguros se interessassem para segurar o imóvel. Depois de saberem que os pisos são em madeira nem uma única proposta me foi dada a conhecer. O meu caminho e de todos os pequenos proprietários de prédios antigos na cidade –e no país- é rezar, todos os dias, a todos os santinhos que nos valham em caso de aflição. Estamos todos entregues a um destino que não se sabe muito bem onde começa nem onde acaba. É escandaloso que ninguém, quer o Governo, quer as autarquias locais, se preocupe com a situação futura dos micros proprietários de imóveis nas cidades velhas. É que em caso de tragédia qualquer pequeno dono de imóvel, ou pelo menos uma maioria, não tem dinheiro para a reconstrução. O Governo, quanto antes, deveria criar um regime especial de segurança que obrigasse as seguradoras a chamar a si os seguros. É um absurdo exigir-se mil e um cuidados na preservação da monumentalidade histórica particular, raiando mesmo o metafísico, e nada se faça para assegurar o futuro em caso de cataclismo. Não sei muito bem mas aposto que a maioria destes prédios velhos, como é o caso do acidentado de ontem, não têm qualquer instrumento que lhe garanta a reconstrução. Ora, é fácil de ver, assim perde duas vezes um bem que, em muitos casos, tanto lhe custou a ganhar.
Como é normal, comecei a escrever este texto com uma intenção e, como romeiro em busca do Santo Graal, acabei a tocar outros pontos. Escrevia eu logo na introdução desta crónica que foi já tarde que soube deste desastre enorme para os irmãos Barbosa. Mesmo assim, numa espécie de ver para crer, ou talvez uma homenagem ao que foi o Casino da Urca, passei lá eram cerca das 3h00 da manhã e tirei a fotografia. Enquanto captava várias imagens naquela rua deserta e silenciosa, mais parecendo um cenário apocalíptico de guerra, dentro do prédio ardido, comecei a ouvir ruídos de vidros a arrastar, como se alguém, naquela miséria visual, se aproveitasse para furtar o que ainda havia para surripiar. Como estava sozinho não me aventurei a investigar, no entanto liguei para a PSP. Não sei se lá se teriam deslocado e apanharam alguém. O que gostaria de salientar é que é triste acontecer uma coisa destas e, sem qualquer respeito por quem perdeu tudo, haver pessoas a comportarem-se como abutres, aves de rapina que tudo serve para encher a pança. Bem sei que tudo isto que plasmo é filosofia. Apesar de que o que vou escrever não gerar consenso, todo o homem é, intrinsecamente, um ladrão em potência. Dependendo o acto apenas de três factores: da vontade, da oportunidade e da necessidade. Se assim não fosse o roubo e o furto não teriam tanta indispensabilidade de constar no ordenamento jurídico. Por mais formação na educação que se empregue, sempre assim será até ao dealbar dos séculos. Mas é triste ver uma coisa daquelas. Fica aqui o desabafo… se é que interessa para alguma coisa.

Sem comentários: