sexta-feira, 30 de agosto de 2013

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "VARELA "PÉLONGO", deixo também as crónicas "GOODBYE, MY FRIEND, GOODBYE"; "PARABÉNS LILI"; "A VERGONHA QUE ENVERGONHA"; e "REFLEXÃO: ESTADO FROUXO".


VARELA “PÉ-LONGO”

 O homem que tenho à minha frente, ligeiramente arqueado pelo peso de muitos esforços, alegrias e tristezas, ao longo de 88 anos, é uma lenda viva da fotografia em Coimbra, no país e no mundo inteiro. Escrevo sobre Varela Pécurto. Esta pessoa simples, afável e tímida, é o decano, o precursor do retrato a preto e branco da imagem aérea da cidade. Foi um dos primeiros a poisar os olhos nos pormenores que passavam despercebidos ao comum e chamar a atenção para a sua conservação. Com a digitalização e o acesso popular à fotografia, hoje, ver imagens de um qualquer alçado de um edifício ou recanto da urbe é fácil e até corriqueiro pelo papel da Internet, mas há meio-século não era assim. Para além dos meios disponíveis nessa altura serem incipientes também não havia sensibilidade geral para o património artístico e monumental. Mas entrando pelos olhos dentro da pessoa com quem converso, como se rebobinasse um filme, em “déjà-vu”, é fácil de imaginar e ver um homem de máquina fotográfica a tiracolo a calcorrear, em passo apressado, as ruas e becos do burgo. Só corre assim quem ama o que faz, sentindo que o tempo urge e a mudança das coisas que julga mal está ao alcance da sua vontade e não dos outros, e toma a generosidade como lema.
Não me é fácil escrever sobre este gigante da divulgação das artes. Sobretudo porque já muito foi dito e gosto pouco de chover no molhado, isto é, dizendo a mesma coisa. Por isso mesmo, para me desonerar desta responsabilidade quem vai falar é o próprio. Faça o favor, Senhor Varela. Tem a palavra.
Sou natural do Ervedal, concelho de Avis. Vim para Coimbra com 23 anos, em 1948. Casei em Évora numa véspera de Natal. De malas e bagagem, abalei imediatamente para a cidade dos estudantes já com emprego garantido. Tinha sido convidado por António Gonçalves para vir trabalhar para a livraria Atlântida, que tinha uma secção fotográfica. Um ano depois fui chamado para ir trabalhar para a Ilda, no Largo da Portagem, que abriu como tabacaria e estava a desenvolver a fotografia. Entrei como sócio-gerente.
Em Évora eu era um observador; conhecia tudo, até as próprias pedras da calçada. Em Coimbra comecei a fazer o mesmo, a olhar para as minudências, a dissecar os cantos e recantos, para aqueles pormenores que ninguém ligava. Adaptei-me muito bem à Lusa Atenas. Morava nas Escadas de Quebra-Costas, o meu café era a Brasileira e trabalhava na Portagem. Chamava a este percurso o meu triângulo turístico. Preferi abdicar de casas com muito mais comodidades, mas que estavam muito mais longe, e viver junto ao estabelecimento.
Pergunta-me se estou bem? (Encolhe os ombros conformado e os seus olhos tornam-se embaciados). A minha mulher está inválida, acamada, há cerca de oito anos. Sou eu que tomo conta dela. Sinto algumas dificuldades, sim. Recebemos de reforma, ela e eu, 800 euros. Está a ver, não está? Medicamentos e alimentação… É uma verba insuficiente para vivermos com dignidade. Fisicamente é um esforço enorme o que faço pela minha companheira, mas encaro a minha entrega a esta causa nobre como uma missão. Normalmente conto com a ajuda do meu filho mas, como ele tem a sua vida, nem sempre pode. Se preciso for faço o almoço e tudo o que uma mulher desempenha num lar melhor do que um homem. Não foi esta a velhice que idealizei. Sinto-me um pássaro preso numa gaiola, refém desta situação, mas, apesar de ao longo da existência podermos escolher o nosso caminho, só temos poder de opção em face das alternativas que se nos apresentam. Mas, deixe lá! Já fiz um pouco de tudo. Tive uma vida cheia, sempre ocupada. Já fui correspondente da televisão na zona centro; como colaborador, já escrevi e fotografei para vários jornais locais e nacionais; já escrevi vários livros; já doei muito do meu espólio. Por parte das entidades públicas sinto um grande reconhecimento, uma grande consideração pela minha obra, e isso, esse facto, deixa-me confortado.
A Baixa há 60 anos era o coração da cidade. Construíram bairros à sua volta, transferiram para lá as pessoas que aqui nasceram e este núcleo foi perdendo os seus filhos. Foi um erro retirar os transportes das ruas largas. Esta medida ajudou a matar este centro comercial. A expansão urbanística, conjuntamente com a desregulada proliferação das grandes superfícies foi o golpe final. Atualmente o futuro desta zona está muito incerto. Não consigo vislumbrar uma solução. Os citadinos estão muito comodistas não se deslocam para fazer compras. Como não há movimento, os cafés perderam o espírito de tertúlia permanente. O comodismo das pessoas foi também o responsável por esta apatia e ajudou a aniquilar todas as vivências do centro histórico.
Antevejo que, qualquer dia, vou ter de ir para um lar. Gostava de não ficar longe porque Coimbra é a minha vida, é a minha alma. Alimento-me dos seus ruídos, o barulho das sirenes dos bombeiros, o pregão do cauteleiro, a lengalenga do ceguinho. Enquanto profissional de fotografia era obrigado a mergulhar nestes fragores. Sempre os associei às horas do dia. Foram sempre o meu relógio do tempo. Amo-te muito, minha Coimbra adorada!”


GOODBYE, MY FRIEND, GOODBYE

 Neste próximo domingo, no Pavilhão de Portugal, no Parque Verde, entre as 16 e as 19h00, com a participação especial de João Vila –músico e recente vencedor de um concurso de cavaquinho promovido pela SIC- será apresentado o lançamento do cd da denominada Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra.
Já aqui escrevi sobre este assunto, mas vou novamente lembrar que os proventos da venda deste trabalho musical, em parte, serão para custear a viagem de regresso de Paolo Vasil à sua terra-natal, a Roménia. Outra parte será para financiar o investimento do disco. Falando das canções gravadas, adianto de que se trata de 14 temas com letras e músicas originais de Luís Quintans. Este trabalho tem por título “Leva-me contigo”. Mostrando um cheirinho do que vai ser tocado ao vivo no Pavilhão Centro de Portugal depois de amanhã, vou dizendo que maioritariamente são cantigas de amor –o amor está sempre presente nas letras das músicas destes simpáticos animadores, na tristeza e na alegria. Mas como nem só de amor vive o homem, há também baladas de intervenção social a chamar a atenção pública que o músico de rua é um prestador de serviços, apresentando o seu trabalho com dignidade, e não um pedinte como vulgarmente se pensa. Assim como tem também canções a mostrar que este sistema político em que estamos inseridos é discriminador, não presta, e tem-nos conduzido à indigência coletiva. Mas essencialmente é o amor em toda a sua essência, enquanto elos de ligação e de conflito humanos, que se espalha aos quatro ventos e sob a égide da Lua, enquanto musa inspiradora de poetas e trovadores.
Os instrumentistas que atualmente compõem este agrupamento são a Celeste Correia, o Emanuel Veiga, o Armando Pereira, o Lourenço Pina, o Gastão Silva, o Paolo Vasil e o Luís Quintans. Em nome do grupo gostaria de deixar um agradecimento a Emília Martins, presidente da direção da OCC, Orquestra Clássica do Centro, pela forma como recebeu, sempre incentivou, e acarinhou estes músicos da calçada. Em nome de todos, bem-haja.
Quanto a si leitor, se puder, compareça neste domingo à tarde no parque Verde e adquira o cd. Mesmo sendo suspeito na minha apreciação, garanto de que não dará por mal empregue a nota de euros despendida.


PARABÉNS LILI

A Liliana Oliveira, a Lua Cheia, o luar de agosto sempre esfuziante de alegria manifestada em gargalhadas de fazer sorrir o mais sisudo, que com a sua luz inunda a nossa Rua Eduardo Coelho, fez anos. Quantos foram? E eu sei lá? E isso importa para alguma coisa? O que sei é que a Lili, como é carinhosamente conhecida aqui, pelas suas qualidades intrínsecas de boa pessoa, será sempre bela. A beleza é como um bom vinho. Quando o néctar é novo toma-se de um trago pela frescura sem levar em conta as suas propriedades naturais. Só depois de maturado muitos anos em carvalho velho nos apercebemos –quando apercebemos- das potencialidades do seu paladar.
Neste dia do seu aniversário, a Liliana recebeu muitas flores, muitas mensagens, beijinhos e abraços. Recomenda-me para, através desta pequena nota, sublinhar o agradecimento a todos quantos lhe manifestaram a prova de afeto. Como é óbvio não pude retratar todos. Como documento para a história, em que a imagem mostra o quanto valorizamos a sua amizade, fica o momento do carinho da colega Diana Gabriela e da sua filha Mariana. Parabéns, Lili!


A VERGONHA QUE ENVERGONHA

Enquanto houver príncipes a serem tratados de forma diferente pelo Rei, num coletivo que se apregoa juridicamente igual nos direitos e nas obrigações, a sociedade caminhará para a desigualdade endémica e fomentará a revolta, na maioria dos casos, infelizmente, em silêncios de conluio e comprometedores.
Enquanto os governadores da cidade deliberarem o seu destino como se a urbe fosse o seu próprio quintal e os cidadãos que nela vivem fossem os seus criados e sem direito a satisfação das suas altíssimas decisões que tocam todos, as urbes serão sempre um produto resultante da lassidão dos governados e do absolutismo de quem governa.


REFLEXÃO: ESTADO FROUXO

 A morte de quase uma dezena de bombeiros em combate às chamas este ano, e que há décadas, numa criminosa apatia continuada que desgraça o País de lés-a-lés, para além da perda de vidas, da dor incomensurável das suas famílias, deveria envergonhar-nos a todos.
O Estado é uma invenção recente com pouco mais de dois séculos. É um conceito abstrato representativo de todos os seus cidadãos. Através de um ficcional Contrato Social, entre direitos e obrigações, celebrado ilusoriamente e em que a força da coerção, através da lei, submete o cumprimento do ente mais fraco, as partes, povo e estrutura política do poder, o governo, se comprometem a dar e a receber. Ora, sem me alongar demasiado, o que estamos a assistir é a um Estado que não tem autoridade, pouco dá e retira de mais, é frouxo, e não cumpre as premissas de segurança que jurou defender. É débil para quem abusa, na destruição e no nada fazer, e forte, em exagero, para quem trabalha e cumpre.


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